Da primeira pergunta até o encerramento precoce da sessão da CPI da Covid, o líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR), causou tumulto na reunião, tentou depreciar o trabalho da comissão e mentiu em suas declarações, conforme avaliação de senadores. Com apoio da base do governo, incluindo Flávio Bolsonaro (Patriota-RJ), acusou o colegiado de afastar empresas interessadas na venda de vacinas para o Brasil.
Na contraofensiva, a CPI decidiu que o chamará novamente a depor, desta vez por meio de convocação e não mais de convite. Na prática, significa que o depoente é obrigado a comparecer à CPI, enquanto como convidado ele pode não ir ou deixar a sessão a qualquer momento.
O momento mais tenso do depoimento ocorreu quando Barros acusou a comissão de dificultar o acesso do país a imunizantes. “Eu quero lembrar aos senhores senadores que o mundo inteiro quer comprar vacinas. E eu espero que esta CPI traga bons resultados para o Brasil, produza um efeito positivo para o Brasil, porque o negativo já produziu muito: afastou muitas empresas interessadas em vender vacina no Brasil”, disparou. As declarações deflagraram um bate-boca, com vários senadores rebatendo o deputado.
Na volta do segundo intervalo, a cúpula do G7, grupo de oposição e independente, bateu o martelo em não prosseguir com o depoimento, bem como adotar um tom mais duro contra as investidas do líder do governo para desmoralizar a CPI.
Além da convocação, outra iniciativa do colegiado foi enviar um pedido de informação ao Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a possibilidade de prisão do deputado, que tem imunidade parlamentar. A questão foi sugerida pelo senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE), mas previamente acordada dentro do G7. Para alguns integrantes do colegiado, Barros só deve ser ouvido novamente se a Corte Suprema informar que o líder do governo pode ser preso pela CPI em caso de falso testemunho.
A postura de Barros foi vista pelos senadores como arrogante: além das críticas ao colegiado, ele evocou sua condição de parlamentar para falar o que quisesse. Após a sessão, em entrevista ao Correio, o deputado comemorou o próprio desempenho. “A minha imunidade eu não perco porque estou na CPI. A discussão é a seguinte: estavam perdendo de lavada o jogo, pediram tempo, não deu certo para arrumar durante o tempo e pediram mais tempo pra voltar e tentar. Eu vim com documento para provar tudo”, destacou.
A princípio, Barros deveria comparecer à CPI na condição de convocado, mas o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), aliado do Planalto, ligou para Aziz pedindo que o depoimento fosse sob convite. O senador disse que acatou a solicitação para garantir a isonomia, tendo em vista que os outros dois deputados ouvidos na comissão, Osmar Terra (MDB-RS) e Luis Miranda (DEM-DF), foram convidados.
“Convite a gente faz a quem a gente respeita. A convocação é para quem a gente perde o respeito e para quem desrespeita a comissão, é simples assim”, enfatizou Aziz, completando que, agora, para não comparecer, o deputado precisa acionar o STF. Essa, no entanto, não é a pretensão de Barros. “Eu não pretendo recorrer ao Supremo para não falar. Recorro para falar”, destacou o líder do governo.
Covaxin
Barros foi chamado à CPI após ser citado pelo deputado Luis Miranda (DEM-DF) em depoimento ao colegiado. Miranda disse ter informado ao presidente Jair Bolsonaro sobre suspeitas de irregularidades na compra da vacina indiana Covaxin, ao que o chefe do Planalto teria dito que era “mais um rolo do Barros”. O líder do governo negou participação na compra de imunizantes e enfatizou não haver nada que o incrimine (leia reportagem abaixo).
A perspectiva, porém, é de que o relatório final da CPI, pelas provas que a comissão já obteve, traga o pedido de indiciamento do deputado. “Ficou provado, em pouco tempo, que o deputado Ricardo Barros está no radar de todo mundo que vende vacina por intermediação. Isso é uma prova concreta”, afirmou Aziz.
Para a senadora Eliziane Gama (Cidadania-MA), ao retornar à CPI, Barros encontrará uma inquisição mais forte e preparada a partir da leitura do contrato da Covaxin e do acesso às quebras de sigilo. “Teremos muito mais elementos para que, nessa segunda vinda dele, possamos ter um depoimento mais aprofundado para questioná-lo de forma cabal.”
