Cinquenta e quatro anos depois de lançar o seu primeiro disco de vinil, intitulado Coração de Papel, o cantor Sérgio Reis, hoje uma estrela do sertanejo, deixou o Brasil perplexo ao ser descoberto tramando um golpe contra a democracia. Em um áudio vazado recentemente, o artista, atualmente convertido ao bolsonarismo, empresta sua voz a um repertório desafinado e nada dignificante, ameaçando parar o país e retirar ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), à força, dos seus cargos (leia quadro abaixo).
Nascido em 23 de junho de 1940, no bairro de Santana, zona norte da cidade de São Paulo, o cantor, hoje com 81 anos, foi batizado como Sérgio Bavini. No início da carreira cantava rock, com o nome artístico Johnny Johnson. Pouco tempo depois, passou a usar o sobrenome Reis, da mãe, abandonando o Bavini do pai.
Na biografia Sérgio Reis — Uma Vida, Um Talento, o jornalista Murilo Carvalho conta que a mudança do artista, da Jovem Guarda para o sertanejo, começou num show que fez numa boate em Tupaciguara, no Triângulo Mineiro. Depois de terminar a apresentação, ele ouviu do camarim uma banda tocando O Menino da Porteira, de Teddy Vieira e Luizinho, sob aplausos efusivos da plateia. Tempos depois, o artista — filho de violeiro e apaixonado pela música sertaneja desde criança — incluiu essa música no repertório do show que apresentou em uma boate chamada Cafona, em Goiânia. A canção viria a se tornar uma das principais marcas da sua carreira.
Tempos depois, o artista passou a apresentar programas de rádio dirigidos aos caminhoneiros. Até então, não demonstrava interesse pela política. Mas o contato com as reivindicações da categoria e as andanças pelo país o fizeram mudar de ideia.
Eleição
Em 2014, decidiu se candidatar a deputado federal pelo PRB (atual Republicanos). Ele e outros três postulantes conseguiram se eleger, de carona nos 1,5 milhão de votos recebidos pelo correligionário e apresentador de TV Celso Russomanno (PRB), o mais votado no país à época.
Foi na Câmara que Sérgio Reis conheceu e ficou amigo do então deputado Jair Bolsonaro, que já propagava seu discurso radical. Após quatro anos como um parlamentar inexpressivo, o cantor concluiu o mandato sem ter correspondido às expectativas dos seus eleitores, principalmente os caminhoneiros.
A simpatia de Sérgio Reis pelo extremismo de direita começou a ser conhecida do público em maio deste ano, durante uma entrevista ao F5, portal de entretenimento da Folha de S. Paulo. Na ocasião, ele revelou uma mudança de opinião sobre o ex-presidente Lula (PT), do qual já foi um admirador. “Não ganha nem para presidente do Corinthians, o Lula acabou, o PT acabou”, disse o artista, acrescentando que a esquerda “não serve para o Brasil” e questionando as pesquisas que apontam o petista à frente de Bolsonaro em 2022. “Quem acredita nisso é idiota.”
Desde então, o envolvimento com representantes radicais do agronegócio e com outros apoiadores fanáticos do presidente da República forjou um Sérgio Reis embrutecido, bem diferente do cantor iniciante que, 54 anos atrás, embalava os fãs cantando coisas do amor.
Ataques e intimidações
Veja trechos do que disse Sérgio Reis em áudio e vídeo dele, que circularam em grupos de WhatsApp e no Twitter
“Nós vamos parar 72h. Se não fizer nada, nas próximas 72h, ninguém anda no país, não vai ter nem caminhão para trazer feijão para vocês aqui dentro. Nada vai ser igual, nunca foi igual ao que vai acontecer em 7, 8, 9 e 10 de setembro. E, se eles não obedecerem nosso pedido, eles vão ver como a cobra vai fumar, e ai do caminhoneiro que furar esse bloqueio.”
“Já entramos com pedido de o presidente do Senado nos receber no dia 8 de setembro. Vou eu e dois líderes dos caminhoneiros, e dois líderes do sindicato da soja, para entregar a ele uma intimação. Não é um pedido, é uma intimação, como se fosse um oficial de Justiça, que fala: ‘Cumpra-se’.”
“Enquanto o Senado não tomar essa posição que nós mandamos fazer, nós vamos ficar em Brasília, e não saímos de lá até isso acontecer. Uma semana, 10 dias, um mês, e os caras bancando tudo, hotel e tudo, não gasta um tostão. E, se em 30 dias, eles não tirarem aqueles caras, nós vamos invadir, quebrar tudo e tirar os caras na marra.”
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Bolsonaristas mantêm ameaças
Mesmo diante das acusações da Procuradoria-Geral da República (PGR), de que incentivaram atos violentos e defenderam pautas antidemocráticas, como o fechamento do Supremo Tribunal Federal (STF), os bolsonaristas alvos da operação determinada pelo ministro Alexandre de Moraes, da Corte, não amenizaram o discurso. Ao contrário, reiteraram as ameaças.
