Ministro da Defesa entre 2011 e 2015, no governo da ex-presidente Dilma Rousseff (PT), Celso Amorim afirmou que a ida de militares em veículos blindados a Brasília, no atual cenário de crise institucional entre o Palácio do Planalto e os outros poderes, é muito preocupante. A passagem dos blindados por Brasília ocorre justo na semana em que a Câmara pode votar a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) do voto impresso auditável.
"Só posso interpretar isso a uma ameaça. Se não está no consciente, está no subconsciente. O Congresso vai votar no mesmo dia a PEC que diz respeito a um assunto crucial, que já está provocando uma crise entre os poderes; que já é um assunto polêmico entre os poderes. É uma situação tensa, difícil, uma demonstração em frente ao Congresso, porque fica um (Palácio do Planalto) em frente ao outro (Congresso)", afirmou Amorim ao Correio.
A Marinha informou nesta segunda-feira (9/8) que, a caminho para um treinamento anual em Formosa, irá passar em Brasília na próxima terça-feira (10) em veículos blindados e com armamento, sob a justificativa de que irá levar um convite ao presidente Jair Bolsonaro e ao ministro da Defesa, Braga Netto. Pela primeira vez, desde 1988, o referido treinamento será em conjunto com o Exército e a Força Aérea Brasileira (FAB). Também é a primeira vez que os militares vão em veículos blindados fazer o convite, o que eles chamam de "ação promocional".
A questão gerou ampla repercussão, em especial pelo momento: além de ser a semana de votação da PEC, há um cenário de reiterados ataques do presidente Jair Bolsonaro ao sistema eleitoral e ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Bolsonaro disse diversas vezes que sem voto impresso auditável, não haveria eleições em 2022.
O ex-ministro da Defesa, que também foi ministro das Relações Exteriores, ressaltou que não viu, no período em que esteve à frente das Forças Armadas, nenhuma ação do tipo por parte dos militares. Segundo Amorim, via-se blindados nas ruas de Brasília somente nos desfiles de 7 de setembro. "É uma demonstração de força meio absurda. Sobretudo nesse momento. Em política, não há coincidências. Mesmo que fosse uma coincidência, que já tivesse programado, em uma hora como essa, você modifica, desprograma", afirmou.
Celso Amorim frisou que se sente muito preocupado com a situação. "Para fazer uma analogia com o direito internacional, a demonstração de força já pode ser considerada de um ato de guerra, dependendo da circunstância. É muito preocupante. Acho que a gente não pode ficar tranquilo. Tanque na rua é uma coisa muito preocupante", disse.
O ex-ministro ressaltou que enxerga a situação como uma manifestação de apoio militar às posições políticas do presidente. "Se não for essa a intenção, tem que provar que não era", apontou, dizendo que os militares precisam deixar claro que não apoiariam ações golpistas. A situação toda, segundo ele, é ruim para as Forças Armadas, que sempre foram instituições admiradas pela população. Amorim também pontuou que não cabe aos militares ficarem se manifestando sobre voto impresso.
Cenário
A ação dos militares ocorre em um contexto maior. Recentemente, o jornal O Estado de S. Paulo publicou uma reportagem na qual dizia que o ministro Braga Netto mandou um recado ao presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), por meio de um interlocutor político, de que se a PEC do voto impresso auditável não fosse aprovada, não haveria eleições em 2022. Lira não desmentiu a reportagem. Braga Netto afirmou que não fala por meio de interlocutores, chamou o episódio de desinformação e defendeu, ao final da nota divulgada, o voto impresso.
Antes disso, os comandantes das três Forças e o ministro Braga Netto divulgaram uma dura nota contra o presidente da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid-19, senador Omar Aziz (PSD-AM,), depois que ele disse que os bons militares estavam envergonhados com o "lado podre" das Forças. Nela, a cúpula militar disse que "as Forças Armadas não aceitarão qualquer ataque leviano às Instituições que defendem a democracia e a liberdade do povo brasileiro".
Depois disso, o comandante da Aeronáutica, tenente-brigadeiro do ar Carlos de Almeida Baptista Junior, disse em entrevista ao Globo que as Forças não emitiriam 50 notas, que seria apenas aquela. “Homem armado não ameaça”, enfatizou. O comandante da Marinha, Almir Garnier Santos, apoiou a postura, ao publicar a entrevista em seu Twitter.