O procurador-geral da República, Augusto Aras, continuará no cargo por mais dois anos. Ontem, o plenário do Senado aprovou a recondução dele por ampla margem, com 55 votos favoráveis e apenas 10 contra, além de uma abstenção.
Antes mesmo da votação, a vitória já era dada como certa, até porque o Senado nunca rejeitou uma indicação para a Procuradoria-Geral da República (PGR), mas ele conseguiu uma boa aceitação entre os parlamentares, sobretudo pela postura contrária à atuação das antigas forças-tarefas do Ministério Público Federal, em especial a Lava-Jato, que teve congressistas entre os principais alvos.
A crítica à operação que apurou, entre outros, crimes de corrupção, foi uma das tônicas da sabatina de Aras à Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, na qual foi aprovado por 21 votos a seis. O PGR não poupou reclamações a esse método de investigação e acusação, que, segundo enfatizou, “apresentava uma série de deficiências” e “culminou em uma série de irregularidades que vieram a público”.
“(As forças-tarefas) geraram disfuncionalidades a partir da pessoalização, o que gerou distorções, uma certa criminalização da política para manter permanentemente os alvos em estado de atenção”, reprovou Aras. Ele também criticou o ex-PGR Rodrigo Janot, um dos principais investigadores da Lava-Jato, que, em julho 2017, perto do fim do seu mandato, prometeu apresentar novas denúncias na apuração. “Enquanto houver bambu, lá vai flecha”, disse Janot, na ocasião.
“Talvez, se nós tivéssemos, a cada duas grandes operações por mês, divulgado, feito o vazamento seletivo das operações dos investigados, talvez, eu estivesse numa posição de muito elogio, como quem distribuiu flechadas para todo o Brasil, criminalizando a política”, ironizou. “Mas assim não o fiz, porque me comprometi de cumprir a minha função constitucional com parcimônia, sem escândalo, sem estrépito.”
Apesar das críticas de integrantes da PGR de que Aras tem sido leniente diante de processos que dizem respeito ao presidente Jair Bolsonaro, ele se eximiu de culpa. Durante a sabatina, elencou ações que assinou em desfavor do chefe do Executivo, mas ressaltou que a falta de participação ou da apresentação de respostas “não se deram em razão de omissão, mas, sim, em respeito à vedação dirigida a magistrados e membros do Ministério Público, impositiva, de que manifestar opiniões sobre questões objeto da atuação finalística, ou mesmo o sigilo das investigações, simplesmente impede a revelação de fatos e atos”.
Aras ainda ponderou que “o PGR não é sensor de qualquer autoridade, mas o fiscal das condutas que exorbitem a legalidade”. “O Ministério Público não é de governo nem é de oposição. O Ministério Público é constitucional, e essa importância constitucional faz com que não se meça a posição, a eficiência e o trabalho do procurador-geral da República por alinhamento ou desalinhamento com posições ideológicas ou políticas de quem quer que seja”, destacou. “A eficiência na atuação do PGR não deve ser mensurada por proselitismos ideológicos, operações policiais espetaculosas ou embates na arena política.”
O PGR lamentou que o país esteja vivenciando “uma extrema polarização de toda a sociedade brasileira”. “A polarização é o pior veneno para a democracia, porque, nela, um procurador como eu, que tem compromisso com esta Casa, de cumprir a Constituição, não agrada nem ao governo nem agrada à oposição. A ele é imputada a omissão, quando ele só age com cautela e cuidado para não passar do limite”, defendeu-se.
Aras classificou o inquérito das fake news — em andamento no Supremo Tribunal Federal (STF) para apurar a produção de notícias falsas — como um exemplo dessa polarização. O procurador condenou a atitude de investigados, como o presidente nacional do PTB, Roberto Jefferson, e o deputado federal Daniel Silveira (PSL-RJ), que foram presos. “No momento posterior da prisão, tanto do Daniel Silveira quanto do Roberto Jefferson, houve ameaças reais aos ministros do Supremo. A liberdade de expressão não estaria contemplada propriamente na fake news, mas a ameaça direta e frontal já não poderia ser ignorada”, argumentou.
>> O que disse o PGR
Veja as principais declarações de Aras na sabatina
“Denúncias açodadas sem lastro probatório suficiente depois acabam frustrando expectativas e mesmo desacreditando o sistema de justiça punitiva. Agradam uma plateia do presente, imediatista e apaixonada, ao custo do enfraquecimento do direito, da Justiça e das instituições. Não há maior dor na humanidade do que
uma condenação injusta.”