Em um vídeo de 10 minutos, publicado nas redes sociais, o deputado Otoni de Paula (PSC-RJ) disse que não vai se intimidar diante das ações do STF. “Não vou recuar um milímetro. Dentro do que a democracia e a Constituição me permitem, este deputado federal, cidadão brasileiro, investido da autoridade parlamentar, não vai recuar”, frisou. “Se alguém pensa que eu vou deixar de falar o que penso, deixar de ter a mesma postura que tenho, eu não vou deixar de ter.”
O parlamentar também fez críticas a Moraes, a quem chamou de “tirano” com comportamentos ditatoriais. “Estamos vivendo em estado de exceção no Brasil. Portanto, você pode ser preso. Mas não temos medo da tirania, seja ela de quem for, inclusive do senhor tirano ministro Alexandre de Moraes. Que vergonha, ministro, que postura antidemocrática que vossa excelência tem tido”, pontuou.
Mais ataques
Apontado pela PGR como o mentor da mobilização para uma manifestação de apoiadores do presidente Jair Bolsonaro no 7 de Setembro, em Brasília, o caminhoneiro Marcos Antônio Pereira Gomes, conhecido pelo apelido Zé Trovão, comentou que “já estava esperando” alguma operação policial contra ele, mas minimizou. “Isso não nos amedronta, não faz nem cócegas”, provocou.
Zé Trovão ainda declarou que “nós não vamos parar”. Ele chegou a comparar os responsáveis por organizar o protesto com criatura da mitologia grega Hidra, um ser com corpo de dragão e que tinha várias cabeças de serpente. De acordo com a lenda, as cabeças tinham o poder de se regenerar.
“Nós estamos igual àquele negócio da mitologia grega. Corta uma cabeça, nascem 10 no lugar. A cada momento, estão surgindo mil Zé Trovões, mil Turíbio Torres, um milhão de Sérgios Reis. O Brasil que nós queremos, vamos alcançar. Então, não pare de lutar”, conclamou.
O empresário Turíbio Torres reforçou que “o movimento” tem de continuar. “Nosso recado foi dado, e chegou para quem a gente queria que chegasse. Então, se eles estão fazendo tudo que estão fazendo contra minha pessoa, Zé Trovão, Sérgio Reis, é porque eles sabem que nosso movimento está gigante e que eles serão os maiores prejudicados.”
Ele acrescentou que a situação “está difícil”, mas que não cedeu. “A gente está vendo resultado. Se tudo isso está acontecendo, é porque estamos pisando na ferida. Levantem enquanto ainda tem tempo, porque, amanhã, podem ser vocês. Se não levantarmos agora, vai acontecer com um filho teu. E a gente não pode se calar.”
O jornalista Wellington Macedo também reagiu. “Ou ficar a pátria livre, ou morrer pelo Brasil. Não desistam de lutar pela liberdade do nosso país, pelo amor de Deus”, escreveu em uma rede social. A reportagem procurou os demais envolvidos na operação, mas não conseguiu contato.
Os outros alvos
Veja quem são os demais implicados, além de Sérgio Reis e Otoni de Paula
Marcos Antônio Pereira Gomes, o Zé Trovão
O caminhoneiro é dono do canal no YouTube “Zé Trovão a voz das estradas”. A investigação aponta que postagens e vídeos publicados na internet demonstram que ele teria convocado a população a praticar atos criminosos e violentos.
Eduardo Oliveira Araújo, cantor
O artista, que integrou a Jovem Guarda, aparece em vídeo no qual Sérgio Reis incentiva a mobilização.
Alexandre Urbano Raitz Petersen
O empresário de Joinville (SC) é conhecido por ser presidente de uma associação civil de “defesa de direitos sociais”. Teria recebido, segundo a PGR, doações por meio de transferências bancárias para financiar o movimento.
Turíbio Torres
Suspeito de pertencer ao núcleo operacional, com papel ativo na montagem das caravanas e na intermediação de contatos políticos, além da logística de acampamento.
Wellington Macedo de Souza
O jornalista, coordenador da Marcha da Família, divulgou um vídeo convidando a população para o ato em Brasília.
Antônio Galvan, presidente da Aprosoja Brasil
Presidente da Aprosoja Brasil, Galvan aparece em um vídeo na sede da entidade, em Brasília, ao lado de Sérgio Reis, discursando pela mobilização. A PGR diz que o dirigente é um dos financiadores do movimento.
Bruno Henrique Semczeszm
O bolsonarista é articulista do site Brasil Livre. Ele teria dito que alertou as Forças Armadas sobre o ato de 7 de Setembro. Em um vídeo publicado em canal no YouTube, em 12 de agosto, Semczeszm afirma que “uma equipe do movimento 7 de Setembro entregou em Brasília um documento oficial informando os comandantes das três Forças Armadas sobre a realização do evento”.
Juliano da Silva Martins
Seria integrante do núcleo operacional com um papel ativo na organização.