Pior do que está dá para ficar.
Essa é a avaliação de economistas que viam como positiva a agenda de reformas proposta pela equipe econômica e que, agora, enxergam risco de retrocesso diante da fragilidade de Bolsonaro e da influência das eleições de 2022 nas decisões do governo.
Pelo menos dois elementos hoje tornam o ambiente em Brasília desfavorável à aprovação de reformas, pontua o economista sênior da MCM Consultores Mauro Schneider.
Primeiro, um governo enfraquecido — como é o caso de Bolsonaro, com índice de aprovação na casa dos 24% — é menos propenso a desagradar determinados setores e, por isso, é mais permeável a pressões.
"As reformas sempre implicam em perdas e ganhos. O objetivo, no fim, é gerar um resultado líquido favorável ao país, mas, na maior parte das vezes, alguém perde para uma maioria ganhar. Um governo enfraquecido é muito mais sensível a isso", ele pondera.
O segundo ponto é a aproximação do ciclo eleitoral, quando os governos, especialmente aqueles que não gozam de amplo apoio, têm a "tentação de considerar como prioritários os projetos que resultem em maiores ganhos eleitorais".
É o que parece ter acontecido com a reforma do Imposto de Renda, ele exemplifica. Depois de um vai-vem com pressões feitas por diversos grupos, o texto aprovado nesta quarta-feira (1/9) na Câmara dos Deputados cria ainda mais distorções no sistema tributário, segundo especialistas.
Para além da piora da proposta inicial, a própria decisão de pautar a reforma do IR seria um indicativo de que o ciclo eleitoral é de fato a prioridade do governo, já que há outras propostas no Congresso consideradas mais importantes para o esforço de simplificação do sistema tributário, como a reforma dos impostos sobre consumo, como ICMS e PIS/Cofins.
"Aqueles que têm criticado dizem que o IR entrou na frente porque geraria o benefício de agradar a classe média", diz Schneider à BBC News Brasil.
Em relatório enviado a clientes da consultoria no fim de agosto, o economista avalia que seria melhor paralisar a agenda de reformas "para se evitar o risco de aprovação de medidas que provoquem uma piora do ambiente econômico no país".
O ex-secretário do Tesouro Carlos Kawall, hoje diretor do ASA Investments, faz avaliação semelhante. Se o "normal", com a proximidade do calendário eleitoral, seria já não termos um momento favorável para a aprovação de reformas, diante da atual conjuntura ele acaba se tornando desfavorável.
"Temos riscos de aprovar reformas que não só não sejam um avanço na direção que a gente quer — do ponto de vista da consolidação da aceleração do crescimento econômico, geração de emprego —, mas que retrocedam em coisas que já foram conquistadas", pontua o economista.
"O que está se buscando agora é menos fortalecimento do arcabouço institucional e mais a aprovação de medidas de alívio fiscal com intuito eleitoral", acrescenta, mencionando a reforma do IR e a PEC dos precatórios, que propõe parcelar dívidas da União constituídas por decisões judiciais com trânsito em julgado para que o governo possa acomodar uma expansão do gasto com seu novo Bolsa Família.
Os sinais preocupantes, contudo, são anteriores e já apareciam desde a tramitação do Orçamento de 2021, diz Kawall. A peça foi aprovada em março, com três meses de atraso, uma série de despesas subestimadas e cerca de 22% do total de investimentos direcionados para o Ministério da Defesa.
O valor previsto para as emendas parlamentares, que os deputados e senadores utilizam para gastar em obras em seus redutos eleitorais, bateu recorde e atingiu R$ 48,8 bilhões. Após a sanção presidencial, o custo das emendas caiu para R$ 33,8 bilhões, que ainda assim é recorde: quase três vezes o total aprovado em 2019, no primeiro ano do governo Bolsonaro, R$ 13 bilhões.
"A gente está discutindo o 'meteoro' [termo usado pelo ministro da Economia, Paulo Guedes] dos precatórios, mas a gente tem que lembrar que houve um 'meteoro' das emendas parlamentares também neste ano, né?", comenta Kawall.
