A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid-19 avalia propor o indiciamento do presidente Jair Bolsonaro e outros agentes públicos por curandeirismo pela condução de ações no âmbito da pandemia, e outras tipificações, como crime de pandemia. A questão está sendo estudada pelo relator da CPI, Renan Calheiros (MDB-AL). A intenção é entregar o relatório em meados de setembro, antecipando ainda mais a conclusão do documento, cuja expectativa apontada anteriormente era final de setembro.
Uma análise técnica da consultoria legislativa, a qual o Correio teve acesso, mostra que as condutas do presidente e de agentes públicos podem ser enquadradas como curandeirismo, e não charlatanismo, pelo fato de este último pressupor "inculcar ou anunciar cura por meio secreto ou infalível". O vice-presidente da CPI, Randolfe Rodrigues (Rede-AP), defende que o mandatário seja indiciado também por charlatanismo.
A análise preliminar mostra, ainda, que o presidente e agentes públicos poderiam ser enquadrados no crime de epidemia, tanto pelas ações quanto pelas omissões no âmbito da pandemia. O crime, previsto no Código Penal, prevê pena de reclusão de 10 a 15 anos por “causar epidemia, mediante a propagação de germes patogênicos”, sendo que a pena pode ser o dobro se o fato resulta em morte.
Conforme análise da consultoria legislativa, o presidente também pode incorrer em infração de medida sanitária preventiva, por ter caminhado sem máscara e sem respeitar o distanciamento social. Também é apontado no documento a possibilidade de cometimento de advocacia administrativa e corrupção passiva, sem citar o presidente nesses casos, mas falando “o governo” e “agentes públicos”.
O estudo também cita, em relação às empresas, possibilidade de cometimento de crime de publicidade enganosa, corrupção ativa e passiva. O documento foi elaborado para preparar para o depoimento desta quarta-feira (11) do CEO da empresa Vitamedic, Jailton Batista, produtora de ivermectina.
No caso da publicidade enganosa, o estudo cita que a empresa poderia ser enquadrada por ter financiado anúncio da Associação Médicos pela Vida, publicado nos principais jornais do país, em fevereiro deste ano, que defendeu o chamado “tratamento precoce”, com uso de medicamentos sem eficácia comprovada. A empresa aumentou o faturamento durante a pandemia em 170%, em relação a 2019.
É o relator que propõe os indiciamentos no relatório final, que depois é votado na comissão. Ele evita falar sobre as possíveis tipificações imputadas ao presidente. “A caracterização penal, na hora certa que couber, não tenham dúvida que o relatório conterá", afirmou. Para ele, o depoimento, somado a fatos já denunciados, "demonstram a elevação da produção e do lucro, sobretudo das vendas desses medicamentos inúteis, sem eficácia".
"E o cometimento de muitos crimes por parte dos agentes políticos e públicos, e por parte da indústria que o produziu, e que elevou a produção e que criminosamente pagou publicidade dos Médicos pela Vida com relação à priorização que deveria se dar ao uso da ivermectina, por exemplo. Isso deve configurar curandeirismo, crimes de endemia, charlatanismo, medicina ilegal, homicídio. Então, a perspectiva é que o relatório contenha tudo isso”, afirmou.
O senador Humberto Costa (PT-PE) falou sobre a questão na sessão desta quarta-feira. "A culpa principal é do presidente da República. O senhor Jair Bolsonaro atuou como se fosse um curandeiro, anunciando cura infalível para uma doença em que isso efetivamente não existe. Eu já falei com o relator e eu sei o que ele vai fazer. Ele vai indiciá-lo pelo descumprimento do Código Penal, no art. 284: prescrever, ministrar ou aplicar qualquer substância com o discurso de que é milagrosa ou infalível. Vai ser indiciado, sim", afirmou.
Até então, já se falava em indiciar o presidente por crime de responsabilidade e por prevaricação — neste caso, relativo ao caso Covaxin, quando o presidente foi informado sobre suspeitas envolvendo a importação do imunizante. Prevaricação é quando um funcionário público sabe de uma irregularidade, mas retarda ou deixa de informar sobre ela.
O presidente Jair Bolsonaro incentivou o uso de medicamentos sem eficácia comprovada contra covid-19, em especial ivermectina e cloroquina, durante toda a pandemia — por isso, o indiciamento por curandeirismo. Os senadores apontam que a ação, de incentivo ao tratamento que não tem eficácia contra a doença, enquanto havia demora nas negociações de compra de vacina contra a covid-19, gerou mortes no país.