PODER

Com ajuda de Temer, Bolsonaro muda o tom e busca reconciliação

Com participação decisiva do antecessor, presidente da República afirma, em carta, que jamais tencionou "agredir quaisquer dos Poderes". Disse, ainda, que declarações no Sete de Setembro decorreram "do calor do momento". Pacheco e Lira elogiam mudança de tom

Augusto Fernandes
postado em 10/09/2021 06:00
Do Planalto para a nação: Temer sugeriu a Bolsonaro um caminho para restabelecer o diálogo institucional após as manifestações de 7 de setembro -  (crédito: Agencia Brasil/Divulgação.)
Do Planalto para a nação: Temer sugeriu a Bolsonaro um caminho para restabelecer o diálogo institucional após as manifestações de 7 de setembro - (crédito: Agencia Brasil/Divulgação.)

Dois dias depois de protagonizar manifestações que pediam a destituição de ministros do Supremo Tribunal Federal e avisar que não obedeceria mais a decisões judiciais daquela Corte, o presidente Jair Bolsonaro resolveu baixar a temperatura política. E, nesse movimento, teve a ajuda de seu antecessor. Em uma tentativa de restabelecer o diálogo institucional com o Poder Judiciário, Bolsonaro recorreu ao ex-presidente Michel Temer. Conhecido pelo estilo apaziguador, Temer aconselhou o atual ocupante do Planalto a não esticar a corda e agravar o confronto com o Supremo Tribunal Federal e o Tribunal Superior Eleitoral.

Além do perfil conciliador, Michel Temer foi chamado por reunir outros atributos importantes no atual momento da crise política. O ex-presidente é um constitucionalista de reputação, reconhecido por juristas há décadas. E, fundamental: Temer é responsável pela indicação de Alexandre de Moraes ao STF. Antes de se tornar integrante da Corte de Justiça, Moraes foi ministro da Justiça no governo do emedebista.

Bolsonaro mantém uma boa relação com Temer. Em 2020, pediu ao ex-presidente, de origem libanesa, para representar o Brasil em uma ajuda humanitária enviada a Beirute. A fim de remediar os efeitos agudos da crise desencadeada pelos protestos do Sete de Setembro, Bolsonaro voltou a recorrer a Temer. Na noite de quarta-feira, enviou um avião presidencial a São Paulo. Temer chegou a Brasília na manhã de ontem, literalmente com uma carta na manga: uma declaração para tentar pacificar a nação. Nas quase quatro horas de reunião com Bolsonaro, definiu o teor do documento “Declaração à Nação”, divulgado logo em seguida. E estabeleceu um contato entre o presidente da República e o principal alvo de suas críticas, o ministro Alexandre de Moraes.

Na “Declaração à Nação”, o presidente da República afirma que nunca teve “nenhuma intenção de agredir quaisquer dos Poderes” e que as palavras “por vezes contundentes” contra Moraes “decorreram do calor do momento e dos embates que sempre visaram o bem comum”. “Reitero meu respeito pelas instituições da República, forças motoras que ajudam a governar o país. Democracia é isso: Executivo, Legislativo e Judiciário trabalhando juntos em favor do povo e todos respeitando a Constituição. Sempre estive disposto a manter diálogo permanente com os demais Poderes pela manutenção da harmonia e independência entre eles”, diz o documento.

Mesmo assim, Bolsonaro destacou que continuará discordando de Moraes. Após o alerta feito pelo presidente do STF, Luiz Fux, de que poderia incorrer em crime de responsabilidade caso desrespeitasse medidas judiciais, o presidente voltou atrás e garantiu que vai recorrer na Justiça de eventuais decisões do ministro contra o governo em vez de simplesmente ignorá-las.

Desconfiança

O recuo do presidente foi visto com reservas no Judiciário e no Legislativo. A desconfiança entre ministros, deputados e senadores é de que a postura conciliadora será deixada de lado, em breve, devido às críticas que sofreu de apoiadores nas redes sociais por amenizar o discurso. No STF e no Congresso, Bolsonaro terá de provar com atitudes de que não vai mais tensionar o ambiente institucional. De toda forma, os chefes do Poder Legislativo elogiaram a iniciativa do titular do Planalto.

“Respeito entre os Poderes, obediência à Constituição e compromisso de trabalho árduo em favor do desenvolvimento do país. É disso que o Brasil precisa e que vamos continuar defendendo”, afirmou o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), nas redes sociais.

“O presidente da República acertadamente serena os ânimos. Ele recomeça um movimento em direção aos Poderes, porque o país é maior que qualquer instituição, qualquer presidência de Poder, até a Presidência da República. Não é momento para desarranjos institucionais e briga entre Poderes”, acrescentou o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), em entrevista ao apresentador José Luiz Datena.

Logo após a divulgação da carta, Temer confirmou que participou ativamente da produção do documento e se disse convencido de uma mudança de postura de Bolsonaro. Em entrevista ao programa Brasil Urgente, da TV Bandeirantes, esclareceu que foi a Brasília em avião da Força Aérea Brasileira (FAB) cedo, após fazer ponderações sobre a crise institucional ao presidente na noite de ontem e dizer, por telefone, que era preciso pacificar o país.

“Eu vim, trouxe um esboço de uma declaração, submeti a ele durante o almoço. Ele fez uma pequena observação. Penso que causou boa repercussão e que ele, Bolsonaro, se convenceu, definitivamente, de que esse é o melhor caminho. Acho que foi bom para o país”, explicou o ex-presidente.

Temer afirmou que foi procurado por “muitas pessoas” nos últimos dias, diante da escalada das tensões entre os Poderes, por sua “voz ponderada”. Ainda assim, esclareceu que não pretende lançar candidatura nas próximas eleições, apesar de entender os movimentos políticos em sua direção como um reconhecimento ao seu governo.

Bolsa sobe e dólar cai após a nota

Após a alta de 2,89% ontem, em meio ao agravamento da crise institucional na sequência das manifestações de 7 de setembro, o dólar caminhava para encerrar o pregão de ontem em leve queda, na casa de R$ 5,30. Mas, na reta final dos negócios, o jogo virou. Declarações em tom apaziguador do presidente Jair Bolsonaro sobre a crise dos Poderes fizeram o dólar despencar — no momento mais agudo, a moeda rompeu o piso de R$ 5,20 e desceu até a mínima de R$ 5,1943 (-2,47%). Com uma leve recuperação nos minutos finais da sessão, a moeda americana fechou a R$ 5,2273, em baixa de 1,86%. O mesmo fenômeno se deu com o Ibovespa, mas no sentido inverso. Com a nota de pacificação apresentada por Bolsonaro, o índice da B3 mostrava ganho de 1,72%, aos 115.360,86 pontos, após ter fechado o dia anterior aos 113.412,84 pontos — uma recuperação de quase 2 mil pontos. O giro financeiro ficou em R$ 39,0 bilhões, após ter chegado a R$ 40,1 bilhões ontem.

 

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