“Cumpri o meu dever, aqui comprometido na última sabatina: não permitir que o Ministério Público quisesse se substituir ao Poder Legislativo ou ao Poder Judiciário ou ao Poder Executivo.”
“Cumprir a Constituição é compreender a separação dos Poderes, é poder saber que o dever de fiscalizar condutas ilícitas não dá aos membros do Ministério Público nenhum poder que é inerente aos poderes constituídos.”
“O procurador-geral da República já demonstrou que, se tivesse qualquer alinhamento, o único alinhamento seria com esta Carta (Constituição). Já demonstrou que contraria, sim, posicionamentos de governos, mas também este procurador não é procurador da oposição, não.”
“Nós não podemos interferir nas competências desta Casa, do Congresso Nacional, porque as competências maiores de edição de leis e de fiscalização dos Poderes são desta Casa. Eu não posso ser o censor, eu só posso ser o fiscal de condutas ilícitas.”
“Este procurador tem o dever de se manifestar no universo do discurso jurídico, primordialmente, nos autos, sem espetáculo, sem escândalo, para não macular, para não prejulgar, para não causar as lesões que estão desprestigiando as condenações ocorridas nos últimos seis anos, oito anos.”
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Senadores criticam
Apesar da aprovação, o procurador-geral da República, Augusto Aras, não foi poupado por alguns senadores. Alessandro Vieira (Cidadania-SE), um dos poucos a votar contra a recondução, tanto na CCJ quanto no plenário, ponderou que o PGR se notabilizou nos seus dois primeiros anos de mandato por tentar “conquistar a boa vontade de Bolsonaro” ao não confrontar posturas do presidente, mesmo quando contrárias à saúde pública e à democracia.
O senador concordou com o argumento de Aras de que não poderia criminalizar a política, mas destacou que “o caminho para isso é excluir os criminosos da política, e não, de qualquer forma, acobertar atos que possam ser considerados como criminosos”.
Fabiano Contarato (Rede-ES) também reclamou de Aras, em especial pela suposta omissão do procurador-geral diante de casos relacionados a Bolsonaro. Segundo ele, a PGR deve ter “altivez, sobriedade, serenidade e equilíbrio para deflagar ação penal doa a quem doer”.
“O tempo vai se manifestar efetivamente, e a história será implacável para todo aquele que, de qualquer forma, tenha concorrido para o agravamento desta pandemia, seja por ação, seja por omissão”, enfatizou. “A história vai dizer onde estava efetivamente e como agiu o Ministério Público, como guardião dessa espinha dorsal, chamada Estado democrático de direito.”
Na semana passada, Contarato e Vieira enviaram uma representação ao STF pedindo que Aras fosse investigado devido às suspeitas de prevaricação com os inquéritos envolvendo o presidente da República. O documento foi rejeitado pelo ministro Alexandre de Moraes, mas os parlamentares prometeram recorrer ao plenário do Supremo.
Compromisso
O senador José Aníbal (PSDB-SP) disse não ter expectativa de mudanças por parte de Aras. Mesmo assim, ele fez pedidos ao PGR. “Há um compromisso que é indelével, que é absolutamente necessário com os brasileiros em primeiro lugar. Com as instituições, com a democracia. E há situações que merecem, sim, ser acolhidas pela Procuradoria-Geral da República, para que haja uma ação de questionamento de postura, de atitude do governo”, ressaltou o parlamentar.
Por sua vez, Rogério Carvalho (PT-SE) lamentou o fato de que, atualmente, “a vontade de determinados agentes públicos fica acima do que está no nosso ordenamento jurídico, do que está na nossa Constituição, do que está na lei”.
“A Constituição marcou para a história do Brasil um novo tempo na defesa dos direitos difusos da população brasileira e dá ao Ministério Público Federal esse dever de cuidar dos direitos difusos quando, por algum motivo, eles são negados ou são subvertidos”, disse. “E a gente tem visto que se fala pouco ou não se valoriza a atuação do Ministério Público no que diz respeito àquilo que é a essência de uma carta política. Nesse sentido, nós temos alguns crimes que precisam ser acompanhados, como os contra o meio ambiente e a democracia.” (AF)