O Supremo Tribunal Federal (STF) e o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) têm adotado ações mais incisivas para além de notas de repúdio e de discursos contra o autoritarismo. Enquanto a Corte eleitoral trabalha para derrubar inverdades do presidente Jair Bolsonaro sobre fraudes nas urnas eletrônicas, o Supremo avança nas investigações sobre milícias digitais especializadas em atacar as instituições democráticas. Em mais um movimento nesse sentido, o ministro Alexandre de Moraes, do STF, mandou para a cadeia o ex-deputado Roberto Jefferson, presidente nacional do PTB e um dos aliados do Planalto. Ele está no presídio de Bangu 8, na zona oeste do Rio de Janeiro.
Há meses, Jefferson usava as redes sociais para defender a destituição de ministros do Supremo, proferir discursos de cunho racista e homofóbico e pregar a violência contra autoridades. Em vídeos, fazia apologia à subversão da democracia por meio de golpe de Estado e da luta armada. Na decisão, tomada a pedido da Polícia Federal, Moraes determinou a apreensão de armamento, computadores e celulares do ex-deputado.
No despacho, o ministro afirmou que Jefferson teria cometido sete crimes previstos no Código Penal: calúnia, difamação, injúria, incitação ao crime, apologia ao crime ou criminoso, associação criminosa e denunciação caluniosa. Além disso, o acusou de organização criminosa, racismo e homofobia.
Moraes destacou trechos do relatório da Polícia Federal em que o ex-deputado defende golpe militar. “Nós precisamos fazer uma Constituinte para mudar tudo, mas eu acho que vai atrasar demais o país. O país não pode esperar mais. Eu defendo o artigo 142 da Constituição. Uma intervenção do poder moderador e garantidor das Forças Armadas”, disse Jefferson, conforme o documento.
Em outro trecho mencionado por Moraes, o presidente do PTB defendeu o uso da força contra instituições do país: “Ele é o comandante-em-chefe das Forças Armadas. E o poder começa no cano do fuzil. O poder se garante no cano do fuzil. (...) Por onde começa o poder? Pelo cano do fuzil. Quem garante o poder? O cano do fuzil”. Em outra declaração, pinçada pelo ministro, Jefferson enfatizou a necessidade de “concentrar as pressões populares contra o Senado e, se preciso, invadir o Senado e colocar para fora a CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) a pescoção”.
Nas redes sociais e em entrevistas, o político atacou minorias e grupos étnicos. Em uma das declarações públicas, disse que equiparava a orientação sexual à prática de crimes, porque todos representavam a “demolição moral da família”.
Jefferson é visto como integrante da ala mais extremista do bolsonarismo. Ele era investigado no inquérito dos atos antidemocráticos, que foi arquivado e teve os autos remetidos à nova apuração, sobre milícias digitais. Além disso, figura como alvo do inquérito que apura fake news e ataques contra o Supremo, no qual Bolsonaro também foi incluído, por afirmações reiteradas de fraudes nas eleições, sem apresentar provas.
Antes de ser detido, no entanto, o ex-deputado se manifestou por meio das redes sociais. “A Polícia Federal foi à casa de minha ex-mulher, mãe de meus filhos, com ordem de prisão contra mim e busca e apreensão. Vamos ver de onde parte essa canalhice”, escreveu no Twitter — mais tarde, a conta acabou suspensa, por ordem do magistrado.
Ele também fez ameaças a Moraes, conforme áudio divulgado em grupos bolsonaristas e obtido pelo site Poder 360. Na mensagem, ele se refere ao ministro como “cachorro do Supremo” e “pior caráter” do STF. “Daqui para a frente, é pessoal, não tem saída”, disparou.
Reação
Além da prisão de Jefferson, o Judiciário agiu em outras frentes para tentar deter a escalada autoritária do bolsonarismo — ignorada pelo procurador-geral da República, Augusto Aras, alinhado ao Planalto (veja reportagem abaixo). O TSE abriu um inquérito administrativo para apurar os ataques do chefe do Executivo ao sistema eleitoral e as ameaças dele à realização das eleições de 2022. A Corte ainda pediu ao STF que incluísse o mandatário como investigado no inquérito das fake news, o que foi acatado por Moraes, relator do caso.
Também a pedido do TSE, na quinta-feira, o ministro mandou abrir investigação contra Bolsonaro por divulgar inquérito sigilo da Polícia Federal sobre uma invasão ao sistema da Corte eleitoral em 2018. O argumento do TSE é de que o presidente pode ter cometido crime previsto no Código Penal, que proíbe a “divulgação, sem justa causa, de informações sigilosas ou reservadas, contidas ou não nos sistemas de informações ou banco de dados da administração pública”.
Por sua vez, Moraes também fez pedido ao TSE. Solicitou que a Corte eleitoral investigue a participação do ministro da Justiça, o delegado da Polícia Federal Anderson Torres, na live de 29 de julho em que Bolsonaro voltou a colocar em dúvida a segurança das urnas eletrônicas. A intenção é apurar se Torres fez propaganda eleitoral antecipada, já que deve se candidatar ao governo do DF.
Todas as diligências foram abertas neste mês, após o Judiciário retornar do recesso em meio a fortes ataques de Bolsonaro aos tribunais superiores.
Na companhia de Cabral
Roberto Jefferson foi detido, de manhã, em sua residência, em Levy Gasparian, interior do Rio de Janeiro. Após passar por uma triagem no presídio de Benfica, na zona norte, seguiu para Bangu 8. Ele ficará detido nesse presídio, reservado aos presos com curso superior completo, onde também está o ex-governador do Rio Sérgio Cabral.
“O bonito não faz nada?”
Filha de Roberto Jefferson, a ex-deputada Cristiane Brasil cobrou uma reação do presidente Jair Bolsonaro. “Estão prendendo os conservadores, e o bonito não faz nada? O próximo será ele! E, se não for preso, não vai poder sair nas ruas já, já!”, postou a ex-parlamentar, que foi presa no ano passado em outra investigação.
Fundo Partidário para fake news
De acordo com as investigações, o ex-deputado Roberto Jefferson é suspeito de utilizar dinheiro do Fundo Partidário para promover a disseminação de fake news. Com uma bancada de 10 deputados, o PTB recebeu, em 2019, R$ 21,8 milhões do fundo. No ano passado, foram R$ 21,4 milhões, segundo dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
O ministro Alexandre de Moraes afirmou que enviou ofícios ao TSE, ao corregedor-geral da Justiça Eleitoral e à Procuradoria-Geral Eleitoral para “providências cabíveis, em virtude da possível utilização da condição de presidente de partido — com a consequente utilização de recursos do Fundo Partidário — para incorrer nas condutas em análise”. O magistrado destacou que aguarda informações da Justiça Eleitoral “para análise de imposição de medida cautelar referente à suspensão do exercício de função pública”.