O presidente Jair Bolsonaro subiu o tom dos ataques à cúpula do Judiciário depois da prisão do aliado Roberto Jefferson (PTB), ocorrida na sexta-feira, por ordem do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF). O chefe do governo afirmou, pelas redes sociais, que apresentará ao Senado, nesta semana, um pedido de abertura de processos contra o magistrado e o ministro Luís Roberto Barroso, presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e membro do STF. Esse novo capítulo da crise institucional teve ampla repercussão no meio político.
Roberto Jefferson, ex-deputado federal e presidente nacional do PTB, foi preso pela Polícia Federal, no Rio de Janeiro, no inquérito sobre milícias digitais, após publicar vários ataques e ameaças ao STF nas redes sociais. Moraes é o relator dessa investigação.
A nova ofensiva de Bolsonaro contra os dois magistrados, além de ser uma reação à prisão de Jefferson, ocorre no momento em que o presidente é alvo de quatro inquéritos no STF e um no TSE, por suposta interferência na Polícia Federal, pelo escândalo da vacina indiana Covaxin, pelas ameaças às eleições e por ter vazado inquérito sigiloso da PF.
Na publicação, Bolsonaro voltou a fazer ameaças contra a democracia. “Todos sabem das consequências, internas e externas, de uma ruptura institucional, a qual não provocamos ou desejamos”, escreveu. “De há muito, os ministros Alexandre de Moraes e Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal, extrapolam com atos os limites constitucionais.”
O chefe do Planalto acrescentou: “Na próxima semana, levarei ao presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, um pedido para que instaure um processo sobre ambos, de acordo com o art. 52 da Constituição Federal. Lembro que, por ocasião de sua sabatina no Senado, o sr. Alexandre de Moraes declarou: ‘Reafirmo minha independência, meu compromisso com a Constituição e minha devoção com as liberdades individuais’”.
O artigo 52 atribui ao Senado a competência para julgar crimes de responsabilidade de ministros do Supremo, o que pode levar à perda dos seus cargos por impeachment. Desde a promulgação da Constituição, esse dispositivo nunca foi aplicado pela Casa.
Bolsonaro concluiu a mensagem dizendo que “o povo brasileiro não aceitará passivamente que direitos e garantias fundamentais (art. 5º da CF), como o da liberdade de expressão, continuem a ser violados e punidos com prisões arbitrárias, justamente por quem deveria defendê-los”.
Desafetos
A represália anuncia pelo chefe do Executivo miram os dois principais desafetos dele no STF. Moraes, além da prisão de Roberto Jefferson, já impôs várias derrotas ao governo, como a suspensão da nomeação de Alexandre Ramagem, diretor-geral da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), ao cargo de diretor-geral da PF.
Já Barroso tem rebatido com rigor suspeitas levantadas por Bolsonaro sobre a segurança das urnas eletrônicas e se opôs à proposta de emenda à Constituição (PEC) que tornava obrigatório o voto impresso nas eleições. A matéria, defendida veemente pelo chefe do Planalto, foi rejeitada pelo plenário da Câmara na semana passada.
Repercussões
A ameaça de Bolsonaro provocou várias reações de senadores e outros políticos nas redes sociais. Líder da bancada feminina do Senado, Simone Tebet (MDB-MS) ironizou Bolsonaro, alvo de mais de 130 pedidos de impeachment protocolados na Câmara. “Presidente vai mesmo pedir ao Senado o impeachment de ministros do STF? Quem pede para bater no ‘Chico’, que mora no inciso II, artigo 52, da CF (Constituição Federal), se esquece de que o ‘Francisco’ habita o inciso I, do mesmo endereço”, escreveu a parlamentar.
Segundo o inciso I, cabe ao Senado “processar e julgar o presidente e o vice-presidente da República nos crimes de responsabilidade, bem como os ministros de Estado e os comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica nos crimes da mesma natureza conexos com aqueles”.
O senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE), integrante da CPI da Covid, disse que o pedido de impeachment contra os magistrados “é só mais uma cortina de fumaça para tentar esconder o mar de crimes comuns e de responsabilidade que o próprio presidente cometeu”.
Por sua vez, o senador Humberto Costa (PT-PE), outro integrante da CPI, afirmou que o presidente “tenta, mais uma vez, intimidar a Justiça”. De acordo com o parlamentar, o “Senado não vai se curvar aos arroubos autoritários de Bolsonaro de obter o impeachment dos ministros do STF Alexandre de Moraes e Roberto Barroso por terem cumprido o seu dever e prendido o ex-deputado Roberto Jefferson por seus reiterados ataques e ameaças à democracia”.
