A escolha do senador Ciro Nogueira (PP-PI) pelo presidente Jair Bolsonaro para comandar a Casa Civil, com a consequente remoção do general Luís Eduardo Ramos para a Secretaria de Governo, passa a mensagem de que a política está finalmente entregue aos profissionais, que entram em campo para contornar os desgastes no relacionamento do Palácio do Planalto com o Congresso. O efeito disso será a esperada diminuição do espaço dos militares, que se mostraram pouco hábeis na articulação parlamentar e na negociação com deputados e senadores. Porém, as coisas podem não ser tão simples quanto parecem. Isso porque os fardados já deram sinais de que não cederão espaço aos políticos facilmente, nem ficarão com o ônus da incompetência no trato com o Legislativo.
Se Ciro, por um lado, assume a Casa Civil com a missão de diminuir a velocidade da avalanche da CPI da Covid contra o governo, por outro, terá dificuldades em dissociar os militares de algumas das estranhas transações, no Ministério da Saúde, que já foram levantadas pela comissão de inquérito — todas durante a presença de Eduardo Pazuello à frente da pasta. O colegiado tem, hoje, de forma clara, a visão de que dois grupos — um deles composto pelos militares — se digladiavam pelo controle de setores vitais do ministério. O episódio da compra da vacina indiana Covaxin trouxe para o centro da crise, além do próprio Pazuello, seu antigo secretário-executivo, Élcio Franco, e Marcelo Blanco, diretor-substituto do Departamento de Logística da pasta — como ele mesmo faz questão de registrar em seu perfil numa rede social voltada para o mercado de trabalho. O detalhe é que ambos são coronéis do Exército.
O avanço da CPI gera desconforto nas Forças Armadas e, de acordo com fontes da caserna, a cúpula do Exército está incomodada com o desgaste da imagem diante da sociedade. À medida que a popularidade de Bolsonaro míngua, a expectativa é de que a aceitação dos fardados seja atingida, tendo em vista a participação de aproximadamente 6 mil militares no governo, o maior número desde a ditadura militar. As avaliações eram de que, até agora, valia a pena correr os riscos para tentar, futuramente, tirar o prejuízo pela ocupação de cargos civis causado a imagem dos militares.
Reavaliação
Mas, com Ciro na Casa Civil e o Centrão no coração do governo, os fardados reavaliam a posição — sobretudo porque, se dos políticos a sociedade brasileira pouco espera, o mesmo não se pode dizer dos militares. Nas Forças, já se avalia a construção de movimento político para minar a influência dos fardados e largar na conta deles boa parte dos malfeitos e fracassos só governo.
Para Eduardo Galvão, professor de Relações Institucionais do Ibmec Brasília, a presença de Ciro muda profundamente a configuração das ações do poder público federal. “É importante lembrar que a Casa Civil é o coração das políticas públicas da União. É onde elas são decididas ao final das contas. Lá, estão as duas secretárias das políticas públicas, uma, que faz análise jurídica, e a segunda, a secretária de análise política. Podemos esperar que essas ações tenham alteração tanto de ritmo quanto de escopo. Elas passam a ser geridas sobre o comando do Centrão”, destaca.
O professor lembra que esse tipo de aliança política relembra a montagem do governo entre as décadas de 1960 a 1980. “As políticas devem ser direcionadas segundo as bandeiras e demandas dos partidos que comandam o Centrão. Antes, tínhamos um militar e, naturalmente, a ala fardada do governo perderá espaços importantes na Esplanada. Os partidos que hoje compõem o Centrão são os partidos que, na época do governo militar, compunham a Arena, que defendia as políticas do regime militar”, completa Galvão.