CORONAVÍRUS

Precisa em todas as direções

CPI detalha ações da empresa para supostamente se beneficiar de contratos com ministério. Conversa entre os integrantes do possível esquema fraudulento mostra um passo a passo que eliminaria concorrentes de licitação para a venda de testes para a detecção da covid-19

A CPI da Covid detalhou, ontem, as ações da Precisa Medicamentos para se beneficiar de contratos com o Ministério da Saúde além do da Covaxin, que trouxe à tona um suposto esquema fraudulento de venda de imunizantes. Na sessão, o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) apresentou uma conversa, obtida com a quebra do sigilo de depoentes anteriores, entre os integrantes do possível procedimento irregular na qual ficam expostos detalhes de uma manobra que eliminaria as concorrentes Abbott e Bahiafarma das tratativas para a venda de testes de detecção do novo coronavírus, no ano passado.

A manobra foi trazida à tona durante o depoimento de José Ricardo Santana, ex-secretário da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), e que conseguiu irritar os senadores com as repetidas evasivas. O lobby da Precisa começou a ser detalhado por Randolfe, que apresentou uma conversa na qual estava detalhada o possível favorecimento da Precisa.

A troca de mensagens, de 4 de junho de 2020, foi encaminhada por Francisco Maximiano, dono da Precisa, ao advogado Marconny Albernaz Faria — que, segundo o Ministério Público Federal do Pará, é apontado como um lobista que atuava na defesa dos interesses da empresa — com ordens a serem seguidas por José Ricardo Santana e por “Bob”, que os senadores acreditam ser Roberto Ferreira Dias, ex-diretor do Departamento de Logística do Ministério da Saúde (Delog) e provável responsável por fechar a operação. Para Randolfe, houve “uma associação criminosa entre dois grupos”.

Os diálogos foram revelados após a CPI afastar o sigilo de cinco mensagens que constam num relatório técnico encaminhado à comissão pelo Ministério Público Federal. De acordo com o senador, as conversas entre Santana e Faria aconteceram entre 23 de maio e 2 de julho.

Caminho

As mensagens falavam sobre uma “equipe alinhada” dentro do ministério para dar prosseguimento ao processo, descrição que os senadores consideraram suspeita. Uma das conversas afirmava que as tratativas da Precisa com a pasta deveriam ser feitas “a toque de caixa”, porque “a fundamentação da desclassificação dos concorrentes que estão à frente já montamos e está com o time de dentro”.

Randolfe detalhou quem era quem no esquema. “Marconny, representando a Precisa; o Ricardo Santana, representando os esquemas existentes no Ministério da Saúde; e o Roberto Dias (o Bob). Santana apresenta Roberto para o Marconny. Em uma das mensagens, Santana diz: ‘Ah!, o Roberto Ferreira Dias ficou muito impressionado com você, muito satisfeito em te conhecer, vai prosperar muito a relação’. Em um intervalo de 20 dias, o (lobista) Danilo Trento manda para o Marconny o modus operandi da arquitetura do golpe, de como fazer para desclassificar a primeira e segunda colocada do processo licitatório para beneficiar a Precisa nos testes (contra a covid)”, explicou.

A Precisa é uma das empresas investigadas na Operação Falso Negativo, da Polícia Federal, por comercializar aproximadamente 20 mil testes rápidos para a detecção do novo coronavírus com o governo do Distrito Federal. “O depoimento de hoje (ontem) é importante por isso. Os negócios da Precisa vão muito mais além do que a tentativa de vender vacinas. Quando chegou nas vacinas, já tinha um know how de negócios”, salientou Randolfe.

Procurada pelo Correio para comentar as suspeitas da CPI, a Precisa não se manifestou até o fechamento desta edição.

Advogada e senador são trazidos à tona

A sessão da CPI da Covid trouxe, ontem, um nome diretamente ligado ao presidente Jair Bolsonaro: o da advogada Karina Kufa, que o representa em várias causas. Ele teria oferecido um jantar, em 23 de maio de 2020, em cuja lista de convidados constavam o lobista Marconny Albernaz Faria e o ex-secretário da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) José Ricardo Santana — depoente do dia e que de testemunha passou a investigado pela comissão. Segundo os integrantes do colegiado, foi a partir desse evento que os dois passaram a trocar mensagens em tom de camaradagem.

Mas, ao mesmo tempo, surgiu um mistério. Isso porque, numa conversa entre Santana e Marconny, de 2 de junho de 2020, para tratar de 12 milhões de testes rápidos de covid-19, o ex-secretário da Anvisa fala de um certo “senador”. Na mensagem, é mencionada uma reunião em que um servidor teria travado o processo de aquisição dos kits e que, para resolver a questão, ele encontraria o “senador”, às 8h para tentar fazer o negócio andar. Indagado pelo senador Humberto Costa (PT-PE), Santana escudou-se no habeas corpus obtido no Supremo Tribunal Federal (STF) que o permitiu se calar para não produzir provas conta si mesmo.

A sessão de ontem decidiu, ainda, que convocará o empresário bolsonarista Luciano Hang, dono das lojas de departamento Havan. O pedido foi feito pelo relator da CPI, Renan Calheiros (MDB-AL). Segundo o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), a data será decidida após o Sete de Setembro.

Hang, conhecido pelo apoio a Jair Bolsonaro, irá à comissão na mesma posição do empresário Carlos Wizard — alguém visto como financiador e apoiador de um suposto “Ministério da Saúde Paralelo”, grupo que aconselharia o presidente da República em assuntos relacionados à pandemia do novo coronavírus.

Também deve ser analisado pelos senadores o movimento de um grupo de empresários, liderado por Wizard e Hang, para pedir autorização de uso no Brasil da vacina Convidencia, do laboratório chinês CanSino. O governo avançava nas negociações com o Ministério da Saúde pelo fornecimento de 60 milhões de doses do fármaco, ao custo de R$ 5 bilhões. (TA com Agência Estado)