O sócio-proprietário da Precisa Medicamentos, Francisco Maximiano, acusou a empresa Envixia Pharmaceuticals, intermediadora do laboratório indiano Bharat Biotech nos Emirados Árabes Unidos, de ser a responsável por falsificar documentos que a Precisa utilizou para conseguir a conclusão do acordo de R$ 1,6 bilhão para a compra de 20 milhões de doses da vacina Covaxin, produzido pela Bharat para o Ministério da Saúde.
Um dos documentos forjados foi uma procuração que deu poderes à Precisa para celebrar contratos de fornecimento pela Bharat. O documento foi elaborado sem a anuência do laboratório da Índia, mas continha o carimbo e a assinatura de uma autoridade da empresa.
Em outubro do ano passado, a Precisa foi reconhecida pela Bharat como sendo sua representante no Brasil apenas para emitir documentos e iniciar discussões acerca da distribuição da vacina. Posteriormente, em novembro, as duas empresas firmaram um memorando de entendimentos que conferiu à Precisa atribuições relacionadas à distribuição da Covaxin no Brasil. A empresa chefiada por Maximiano foi apontada como distribuidora exclusiva da vacina indiana, ficando responsável, portanto, à importação e à distribuição do imunizante para o setor privado e público.
Apesar de o memorando indicar não tratar expressamente da atuação da Precisa como representante da Bharat Biotech para fins de celebração de acordos comerciais, o processo administrativo de aquisição da Covaxin foi conduzido como sendo a Precisa a representante oficial da Bharat para os principais aspectos, incluindo definição de preços, cronogramas e demais cláusulas contratuais.
Além da procuração, notas fiscais também foram alteradas sem o consentimento da Bharat Biotech.
Em depoimento à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da covid-19, nesta quinta-feira (19/8), Maximiano garantiu que a sua empresa não tem relação com as fraudes. “Eu fui à Índia apresentar para eles as evidências e as provas de que nós recebemos esses documentos da Envixia, um parceiro deles, eleito no processo por eles”, disse. No início da sessão, Maximiano não prestou o compromisso de dizer a verdade.
O senador Humberto Costa (PT-PE) rebateu o empresário e disse ter um documento da perícia do Senado supondo que a fraude foi cometida dentro do Ministério da Saúde. Advogado de Maximiano, Pedro Ivo Velloso tomou a palavra e respondeu que “este documento provavelmente deve ter sido baixado e depois enviado, e, com isso, ter ganhado metadados no Ministério da Saúde”. “Mas o arquivo original tem metadados da Envixia”, garantiu.
Senadora rebate
A informação apresentada por Maximiano e seu advogado não convenceu aos parlamentares da CPI. A senadora Simone Tebet (MDB-MS) ironizou o fato. “A Envixia é dos Emirados Árabes e sabe escrever português perfeitamente. Muito bom, muito interessante essa tese”, comentou.
“Veio o documento do e-mail da Precisa. Hoje, não há como fugir da responsabilidade. Esses documentos vieram da Precisa. Até que se prove o contrário, a Precisa é responsável pela falsificação, não de dois, mas no mínimo de quatro documentos, porque nós não podemos nos esquecer das notas fiscais, dos invoices. Até que se prove o contrário, a responsabilidade é, não única e exclusiva, mas da Precisa por ter entrado com o documento falsificado para obter algum tipo de vantagem.”, acrescentou Tebet.
CGU constatou falhas
Uma investigação da assinatura do contrato da Covaxin feita pela Controladoria Geral da União (CGU) revelou inconsistências na procuração. O ofício em questão era composto por trechos em inglês e português, em dissonância dos demais documentos produzidos pela Bharat, confeccionados integralmente em língua inglesa.
O órgão ainda constatou que foi feita uma montagem para que o documento transparecesse ser oficial. De acordo com a investigação, a procuração foi confeccionada a partir da colagem da imagem de um texto em português sobre a imagem de um documento original da Bharat digitalizado, que continha elementos como o timbre da empresa indiana e o carimbo e assinatura de um diretor executivo.
Além do texto estar integralmente em inglês, chamou a atenção da CGU o fato de que todas as estruturas da procuração eram totalmente diferentes às do ofício original da Bharat, incluindo formatação, fonte, espaçamento do texto, posicionamento da data e carimbo. O processo foi repetido para forjar a elaboração de uma declaração de inexistência de fatos impeditivos.
Ao mesmo tempo em que os documentos eram forjados, a diretora executiva da Precisa, Emanuela Medrades, solicitava à Bharat, em 23 de fevereiro, o envio de documentos que atestassem o vínculo entre as duas companhias para a contratação da Covaxin. A empresa informou que não é da sua política assinar documentos em línguas estrangeiras, mas que se dispôs a fornecer uma procuração para que a Precisa avaliasse a sua adequabilidade.
O e-mail da Bharat com o documento foi enviado em 24 de fevereiro, às 17h46. No entanto, 39 minutos antes, às 17h07, a Precisa encaminhou ao Ministério da Saúde a procuração falsa para “comprovar” que tinha poderes para celebrar contratos de fornecimento em nome da Bharat. No dia seguinte, o acordo da Covaxin foi assinado.