Poder

Braga Netto está cada vez mais envolvido em embates de Bolsonaro

Considerado fiel escudeiro do presidente Jair Bolsonaro, ministro da Defesa tem avalizado o radicalismo do chefe do Planalto e politizado as Forças Armadas, numa distorção das atribuições das três instituições de Estado

Quando o general Fernando Azevedo e os comandantes de Exército, Marinha e Aeronáutica caíram, em março deste ano, uma crise foi instalada, e ficou evidente que o presidente Jair Bolsonaro não aceitaria falta de alinhamento em lugar nenhum da sua gestão, nem mesmo da caserna. Antes de sair, já num patente clima de insatisfação com a forma como o mandatário lidava com as Forças Armadas, Azevedo e o então comandante do Exército, Edson Pujol, enfatizaram que as FAs são instituições de Estado, não de governo. Uma frase conhecida, mas comentada com alguma frequência pelos dois, em meio aos sinais de autoritarismo do chefe do Executivo.

Azevedo saiu, e sua cadeira foi ocupada pelo atual ministro Braga Netto, que estava na chefia da Casa Civil desde fevereiro do ano passado. E, a partir de então, ações mais políticas são tomadas no meio militar. Internamente, a visão é de que essa postura representa a principal diferença entre o general e o antecessor dele, além do claro alinhamento com o Palácio do Planalto — algo que não é, necessariamente, visto como negativo em toda a caserna.

De acordo com um militar da alta cúpula do Exército, Braga Netto levou um perfil mais político do que técnico ao cargo de ministro da Defesa. Segundo ele — que pediu anonimato —, Azevedo dizia que militar não se manifesta politicamente e que era preciso haver um distanciamento. Em mais de uma ocasião, o então ministro afirmou, publicamente, que política não pode entrar nos quartéis. Com Braga Netto, é diferente. “Ele trouxe uma linha política para o Exército. Já iniciou colocando as visões do governo para a tropa, influenciando os comandantes”, disse o militar ao Correio. Ele admitiu que o cargo de ministro é, tradicionalmente, político, mas que, se ocupado por um integrante das Forças, este não pode deixar de fora o que pregam as três instituições.

Nos últimos tempos, tanto Braga Netto quanto comandantes militares se envolveram em episódios vistos como alinhamento às posições de Bolsonaro no embate com outros Poderes. O primeiro foi em relação à CPI da Covid, que investiga, entre outros fatos, o envolvimento de militares nas negociações suspeitas de vacina contra o novo coronavírus. Quando o presidente do colegiado, senador Omar Aziz (PSD-AM), mencionou que os bons militares deveriam estar envergonhados com o “lado podre das Forças”, o ministro da Defesa e os três comandantes divulgaram uma nota de repúdio duríssima.

Depois, em entrevista ao O Globo, o comandante da Aeronáutica, tenente-brigadeiro do ar Carlos de Almeida Baptista Junior, afirmou que não seriam emitidas 50 notas de repúdio sobre o assunto, que seria apenas aquela. “Homem armado não ameaça”, arrematou. O comandante da Marinha, Almir Garnier Santos, apoiou a postura de Baptista Junior, ao publicar a entrevista em seu perfil no Twitter.

Num outro episódio, revelado pelo Estadão, Braga Netto teria enviado um recado ao presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), ameaçando a realização das eleições de 2022 se o Congresso não aprovasse a proposta de emenda à Constituição (PEC) do voto impresso.

Para completar, na semana passada, houve a passagem de blindados militares pela Praça dos Três Poderes no dia em que o Parlamento votaria a PEC, o que foi lido como uma tentativa de intimidação dos parlamentares para aprovar a proposta.

No Planalto, Braga Netto é considerado como um dos principais escudeiros do presidente, só perdendo para o filho 02 do chefe do Executivo, o vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ). Essa visão é de pessoas que ocupam cargos ministeriais, inclusive, o ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência, Luiz Eduardo Ramos. Para ele, o general é o mais entusiasta do projeto de Bolsonaro no poder.

Apoio
Apesar dos rumores de que a postura de Braga Netto é criticada por militares da alta cúpula, há quem sustente que ele tem, sim, o apoio dos fardados, porque estaria ajudando o governo e o país.

