O reverendo Amilton de Paula, que intermediou a negociação de vacinas entre o governo federal e a empresa Davati Medical Supply, chorou em depoimento à CPI da Covid, ontem, na retomada dos trabalhos da comissão. Ele se disse arrependido de ter envolvido a Secretária Nacional de Assuntos Humanitários (Senah), da qual é presidente e fundador, nas tratativas por imunizantes. Apesar do nome, a Senah é uma entidade privada. “Eu creio que o maior erro que fiz foi abrir as portas da minha casa, aqui em Brasília”, afirmou. “Eu queria vacina para o Brasil. Eu tenho culpa, sim. Hoje (ontem) de madrugada, antes de vir para cá, dobrei os meus joelhos, orei, e aí eu peço desculpa ao Brasil. O que eu cometi não agradou, primeiramente, aos olhos de Deus”, acrescentou, com a voz embargada.
Amilton de Paula negou ter relações com integrantes do governo. “Eu não conhecia pessoas que pudessem conduzir ou abrir agenda em ministérios em relação a vacinas”, sustentou. Ele também disse não conhecer e muito menos que se encontrou com o ex-diretor de Logística do Ministério da Saúde Roberto Dias. A informação diverge das mensagens extraídas do celular do policial militar Luiz Paulo Dominghetti — o cabo da PM se apresentava como vendedor autônomo de vacinas pela empresa Davati e acusa Dias de ter cobrado propina de US$ 1 por dose para fechar a compra de 400 milhões de unidades da vacina AstraZeneca. Na conversa, o reverendo diz ao PM estar “na sala de Roberto Dias”.
O religioso afirmou ter sido usado “de maneira ardilosa” por Dominghetti e por Cristiano Carvalho, outro representante da Davati.
Diante do choro dele, o senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE) não perdoou: “Eu não me comovo com as lágrimas. Com as suas, não. Nada disso aqui é verdadeiro. A oferta de vacina, a conversa fiada de apoio humanitário. Tudo atrás de dinheiro, no pior momento da vida do Brasil”, criticou. O parlamentar acrescentou que o princípio cristão não está mais presente na conduta do pastor e que o momento não é mais de arrependimento, mas de punição.
“Bravata”
Mesmo tendo sido filiado ao PSL e atuado na campanha eleitoral do presidente Jair Bolsonaro, Amilton de Paula negou envolvimento com o Executivo e que tivesse acesso fácil ao Ministério da Saúde. Ele enfatizou que lançou mão de uma “bravata” ao dizer a Dominghetti que tinha influência no governo.
O fato de o reverendo não ter revelado nomes participantes da negociação foi interpretado por senadores do G7 como uma tentativa de blindagem a integrantes do governo.
Apesar de ter sido acusado, pelo presidente da CPI, Omar Aziz (PSD-AM), de mentir no depoimento, Amilton de Paula não recebeu voz de prisão.
O senador disse estranhar que o reverendo tenha acesso ao Ministério da Saúde mesmo sem conhecer as figuras centrais da pasta. “Milagrosamente, a Davati conseguiu adentrar o Ministério da Saúde para vender 400 milhões de doses, e a Pfizer mandou carta e e-mail para todo mundo do governo e não conseguiu. (…) O governo não quis, mas ao reverendo, o governo atendeu”, disse Aziz, reiterando que a versão era “difícil de acreditar”.
Para a cúpula do colegiado, no entanto, é certo que ele estará na lista de indiciados no relatório final.