O senador Marcos Rogério (DEM-RO), vice-líder do governo no Congresso, fez coro a Bolsonaro. “Esse é um mecanismo que eu defendo há anos, para impor freio e julgar ações que extrapolam os limites constitucionais”, enfatizou. O deputado Carlos Jordy (PSL-RJ) também aprovou: “O presidente Jair Bolsonaro levará ao Senado pedido de impeachment dos ministros Barroso e Alexandre de Moraes. Aí, sim, presidente! Não é possível que senadores assistam e aceitem passivamente todos esses atos inconstitucionais e ataques às instituições e não façam nada. Parabéns por sua postura.”
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Solenidade
A publicação de Bolsonaro foi feita no mesmo dia em que ele participou, em Resende (RJ), da solenidade de formatura de cadetes da Academia Militar das Agulhas Negras (Aman), do Exército. Pouco antes da cerimônia, ele se dirigiu às margens da Via Dutra, onde passou mais de uma hora acenando para quem passava pela rodovia que liga São Paulo ao Rio de Janeiro. Além da comitiva presidencial, um grupo de apoiadores estava presente.
Pedido de investigação contra Aras
Um grupo de subprocuradores-gerais da República aposentados, entre os quais o ex-procurador-geral da República Cláudio Fonteles, apresentou ao Conselho Superior do Ministério Público Federal (CSMPF) um pedido de investigação, por suspeitas de prevaricação, contra o procurador-geral, Augusto Aras. Os autores o acusam de usar o cargo para blindar o presidente Jair Bolsonaro.
A iniciativa do grupo acontece num momento de fortes cobranças sobre a atuação de Aras, cuja isenção tem sido questionada — dentro e fora do Ministério Público Federal (MPF) — desde que Bolsonaro o indicou para o cargo.
Na sexta-feira, por exemplo, o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), reclamou que a PGR não respondeu, no prazo estipulado, a consulta sobre o pedido de prisão contra o ex-deputado Roberto Jefferson, aliado de Bolsonaro.
A representação contra Aras foi protocolada no dia 9 e recebida pelo vice-presidente do Conselho Superior, José Bonifácio Borges de Andrada. Na sexta-feira, Bonifácio determinou o prosseguimento do caso, o que inclui o sorteio de um relator para a análise do pedido.
A solicitação apresentada ao CSMPF se baseia em cobranças feitas a Aras por ministros do STF em solicitações de investigações contra bolsonaristas. Os autores citam, entre outros, o despacho da ministra Rosa Weber, com duras críticas ao pedido feito pelo PGR para que se aguardasse a conclusão da CPI da Covid antes de ele decidir sobre um pedido de investigação contra o presidente. A magistrada chegou a dizer que o Ministério Público não poderia ser “espectador” e deveria cumprir seu papel constitucional.
De acordo com os autores, os fatos são “claríssimos e bastantes”. “Indicam que o procurador-geral da República Antônio Augusto Brandão de Aras, por si próprio ou por intermédio de pessoa da sua mais estreita confiança, o vice-procurador-geral da República, Humberto Jacques de Medeiros, vem, sistematicamente, deixando de praticar ou retardando a prática de atos funcionais para favorecer a pessoa do presidente da República ou de pessoas que lhe estão no entorno”, argumentam.
Além de Cláudio Fonteles, o grupo de signatários do documento inclui os subprocuradores-gerais da República aposentados Wagner Gonçalves, Álvaro Augusto Ribeiro da Costa, Paulo de Tarso Braz Lucas e o desembargador federal aposentado Manoel Lauro Volkemer de Castilho.
Ao Correio, Álvaro da Costa explica que a iniciativa de acionar o CSMPF tem o objetivo de buscar uma solução institucional para o embate entre Bolsonaro e a cúpula do Judiciário. “Nessa crise, as instituições não têm sido suficientes na atuação. Há atuação insuficiente e omissão, além de outros fatos que beiram a cumplicidade”, frisou. “Temos de ativar as instituições, para que elas atuem com a força que devem ter. Ativar os anticorpos da cidadania.”
Esse é o primeiro pedido de investigação criminal contra Aras no CSMPF, onde ele tem minoria, o que representa a possibilidade de a investigação ser aberta. O pedido dos subprocuradores-gerais aposentados ao colegiado é feito no momento em que o procurador-geral da República se movimenta no Senado em busca da aprovação de sua recondução para o cargo, formalizada por Bolsonaro.
Em nota, a PGR afirmou que Aras não tomou conhecimento oficialmente do pedido, mas que “trata-se de tema antigo, já analisado e arquivado duas vezes pelo Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP)”. De acordo com o comunicado, “o exercício independente e fundamentado das atribuições ministeriais — como de todas as magistraturas — sempre e naturalmente atende e desatende pretensões externas nos casos que lhe são trazidos”.
“Apesar da divergência jurídica ser ínsita à atuação de qualquer profissional do direito, os membros do Ministério Público, por vezes, são alvos de toda sorte de reação à sua atuação livre e independente, chegando alguns detratores do MP a usar expedientes políticos, midiáticos e jurídicos extremos para expressar sua discordância ou insatisfação”, prosseguiu. (JV)