Único voto contrário ao inquérito das fake news, o ministro Marco Aurélio o denominou de inquérito do fim do mundo e profetizou que seria sem limites. Foi em 18 de junho do ano passado, quando o Supremo, por 10 a 1, confirmou uma ação baseada em seu próprio regimento interno, em que o ofendido investiga, denuncia, julga e manda prender. Esse ônus, o recém-aposentado Marco Aurélio não carrega em sua biografia. O inquérito já tinha 15 meses quando foi assumido pela maciça maioria do Supremo. E já jogou na cadeia um jornalista, um deputado e, agora, um presidente de partido. Magistrados, mestres e estudantes de direto devem estar se perguntando onde ficaram o devido processo legal e a Constituição.
O pior é a indiferença diante de prisões por opinião — embora disfarçadas de defesa da democracia. Na Câmara, mais do que indiferença, houve aprovação de uma delas. Um parlamentar foi preso, e fingiram não saber que a Constituição torna deputados e senadores invioláveis por suas palavras. Os que fazem cara de paisagem também têm boca: se tiverem opinião, passam a depender do escrutínio de um juiz, e não da garantia de uma carta de direitos.
Não aplaudo o estilo de nenhum dos três presos, mas está escrito na Constituição que é garantida a liberdade de expressão, sem censura. Para injúria, calúnia e difamação, há o Código Penal; para indenização por danos morais, há o Código Civil. O que não há, em código algum, é a possibilidade de o próprio ofendido fazer justiça. Além disso, as palavras de qualquer dos três não produziram dano algum à democracia; as prisões deles, sim. Deixam o ranço totalitário da liberdade condicionada.
Um mês depois de aberto esse inquérito por iniciativa do então presidente do Supremo, Dias Toffoli, a procuradora-geral da época, Raquel Dodge, em abril de 2019, mandou arquivá-lo, arguindo a Constituição e o Estado democrático de direito. Mas nada aconteceu. Agora, a PGR manifestou-se contra a prisão de Jefferson, por caracterizar censura prévia — com o que concorda o mestre Ives Gandra. Mas a prisão se consumou. A Constituição estabelece (art.127) que o Ministério Público é “essencial à função jurisdicional do Estado”. No inquérito sem limites, juiz é também promotor e carcereiro.
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