O presidente Jair Bolsonaro tem violado o direito à liberdade de expressão e ao acesso à informação com bloqueios sistemáticos de jornalistas e críticos nas redes sociais. Essa é a conclusão de um relatório feito pela Human Rights Watch e divulgado na madrugada desta quinta-feira (19/8). Segundo os dados obtidos pela ONG, ao menos 176 perfis foram bloqueados das redes sociais do presidente. O número foi obtido por capturas de tela fornecidas por usuários bloqueados. A Secretaria de Comunicação da Presidência se negou a fornecer o número total de perfis bloqueados sob a alegação de que a pasta não gerencia as contas.
Entre os perfis bloqueados estão os de veículos de comunicação, jornalistas, congressistas, influenciadores e pessoas comuns. "Ele está tentando eliminar de suas contas pessoas e instituições que dele discordam para transformá-las em espaços onde apenas aplausos são permitidos. É parte de um esforço mais amplo para silenciar ou marginalizar os críticos", disse Maria Laura Canineu, diretora da Human Rights Watch no Brasil.
Segundo a ONG, o grande problema é que o presidente utiliza o perfil dele como veículo de informação para comunicar atos do governo. Ao fazer os bloqueios, o presidente impede que essas pessoas tenham acesso a essas informações e que possam participar do debate público. "Todo e qualquer cidadão tem o direito constitucionalmente garantido de saber quais as medidas que as autoridades tomam ou não na gestão pública. Quando um cidadão é bloqueado por fazer críticas duras, não ofensivas (crimes contra a honra) ou mesmo os jornalistas por causa de suas perguntas, essenciais ao seu trabalho, ele fica impedido de visualizar diretamente os tuítes do autor do bloqueio, responder ou comentar tópicos a eles associados. Tais usuários têm, assim, mais dificuldade de acesso à informação relativamente aos demais cidadãos e sem qualquer base legal", explica o advogado Thiago Viana.
Desde que Bolsonaro assumiu a Presidência têm sido constantes os bloqueios de pessoas nos perfis dele. De acordo com levantamento da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), 135 repórteres foram bloqueados por autoridades do governo, a maioria deles pelo presidente.
Entre os perfis que já foram bloqueados estão dos jornais The Intercept Brasil, Congresso em Foco, Repórter Brasil, Diário do Centro do Mundo e O Antagonista, além de duas contas no Instagram do site de notícias UOL; duas contas no Twitter do Observatório do Clima, uma coalizão de organizações da sociedade civil; e as contas de Twitter no Brasil do Repórteres sem Fronteiras, Anistia Internacional e
Human Rights Watch.
A agência de checagem Aos Fatos também teve o perfil bloqueado. O site considerou o ato como retaliação pelo trabalho feito de acompanhamento das declarações do presidente. De acordo com o site, Bolsonaro já deu 3.639 declarações falsas desde que assumiu a Presidência.
Em 2020, a consultoria Arquimedes mapeou os perfis com mais de 10 mil seguidores bloqueados por Bolsonaro. O levantamento encontrou 15 perfis, entre eles os deputados federais Alexandre Padilha (PT-SP), Natália Bonavides (PT-RN), Pedro Uczai (PT-SC) e Sâmia Bomfim (PSOL-SP) e a deputada estadual Janaína Paschoal (PSL-SP). Além de influenciadores e jornalistas.
Entre os digitais influencers bloqueados estão Kaique Brito, um jovem de 16 anos. Em junho do ano passado, o influenciador, que tem 113 mil seguidores no Instagram, postou um vídeo comemorando ter sido bloqueado pelo presidente. "Os dias de glória chegaram", escreveu.
Na Justiça
No início deste mês, a ministra e vice-presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Rosa Weber, deu 10 dias para que Bolsonaro explicasse o porquê dos bloqueios de jornalistas em seu perfil no Twitter. A ação foi movida pela Abraji que pediu o desbloqueio de 65 jornalistas.