"Se a gente tivesse resolvido aquele meteoro anterior de outra maneira — e ainda podemos pro ano que vem —, talvez o dos precatórios não fosse tão problemático."
O 'risco jabuti'
Schneider relembra o caso mais recente da capitalização da Eletrobras, outra evidência de que a fragilidade do governo pode se materializar em distorções importantes nas propostas que tramitam pelo Congresso.
"O caso foi muito simbólico porque a MP acabou levando junto na sua aprovação os famosos 'jabutis'", diz ele, referindo-se aos adendos feitos no texto que não têm relação com o tema da proposta.
Entidades do setor elétrico avaliam que os jabutis da MP que abre caminho para a privatização da estatal podem aumentar ainda mais o preço da energia consumida no país — contrariando o discurso do governo de que a proposta poderia baixar as contas de luz em 7,36%.
Um dos pontos incluídos traz a previsão de contratação obrigatória de termelétricas a gás natural em diferentes regiões do país, medida que exigiria investimento para aumentar a infraestrutura de gasodutos existente. Outro prevê uma reserva de mercado para energia produzida por pequenas centrais hidrelétricas (PCHs), o que, na prática, vai na contramão da livre concorrência.
"O caso da Eletrobras não foi um jabuti, foi um Projeto Tamar inteiro, né?", brinca o economista José Roberto Mendonça de Barros, ex-secretário de Política Econômica.
No fim de maio, em artigo publicado do jornal O Estado de São Paulo e intitulado Reformas à Moda do Centrão, ele dizia julgar prematuro e exagerado o otimismo que o mercado financeiro demonstrava naquele momento com a tramitação das reformas após a aliança entre governo e o Centrão — um amálgama de partidos que tradicionalmente se aproximam do Executivo na tentativa de colher vantagens, seja na forma de cargos na administração pública ou de recursos que possam injetar em seus respectivos redutos eleitorais para garantirem suas reeleições.
"O que eu queria dizer [no texto] era, ora, aprovar alguma coisa eles vão, mas a qualidade do que vai ser aprovado, se de fato vai valer a pena, é que é o problema."
A reforma do Imposto de Renda, diz ele, é uma das que mais urgentemente merecia ser descartada: "É tão inconsistente que é melhor não sair nada".
A aprovação do texto na Câmara nesta semana foi alvo de duras críticas por parte tanto de economistas liberais quanto dos chamados desenvolvimentistas, dois grupos que em geral estão em polos opostos das discussões.
Sócio-fundador da Macro Capital Gestão de Recursos e ex-economista-chefe do banco Credit Suisse, Nilson Teixeira lembra que ainda antes de começar a ser discutida pelos deputados a proposta já era frágil.
Depois de entregar o projeto, Paulo Guedes chegou a afirmar em entrevista que os cálculos da Receita Federal haviam sido muito conservadores, gerando erro na calibragem das alíquotas propostas — o que levou a uma alteração no texto.
"Eles estavam há dois anos para soltar uma proposta e soltaram aquilo. Qual a confiança que se tem quando eles mesmos não tinham convicção no projeto?", disse à BBC News Brasil.
A esse elemento ele acrescenta a "fraca participação" do Executivo, incluindo o presidente, na coordenação da tramitação no Congresso, para costurar a negociação entre as diferentes vozes (e interesses) envolvidas no processo.
Em um artigo publicado no jornal Valor Econômico na última semana, intitulado Como Não Fazer Uma Reforma, Teixeira descreve em 11 pontos porque a proposta de reforma do IR é um "roteiro quase perfeito de como não agir para implantar um sistema tributário eficaz e sem distorções".
O economista diz que valeria a pena discutir e aprovar novas reformas, mas de forma diferente do modus operandi nos últimos meses. Ele admite, contudo, que os "incentivos" vão no sentido contrário de uma mudança, com a antecipação do debate eleitoral e o nível alto de polarização política.
"Aprovar por aprovar não me parece bom, principalmente se for para aumentar ou perpetuar privilégios", diz ele, mencionando a reforma administrativa, que mexe nas carreiras do funcionalismo público e também tramita na Câmara.
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