O ministro é apontado como uma figura discreta, introvertida, observadora, que não gosta, claramente, de entrevistas, e que é lembrado pela atuação como interventor federal na área da Segurança Pública no Rio de Janeiro, no governo Michel Temer — ação vista como muito rígida. Ele também ocupou o cargo de chefe do Estado-Maior do Exército, já no governo Bolsonaro, o segundo mais importante da Força.

Na opinião de militares em Brasília, o alinhamento de Braga Netto com o presidente não significa subserviência. A ideia de que ele embarcaria em uma aventura golpista também é afastada, sob a alegação de que o cenário, hoje, não comporta uma ação desse tipo. Portanto, os militares não cometeriam o erro de achar que conseguem manter um golpe.

“Entregue”
Professor titular sênior da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), João Roberto Martins Filho, estudioso da história militar, diz que o general “parece muito mais disposto a acompanhar o presidente” e que isso pode provocar desgastes para o ministro. Ele pontua que as posturas dos comandantes da Aeronáutica e da Marinha foram uma surpresa, por serem muito diferentes das adotadas por seus antecessores, mais discretos.

Rodrigo Patto Sá Motta, professor de história da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e também estudioso dos militares, pontua que Braga Netto “é o mais fiel ao Bolsonaro”. “Ele está entregue”, frisa. De acordo com o especialista, o ministro está colocando as Forças em risco, por levá-las “a um lado arriscado, de apoiar um governo cada vez mais impopular, que não governa direito, malvisto internacionalmente. “O Brasil voltou a ser chamado de República das bananas”, destaca, numa referência à manchete do jornal britânico The Guardian ao noticiar o desfile de blindados na Praça dos Três Poderes.

Na avaliação de Sá Motta, entretanto, não é Bolsonaro o grande responsável pela politização. Os quartéis já estavam politizados — enfatiza ele —, e Braga Netto, com a postura que adotou no Ministério da Defesa, torna-se o resultado de tudo isso, não a origem.

Analista político e sócio da Hold Assessoria Legislativa, André César afirma que Braga Netto é visto como um radical na defesa do bolsonarismo e que “não tem convicção democrática”.

Rejeição

Apesar das pressões, a PEC do voto impresso não passou na Câmara. A proposta, analisada pelo plenário na terça-feira, precisava de 308 votos, mas obteve 229. O texto já tinha sido rejeitado na comissão especial da Casa. Foram 23 votos contrários e 11 favoráveis.

"Forças Armadas são protagonistas"

Em mais um sinal de alinhamento com o presidente Jair Bolsonaro, o ministro da Defesa, Braga Netto, disse, ontem, que as Forças Armadas são “protagonistas dos principais momentos da história do país” e estão “sob autoridade suprema do presidente da República”. O general fez o discurso em uma cerimônia militar em Resende (RJ), ao lado de Jair Bolsonaro, no mesmo dia em que o chefe do Executivo anunciou, nas redes sociais, que apresentará ao Senado pedido de impeachment dos ministros Alexandre de Moraes e Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF).

Sem citar o nome do presidente, Braga Netto disse, ainda, aos formandos militares que confiem na cadeia de comando das Forças Armadas — subordinadas a Bolsonaro — e que os “líderes e superiores” representam a palavra oficial da instituição. “Confiem na cadeia de comando e na lealdade de seus líderes e superiores, eles representam a palavra oficial da Força”, frisou, no evento para a entrega do Espadim 2021 aos cadetes do 1º ano da Academia Militar das Agulhas Negras (Aman).

A nova ameaça de Bolsonaro e o discurso de Braga Netto vêm após o Estadão noticiar que o vice-presidente Hamilton Mourão e Barroso, também presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), tiveram uma reunião reservada na terça-feira, dia em que veículos blindados fizeram um desfile na Praça dos Três Poderes.

Preocupado com o risco de ruptura institucional, Barroso queria saber se as Forças Armadas embarcariam em uma aventura golpista promovida por Bolsonaro. Mourão disse, mais de uma vez, ao presidente do TSE que quem comandava as tropas não avalizaria qualquer golpe. Afirmou que a chance de isso ocorrer era “zero”, porque as Forças Armadas se pautavam pela legalidade. Barroso mostrou-se aliviado.

