Ministro da Defesa no governo da ex-presidente Dilma Rousseff (PT), entre outubro de 2015 e maio de 2016, Aldo Rebelo diz ter confiança de que as Forças Armadas não embarcariam em uma "aventura" proposta pelo presidente Jair Bolsonaro que viole a Constituição Federal, e afirma que as ameaças do mandatário à realização das eleições, no próximo ano, não são levadas a sério.
"Bolsonaro sabe que contará com as Forças Armadas para tudo, para qualquer tarefa, qualquer serviço de interesse público. Só não contará com as Forças Armadas para qualquer tipo de aventura que viole a Constituição. Ele sabe disso. Qualquer esforço de envolver as Forças Armadas em um plano de violação da Constituição vai terminar em fracasso", afirmou ao Correio.
A Marinha informou, nesta segunda-feira (9/8), que, a caminho para um treinamento anual em Formosa (GO), vai passar em Brasília na próxima terça-feira (10) em veículos blindados e com armamento, sob a justificativa de que irá levar um convite ao presidente Jair Bolsonaro e ao ministro da Defesa, Braga Netto. O treinamento ocorre todo ano, desde 1988, mas pela primeira vez será em conjunto com o Exército e a Força Aérea Brasileira (FAB). Também é a primeira vez que os militares vão em veículos blindados fazer o convite, o que eles chamam de "ação promocional".
O treinamento começou no dia 2 de agosto, e vai até o dia 18. Bolsonaro será convidado para ir no dia 16. A situação ocorre em um cenário de profunda crise institucional entre os poderes, ameaças de Bolsonaro à realização das eleições em 2022 e na semana em que a Câmara dos Deputados deve votar a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que institui o voto impresso auditável, proposta do governo que vem sendo alvo de polêmica.
"Ninguém leva a sério essas ameaças do presidente Bolsonaro", disse Rebelo, referindo-se às ameaças de Bolsonaro ao sistema eleitoral, com declarações de que se não houver voto impresso auditável, não haverá eleições em 2022. A ida dos militares na próxima terça gerou questionamentos em especial pelo momento de crise institucional que o país vive, com o presidente xingando o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e fazendo ameaças às eleições do próximo ano.
Para o ex-ministro, entretanto, essas falas do presidente não devem ser levadas a sério. "O Bolsonaro dirige um governo que luta pela sobrevivência, que está numa fase muito difícil politicamente, socialmente, não tem condição de fazer ameaça nenhuma. É um presidente fragilizado, envolvido em muitas confusões ao mesmo tempo. Vai lutar por sobrevivência até 2022. Alguém imaginar que as Forças Armadas vão patrocinar um golpe para empoderar Bolsonaro, sinceramente, não sabe o que está acontecendo no país", afirmou.
Para o ex-ministro, a ida dos militares é natural, e a data, coincidindo com a semana de votação da PEC do voto impresso, é uma mera coincidência. "Não vejo nada demais", disse. A visão não é compartilhada pelo ex-ministro da Defesa Celso Amorim, que chefiou a pasta entre 2011 e 2015, que afirmou ter visto a ida dos militares como muito preocupante.
Aldo Rebelo ainda frisou que além de Bolsonaro, o ministro da Defesa, general Braga Netto, também não tem condição de ameaçar "coisa nenhuma". "Uma ameaça do Braga Netto e da guarda municipal de Guaratinguetá, hoje, se equivalem", disse.
Cenário
A ação dos militares ocorre em um contexto maior. Recentemente, o jornal O Estado de S. Paulo publicou uma reportagem na qual dizia que o ministro Braga Netto mandou um recado ao presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), por meio de um interlocutor político, de que se a PEC do voto impresso auditável não fosse aprovada, não haveria eleições em 2022. Lira não desmentiu a reportagem. Braga Netto afirmou que não fala por meio de interlocutores, chamou o episódio de desinformação e defendeu, ao final da nota divulgada, o voto impresso.
Antes disso, os comandantes das três Forças e o ministro Braga Netto divulgaram uma dura nota contra o presidente da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid-19, senador Omar Aziz (PSD-AM,), depois que ele disse que os bons militares estavam envergonhados com o "lado podre" das Forças. Nela, a cúpula militar disse que "as Forças Armadas não aceitarão qualquer ataque leviano às Instituições que defendem a democracia e a liberdade do povo brasileiro".
Depois disso, o comandante da Aeronáutica, tenente-brigadeiro do ar Carlos de Almeida Baptista Junior, disse em entrevista ao Globo que as Forças não emitiriam 50 notas, que seria apenas aquela. “Homem armado não ameaça”, enfatizou. O comandante da Marinha, Almir Garnier Santos, apoiou a postura, ao publicar a entrevista em seu Twitter.