CONFLITO ENTRE PODERES

Supremo reage à escalada autoritária de Bolsonaro

Presidente da Corte, Luiz Fux cancela reunião que ocorreria entre os líderes dos Três Poderes e faz duro discurso contra os reiterados ataques de Bolsonaro a magistrados e ao sistema eleitoral. Chefe do Planalto ameaça Moraes: "A hora dele vai chegar"

Ingrid Soares
Augusto Fernandes
postado em 06/08/2021 06:00
 (crédito: Nelson Jr./SCO/STF)
(crédito: Nelson Jr./SCO/STF)

O mal-estar entre o presidente Jair Bolsonaro e o Supremo Tribunal Federal (STF) chegou ao seu ápice, com a cúpula da Corte quebrando o silêncio diante das constantes críticas e ameaças do chefe do Executivo aos integrantes do Judiciário e rompendo as pontes de relacionamento com o Palácio do Planalto. O recado mais duro partiu do presidente do STF, ministro Luiz Fux. Ele cancelou uma reunião que seria realizada com líderes do Executivo e Legislativo e ponderou que “o pressuposto do diálogo entre os Poderes é o respeito mútuo entre as instituições e seus integrantes”.

A reação de Fux foi uma resposta ao comportamento reiterado de Bolsonaro ao longo das últimas semanas. Na tentativa de desmerecer o sistema eleitoral e a urna eletrônica, além de não apresentar provas concretas de falhas, o chefe do Planalto passou a ofender o ministro Luís Roberto Barroso, presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que é contra a implementação do voto impresso no país.

Bolsonaro até fez uma transmissão ao vivo pela TV Brasil, emissora pública, prometendo comprovar as fragilidades da urna eletrônica, mas acabou admitindo que não tem como atestar fraudes no equipamento. Como consequência, passou a ser investigado no STF. O ministro Alexandre de Moraes, relator na Corte do inquérito que apura a produção de notícias falsas e ofensas aos magistrados do Supremo, incluiu Bolsonaro como um dos alvos do processo por questionar a confiabilidade do sistema eleitoral do país sem ter como provar que o modelo é inseguro. Por conta disso, Moraes também virou alvo de ataques do presidente.

Incomodado com a postura de Bolsonaro diante dos seus colegas, Fux rebateu o chefe do Executivo. “Quando se ataca um integrante desta Corte, se ataca a todos”, enfatizou. O presidente do STF disse que, no encontro mais recente com o presidente da República, em julho, o alertou “sobre os limites do exercício do direito da liberdade de expressão, bem como sobre o necessário e inegociável respeito entre os Poderes para a harmonia institucional do país”.

Como isso não aconteceu, Fux lamentou o comportamento do mandatário. “O presidente da República tem reiterado ofensas e ataques de inverdades a integrantes desta Corte, em especial aos ministros Luís Roberto Barroso e Alexandre de Moraes”, frisou. “Além disso, Sua Excelência mantém a divulgação de interpretações equivocadas de decisões do plenário, bem como insiste em colocar sob suspeição a higidez do processo eleitoral brasileiro. Diálogo eficiente pressupõe compromisso permanente com as próprias palavras, o que, infelizmente, não temos visto no cenário atual.”

Moraes também rebateu Bolsonaro: “Ameaças vazias e agressões covardes não afastarão o Supremo Tribunal Federal de exercer, com respeito e serenidade, sua missão constitucional de defesa e manutenção da democracia e do Estado de direito”.

Fux marcou para hoje uma reunião com o procurador-geral da República, Augusto Aras, que é alinhado ao Planalto. O assunto do encontro não foi divulgado.

Intimidação
Em rota de colisão com o STF, Bolsonaro ameaçou reagir fora dos limites da Constituição. Insatisfeito por ter virado alvo de investigação, o presidente comentou que não pretende “sair das quatro linhas para questionar essas autoridades”, mas alertou que “o momento está chegando”. “Não dá para continuarmos com um ministro arbitrário, ditatorial, que não respeita a democracia, que não leu a Constituição. Se leu, aplica de acordo com o seu entendimento para, cada vez mais, agredir não só a democracia, bem como atingir os seus objetivos dessa forma. Isso é inadmissível numa democracia”, reclamou.

Bolsonaro enfatizou que “o senhor Alexandre de Moraes acusa todo mundo de tudo”. “Bota como réu no seu inquérito, sem qualquer base jurídica, para fazer operações intimidatórias, busca e apreensão, ameaça de prisão, ou até mesmo prisão. É isso que ele vem fazendo, e a hora dele vai chegar, porque ele está jogando fora das quatro linhas da Constituição há muito tempo.”

Na sua live semanal, ontem (5/8) à noite, Bolsonaro ficou por mais de uma hora criticando o STF. Barroso e Moraes foram os principais alvos. Segundo o chefe do Planalto, o trabalho dele poderia estar rendendo muito mais se não fossem os dois ministros. O chefe do Executivo ainda se referiu ao presidente do TSE como um “menino mimado que não pode ser contrariado”.