Principais trechos do depoimento
Luis Miranda
Barros começou o depoimento agradecendo ao deputado Luis Miranda (DEM-DF), responsável por citar o nome do líder do governo na CPI. Questão foi vista como “cinismo” por senadores. Barros disse que o parlamentar contou à Polícia Federal que Bolsonaro apenas perguntou se ele estava envolvido no caso Covaxin. À CPI, no entanto, Miranda foi claro: ao relatar ao chefe do Executivo suspeitas de irregularidades envolvendo a compra da vacina, ouviu do presidente que a questão “era mais um rolo” de Barros.
“Esse de novo?”
O deputado repetiu a tese de que Bolsonaro, ao receber denúncia envolvendo a Covaxin, apenas perguntou o nome do líder por ver uma foto dele em reportagem relativa à Global Saúde, do grupo da Precisa Medicamentos. “O presidente bate o olho na matéria e diz: ‘Esse cara de novo. Vocês sabem me dizer se ele está envolvido nesse procedimento da Covaxin?’”
Acórdão do TCU
Uma empresa do grupo da Precisa, a Global Saúde, teve contrato firmado com o Ministério da Saúde no período em que Barros comandava a pasta. O MPF apontou que a empresa fechou um contrato para fornecimento de remédios de alto custo, mas não honrou, causando prejuízo de R$ 20 milhões aos cofres públicos. Questionado, o parlamentar afirmou que havia um acórdão do TCU permitindo que pagamentos fossem feitos antes de receber a mercadoria. A senadora Simone Tebet buscou o acórdão e identificou que o texto não mencionava isso. Barros mudou a versão e disse que um despacho interno do ministério citava o acórdão. “A Pfizer também recebeu adiantado”, ainda disse Barros, e foi rebatido por Tebet: “Mas entregou, né?”
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Deputado nega negociações de vacinas
O depoimento do deputado Ricardo Barros durou cerca de três horas e foi interrompido antes que o relator da comissão, Renan Calheiros (MDB-AL), encerrasse suas perguntas. Durante esse período, o líder do governo foi questionado sobre a negociação das vacinas Covaxin e CanSino, sobre a emenda apresentada por ele que tornou viável a compra do imunizante indiano e a relação com o empresário Francisco Maximiano. Barros negou ter apresentado a emenda para favorecer a Covaxin e disse não ter “relação pessoal” com Maximiano, empresário que intermediou o contrato do Ministério da Saúde para a compra da Covaxin. Ele afirmou ter encontrado o empresário apenas uma vez, quando era ministro da Saúde.
“Não fiz emenda para a Covaxin. Eu não aceito o que o senhor está afirmando. É mentira”, declarou Barros ao vice-presidente da CPI, Randolfe Rodrigues (Rede-AP). O líder do governo também disse não ter participado de nenhuma reunião com a empresa Belcher Farmacêutica para tratar do imunizante. A Belcher é ex-representante da CanSino. Afirmou, porém, que pode ter “buscado auxiliar” a empresa e “todos” os que o procuraram. O deputado confirmou que é amigo de um dos sócios da Belcher, Daniel Moleirinho Feio Ribeiro, e de seu pai, Francisco Feio Ribeiro Filho.
A Belcher, que tem sede em Maringá (PR), reduto eleitoral de Barros, e o Instituto Vital Brazil foram descredenciados pela CanSino para atuar como representantes do laboratório em junho. Com o fim da parceria, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) encerrou o pedido de uso emergencial da vacina.
Aos senadores, o líder do governo também disse “lamentar” o fato de o Brasil não ter comprado vacinas com contratos na mira da CPI: Covaxin, Sputnik V e CanSino. “A CanSino descredenciou o representante no Brasil e não colocou outro lugar”, disse. “Mostra que não tem mais interesse em vender para o Brasil.”
O ataque à CPI provocou críticas imediatas dos parlamentares. “Isso não é verdade”, frisou a senadora Simone Tebet (MDB-MS). “Aí, não dá”, afirmou o senador Humberto Costa (PT-PE). Aziz decidiu, então, suspender a reunião e avisou ao líder do governo que ele voltaria à comissão como convocado.