A descoberta de que o coronel da Polícia Militar do estado de São Paulo, Aleksander Lacerda, responsável pelo Comando de Policiamento do Interior, em Sorocaba (SP), compartilhava nas redes sociais conteúdos com ataques contra autoridades e os Poderes Judiciário e Legislativo, alertou as autoridades para o grau de partidarização e radicalização existente, atualmente, nas forças policiais. Essa captura ideológica é promovida explicitamente pelo presidente Jair Bolsonaro e são inúmeros os episódios, em todo o país, de incitação à violência contra as instituições e o não reconhecimento de uma ordem legal pelos agentes de segurança dos estados. E, com a aproximação do Sete de Setembro, data na qual o presidente pretende dar uma demonstração de força, autoridades e especialistas acompanham a presença de policiais nos atos governistas e que perigo significam para o Estado Democrático de Direito.
Apesar do cenário de tensão, o especialista em segurança pública Leonardo Sant’Anna, consultor de segurança da Organização das Nações Unidas (ONU), não vê risco de motim dos policiais. Mas sugere que, neste momento de preocupação de setores da sociedade civil, os governadores devem agir com estratégia, pois é deles o controle das corporações.
“Não se deve esquecer que tratamos de homens e mulheres que precisam ser liderados. O perigo para a segurança pública só existe nos locais onde isso não foi observado. Caso haja algum risco, certamente a culpa não é de quem está nas ruas, mas de governantes que não sabem como gerir seus profissionais de segurança”, salienta.
O presidente da Associação Nacional dos Delegados de Polícia Judiciária (ADPJ), Gustavo Mesquita Galvão Bueno, é enfático ao apontar o quanto a partidarização corrói o aparato de segurança. “Obviamente que cada policial, enquanto cidadão, tem o direito de se posicionar política ou ideologicamente, de acordo com a sua liberdade de expressão e de opinião. Mas desde que isso não represente nenhuma infração à legislação e ao direito”, esclarece.
Liberdades
Porém, o dirigente da Associação dos Praças Policiais e Bombeiros Militares da Bahia (Aspra-BA), Marco Prisco, defende que os policiais tenham direito de participar das manifestações públicas. “Dizem que policiais não podem fazer greve e dizem que não podemos ter liberdade de expressão. Isso é um direito básico de todo brasileiro. Na democracia plena, todo cidadão tem direito a fazer manifestação. Se proibirem isso, aí, sim, viveremos em uma ditadura. Mas esses movimentos têm que ser pacíficos. Para os que ultrapassarem essa linha, deve haver punição”, diz.
Para o cientista político Marco Antônio Carvalho Teixeira, pesquisador do Centro de Estudos de Administração Pública e Governo da Fundação Getúlio Vargas (FGV), o Brasil vive o auge de uma crise institucional. “Cada vez que algo novo vem a público, vemos que os grupos mais radicais em torno do presidente reforçam o discurso da instabilidade”, destaca.
Ele salienta que os governadores têm a missão de controlar as polícias diante da crise. Os atos bolsonaristas desafiam as autoridades, que, segundo ele, devem escolher entre coibir ou tolerar manifestações. Segundo Teixeira, embora muitos garantam que se trata apenas de “liberdade de expressão”, há uma linha tênue entre o protesto — que é garantido por lei — e as ações antidemocráticas — como as que pedem o fechamento do Congresso e do Supremo Tribunal Federal e instauração de uma ditadura.
“Da forma como está se desenhando, muito claramente é um cabo de guerra. E, em algum momento, essa corda vai arrebentar. Instituições de Estado não são do governo ou de pessoas. Esses grupos estão se movimentando de olho no ano que vem. A eleição de 2018 foi um ponto fora da curva e não se repetirá. O bolsonarismo não representa mais o que representava”, aponta.
O constitucionalista e cientista político Nauê Bernardo de Azevedo, da Universidade de Brasília (UnB), destaca o perigo de instituições como a Polícia Militar, por exemplo, quando se deixarem aprisionar pela partidarização. “Quando temos especulações sobre a participação de agentes que, hoje, usam fardas em manifestações pró-governo, politização de quartéis e outras situações que nos levam a ter alguma insegurança em relação à neutralidade necessária de algumas instituições, é claro que temos um cenário de crise institucional”, alerta.
Saiba Mais
A escalada do confronto
15 de agosto — Áudios do cantor e ex-deputado Sérgio Reis viralizam nas redes sociais. Ele convoca para uma “paralisação geral” entre os caminhoneiros;
16 de agosto — A polícia identifica outras postagens de incitação à violência e atos antidemocráticos no país para o Sete de Setembro;
20 de agosto — O ministro Alexandre de Moraes, do STF, proíbe Sérgio Reis de se aproximar da Praça dos Três Poderes até o feriado;
20 de agosto — A Polícia Federal faz buscas contra Sérgio Reis e o deputado Otoni de Paula (PSC-RJ). Outras oito pessoas também são investigadas;
20 de agosto — O presidente Jair Bolsonaro protocola um pedido de impeachment contra Alexandre de Moraes no Senado;
21 de agosto — Comando Militar do Planalto entra em estado de alerta para evitar possíveis manifestações;
23 de agosto — Governadores se reúnem em fórum nacional e pedem conversa com Bolsonaro para tratar da crise;
25 de agosto — Presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), rejeita pedido de impeachment contra Moraes;
26 de agosto — Presidente da Associação Brasileira dos Produtores de Soja (Aprosoja), Antonio Galvan, diz que participará das manifestações;
27 de agosto — Oposição se mobiliza para manifestações contra Bolsonaro no feriado.