No discurso na Aman, Braga Netto repetiu um trecho da Constituição que diz respeito às Forças Armadas, o Artigo 142, mas com alterações na parte final do texto constitucional. “Reafirmo que as Forças Armadas continuarão com fé em suas missões constitucionais, como instituições nacionais e permanentes, com base na hierarquia e disciplina, sob autoridade suprema do presidente da República, para assegurar a defesa da pátria, da soberania, da independência e da harmonia entre poderes, manutenção da democracia e liberdade do povo brasileiro”, destacou.

A Constituição, no entanto, não diz exatamente o que Braga Netto sustentou. O ministro substituiu a parte final do Artigo 142 por outras palavras. Diz o texto: “As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do presidente da República, e destinam-se à defesa da pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem”.

A interpretação de Braga Netto reforça o discurso de Bolsonaro, do último dia 12, de que Exército, Marinha e Aeronáutica funcionariam como poder moderador. “Nas mãos das Forças Armadas, o poder moderador. Nas mãos das Forças Armadas, a certeza da garantia da nossa liberdade, da nossa democracia e o apoio total às decisões do presidente para o bem da sua nação”, disse o chefe do Planalto, naquela data.

Sem cabimento

A pretensa função de “poder moderador” das Forças Armadas é rejeitada pela Advocacia-Geral da União (AGU) e pelo STF. Em ação direta de inconstitucionalidade impetrada pelo PDT, o ministro Luiz Fux disse que não cabe ao Exército, à Marinha e à Aeronáutica interferir nos Poderes.

Críticas no Centrão

Entre as legendas do Centrão — grupo que, hoje, está com o governo —, a avaliação é de que o ministro da Defesa, Braga Netto, representa um “ponto fora da curva” e que não está na linha do que o Parlamento esperava para um titular da pasta. No entendimento de deputados, o general está entre os integrantes do governo que mais fragilizam a relação institucional do Executivo com o Legislativo e com o Judiciário. Em especial, porque o discurso dele é bastante similar ao do presidente Jair Bolsonaro, o que contribui, também, para que Aeronáutica, Exército e Marinha se distanciem do seu papel original de instituições de Estado.

Vice-líder do PSD na Câmara, Charles Fernandes (BA) diz que Braga Netto deveria atuar como um “mediador”, sobretudo para atenuar os conflitos de Bolsonaro com os Poderes e evitar que o chefe do Palácio do Planalto sempre faça menção às Forças Armadas como instituições “aliadas” do Executivo — o que pode passar a impressão de disposição delas em embarcar num eventual projeto de Bolsonaro de golpe.

“Braga Netto tem tudo para ser uma pessoa mais equilibrada, que pode ajudar a acalmar os ânimos no Brasil, mas ele tem usado o seu posto para fazer discursos que não ajudam em nada”, reprova Fernandes. “Estamos em um momento muito difícil para as instituições, e vejo que as palavras do ministro deixam a nossa democracia instável.”

O parlamentar teme pela possibilidade de as Forças Armadas reagirem de forma mais truculenta contra o Legislativo e o Judiciário, sobretudo por episódios recentes protagonizados por Braga Netto, como a carta de repúdio endereçada ao presidente da CPI da Covid, Omar Aziz (PSD-AM), e a pressão que ele teria feito no presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), para que o voto impresso fosse aprovado, além do desfile de veículos blindados da Marinha, que ocorreu na Esplanada.

“Só conseguimos a democracia com muita luta e com muita força do povo brasileiro, portanto, não pensamos em retroceder para nenhum outro tipo de regime. As Forças Armadas são do Brasil e não deveriam sofrer interferência da Presidência da República ou de algum ministério”, ressalta. “Bolsonaro não pode se referir aos militares da forma como tem feito. Braga Netto, portanto, precisa ser um apaziguador, e não o contrário.”

O deputado José Nelto (Podemos-GO), vice-líder do partido na Câmara, faz a mesma avaliação. Para ele, “Braga Netto tem feito uma exposição negativa das Forças Armadas e acena a todo momento, para a opinião pública, que não respeita a Constituição Federal, o que é um crime”. “Ele vai passar para a história, desde que foi criado o Ministério da Defesa, como o pior ministro. Esse é o legado que Braga Netto vai deixar. Seus posicionamentos são antidemocráticos, e a única coisa que faz é querer agradar a Bolsonaro”, critica. (ST e AF)