“Não estou atacando o STF, estou questionando o Barroso e o Moraes. Os senhores têm de entender que não são os donos do mundo, da verdade. Não foram eleitos para decidir o futuro do povo. Fomos eu e o Congresso Nacional”, disparou. “Vocês foram eleitos para interpretar a Constituição. Não podem continuar legislando, dando peruada e interferindo, dizendo o tempo todo o que eu devo ou não fazer.”

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  • Luiz Fux:
    Luiz Fux: "O pressuposto do diálogo entre os Poderes é o respeito mútuo entre as instituições e seus integrantes. (...) Diálogo eficiente pressupõe compromisso permanente com as próprias palavras, o que, infelizmente, não temos visto no cenário atual" Foto: Rosinei Coutinho/SCO/STF - 2/12/20
  • Alexandre de Moraes:
    Alexandre de Moraes: "Ameaças vazias e agressões covardes não afastarão o Supremo Tribunal Federal de exercer, com respeito e serenidade, sua missão constitucional de defesa e manutenção da democracia e do Estado de direito" Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agencia Brasil - 24/10/2019
  • Ministro Luiz Fux preside sessão plenária do STF por videoconferência. Foto: Nelson Jr./SCO/STF (17/12/2020).
    Ministro Luiz Fux preside sessão plenária do STF por videoconferência. Foto: Nelson Jr./SCO/STF (17/12/2020). Foto: Nelson Jr./SCO/STF

Intenção de frear ataques

A reunião deveria ter ocorrido em 14 de julho, mas foi desmarcada por causa da internação do presidente Jair Bolsonaro, devido a uma obstrução intestinal. Uma nova data não foi anunciada, mas a expectativa era de que o encontro fosse nesta semana. O objetivo da reunião era justamente tentar frear a escalada de ataques do chefe do Planalto e dissipar a crise institucional. Participariam, além de Fux e Bolsonaro, os presidentes do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), e da Câmara, Arthur Lira (PP-AL).

Em defesa do sistema eleitoral

Centenas de empresários, economistas, diplomatas e representantes da sociedade civil divulgaram um manifesto em defesa do sistema eleitoral brasileiro, destacando que “o princípio-chave de uma democracia saudável é a realização de eleições e a aceitação de seus resultados por todos os envolvidos”. O comunicado não cita o presidente Jair Bolsonaro, mas é categórico ao dizer que o país “terá eleições, e seus resultados serão respeitados” e ao afirmar que “a sociedade brasileira é garantidora da Constituição e não aceitará aventuras autoritárias”.

Entre os signatários estão nomes de peso do mundo empresarial e financeiro, como Frederico e Luiza Trajano, do Magazine Luiza; Pedro Moreira Salles e Roberto Setubal, do Banco Itaú Unibanco; Carlos Jereissati, do Iguatemi; Pedro Passos e Guilherme Leal, da Natura; e Luis Stuhlberger, gestor do Fundo Verde. Também assinam economistas como Armínio Fraga, Pedro Malan, Ilan Goldfajn, Persio Arida, André Lara Resende, Alexandre Schwartsman e Maria Cristina Pinotti.

O manifesto nasceu de alguns associados do Centro de Debates de Políticas Públicas (CDPP) e se espalhou para outros grupos de discussão de empresários, economistas e advogados. “Já na hora que ele começou a adesão, foi enorme”, afirmou o economista Affonso Celso Pastore, do CDPP. “A sociedade civil precisa se manifestar como na época da campanha pelas eleições diretas. Bolsonaro já entrou em todos os órgãos de controle, como a Polícia Federal e o Ministério Público Federal, e a luta dele agora é controlar o Judiciário. É imprescindível a união de todos em defesa da democracia”, afirmou Maria Cristina.

O texto foi elaborado na terça-feira e passou a circular entre grupos de empresários, economistas e grupos que representam a sociedade civil. Ele traz a assinatura de políticos, como o presidente do Cidadania, Roberto Freire; e de dirigentes de entidades da sociedade civil, como Priscila Cruz, do Todos pela Educação. Lideranças religiosas também subscrevem o documento. Lá estão o cardeal-arcebispo de São Paulo, d. Odilo Scherer, e o rabino Michel Schlesinger.

Nos três parágrafos do manifesto, os signatários afirmam sua preocupação com a pandemia, as mortes e a perda de empregos. Dizem que as transformações da sociedade e a recuperação do país só serão possíveis pela via democrática. E frisam confiar no sistema atual de voto.

“O Brasil enfrenta uma crise sanitária, social e econômica de grandes proporções. Milhares de brasileiros perderam suas vidas para a pandemia e milhões perderam seus empregos. Apesar do momento difícil, acreditamos no Brasil”, diz o texto. “Nossos mais de 200 milhões de habitantes têm sonhos, aspirações e capacidades para transformar nossa sociedade e construir um futuro mais próspero e justo. Esse futuro só será possível com base na estabilidade democrática.”

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