O advogado Thiago Viana moveu uma ação popular em 2019 que também pede que o presidente desbloqueie todas as pessoas que foram bloqueadas do perfil dele. Ele relembra que até o início do processo, Bolsonaro tinha anunciado 14 de seus 22 ministros por meio do Twitter. Na época, Thiago pediu que em post nas redes sociais que as pessoas que tivessem tido o perfil bloqueado mandassem um print. Foram mais de 1,2 mil respostas. Ação foi extinta por o juiz entender que não havia obrigação por parte do presidente Bolsonaro em desbloquear usuários de redes sociais, porque elas teriam natureza privada. "Entendimento equivocado, a meu ver, mas a ação segue tramitando. Em julho de 2020, ela foi remetida para análise do Tribunal Regional Federal da 1ª Região e ainda não foi sorteado o relator do caso até hoje", explica Thiago.
ATENÇÃO
— Thiago Viana (@ThiagoGViana) August 29, 2019
Você que foi bloqueado por Jair Bolsonaro, Eduardo Bolsonaro e Flávio Bolsonaro pelas críticas feitas a eles, favor deixe o print abaixo que logo, logo terei uma boa surpresa para anunciar a respeito. Ajude, por gentileza, com o RT amigo.
Outras cinco ações questionam bloqueios do presidente Bolsonaro em redes sociais no Supremo Tribunal Federal. Em 2020, a ministra Cármen Lúcia e o ministro, agora aposentado, Marco Aurélio Mello tinham se manifestado considerando que a prática é discriminatória e infringe os direitos à informação e à liberdade de expressão. As decisões pelo plenário do Supremo ainda estão pendentes.
Thiago Viana ainda lamenta que um presidente que tem um discurso anticorrupção, use de tantos meios para dificultar o acesso à informação. "Sintomático que, apesar do discurso de anticorrupção, nunca na história brasileira dos últimos 30 anos um presidente fez tanto uso do sigilo sobre informações de interesse público, tais como gastos com cartão corporativo, sobre acesso aos dados dos crachás dos filhos ao Palácio do Planalto, sobre documentos da negociação da Covaxin, como atualmente se vê", lembra. "A transparência e acesso à informação são dois valores republicanos absolutamente inegociáveis numa democracia. Quanto mais um governo dificulta o acesso à informação, menos transparente ele é, pois a falta de transparência é terreno fértil para a corrupção", completa.
Corroborando com o relatório da Human Rights Watch, este ano Bolsonaro foi incluído pela primeira vez lista de "predadores da liberdade de imprensa" elaborada pela Repórteres Sem Fronteiras (RSF). A lista incluí chefes de Estado ou governo que impõem uma repressão massiva à liberdade de imprensa.
No poder Legislativo, a chamada PL das Fake News, que tramita no Congresso Nacional, tenta proibir autoridades de alto escalão de bloquear seguidores nas contas de redes sociais que elas indiquem como sua conta oficial.
Não só o presidente
Por meio da Lei de Acesso à Informação, a Human Rights Watch solicitou os dados de quantas contas foram bloqueadas de outros perfis do governo. O ministro da Cidadania e o ministro da Casa Civil disseram que não bloquearam ninguém, enquanto o vice-presidente Hamilton Mourão informou que bloqueou 28 pessoas, apenas no Twitter. Os outros ministros se recusaram a fornecer informações, dizendo que não tinham contas ou que elas eram privadas.
A Secretaria de Comunicação da Presidência da República e os ministérios disseram ter bloqueado 182 pessoas nas contas institucionais. Os ministérios da Educação e da Justiça respondem por 85% dos bloqueios.
Em outros países
Em 2019, a Justiça norte-americana considerou inconstitucional que o então presidente Donald Trump bloqueie seus críticos no Twitter. Prática era bastante adotada por Trump. A Justiça dos EUA entendeu que a prática viola a liberdade de expressão.
No México, também em 2019, a Justiça decidiu que o procurador-geral do estado de Veracruz deveria deixar o perfil aberto para todos os cidadãos, já que ele usava a rede para passar informações sobre o seu trabalho.
A Secretaria-Geral da Presidência da República ainda não se manifestou até a última atualização desta reportagem.
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