O presidente Jair Bolsonaro voltou a atacar, ontem (4/8), o Supremo Tribunal Federal (STF) e o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), após se tornar alvo de inquéritos nas duas Cortes por propagar informações inverídicas e fazer ameaças às eleições. O chefe do governo questionou a legalidade desses procedimentos e disse que, em resposta, poderá atuar fora “das quatro linhas da Constituição”.
Uma das investigações foi aberta pelo TSE na segunda-feira, depois que o presidente disse, em diferentes ocasiões, que as eleições de 2022 não serão realizadas, caso o Congresso rejeite a proposta de emenda à Constituição (PEC), que prevê a adoção do voto impresso. A outra apuração é o inquérito das fake news, no qual foi incluído, ontem, pelo ministro Alexandre de Moraes, do STF.
O chefe do Planalto questionou a legalidade do inquérito do STF, aberto em 2019 pelo então presidente da Corte, ministro Dias Toffoli, para investigar a disseminação de notícias falsas e ameaças aos magistrados do tribunal. O procedimento foi instaurado sem a provocação do Ministério Público Federal (MPF), mas recebeu a confirmação do plenário da Corte no ano passado.
“A verdade acima de tudo, ela aparece. Tivemos um prazo de uma semana depois da última live para mostrar mais coisas. Agora, estão se precipitando. Com todo o respeito, um presidente da República pode ser investigado? Pode, num inquérito que comece lá no Ministério Público, e não diretamente de alguém interessado, e esse alguém vai abrir o inquérito, como abriu, vai começar a catar provas e essa mesma pessoa vai julgar”, disse, durante entrevista à rádio Jovem Pan.
Ele acrescentou: “(O inquérito) está dentro das quatro linhas da Constituição? Não está. Então, o antídoto para isso também não está dentro das quatro linhas da Constituição. Aqui, ninguém é mais macho que ninguém. Meu jogo é dentro das quatro linhas. Agora, se começar a chegar algo fora das quatro linhas, sou obrigado a sair das quatro linhas. É coisa que eu não quero”, disparou. Ele ressaltou que “o que estamos fazendo aqui é para termos eleições tranquilas no ano que vem, em que quem perder cumprimenta o ganhador e toca o barco”.
Ao falar ainda sobre o inquérito das fake news, Bolsonaro destacou que a medida é injusta e que sua formação militar o impede de mentir. “O presidente está mentindo? Eu sou capitão do Exército. A transgressão disciplinar mais grave que existe no nosso meio é faltar com a verdade. Um cabo que falta com a verdade não vai a sargento. Um subtenente não sai tenente. O coronel não sai general”, declarou.
Ele insistiu que não vai se intimidar ante as apurações dos dois tribunais. “Queremos eleições limpas. Não vai ser um inquérito, agora nas mãos do senhor querido Alexandre de Moraes, para tentar me intimidar”, alfinetou. “Lamento o próprio TSE tomar algumas medidas para investigar, me acusar de atos antidemocráticos. Eu posso errar, eu tenho direito de criticar, mas não estamos errados. Nós não erramos.”
Durante a entrevista, Bolsonaro estava acompanhado do deputado Filipe Barros (PSL-PR), relator da PEC que prevê a adoção do voto impresso. A matéria deve ser votada, hoje, por comissão especial da Câmara. A tendência é que seja rejeitada por pelo menos 20 votos entre os 34 membros do colegiado.
Filipe Barros disse estar em posse de um inquérito da Polícia Federal que, segundo ele, foi aberto para apurar um suposto ataque cibernético contra o sistema do TSE. O parlamentar relatou que, conforme a PF, um hacker teve acesso ao código-fonte do software de votação durante os meses de novembro e dezembro de 2018, ano em que Bolsonaro se elegeu presidente da República.
“O próprio TSE confirmou à Polícia Federal que o sistema foi invadido. Queriam prova? Aqui está a prova”, disse Bolsonaro, que também voltou a chamar de mentiroso o ministro Luís Roberto Barroso, presidente do TSE e membro do STF, pelo fato de o magistrado assegurar que a urna eletrônica é inviolável e auditável.
“É triste chamar o ministro de mentiroso. Por que ele mente?”, questionou. “O ministro Barroso usa argumentos mentirosos. É triste um ministro de Suprema Corte mentir dessa maneira, e acaba arrastando muitos ministros. É puro corporativismo”, afirmou o presidente, que voltou a acusar o magistrado de defender a urna eletrônica para favorecer a eleição do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Até o fechamento desta edição, o TSE não havia se pronunciado sobre a acusação de que o sistema da Corte foi invadido.
Carmen Lúcia aciona PGR
Também ontem, em mais uma ação que impôs derrota ao presidente Jair Bolsonaro, a ministra Cármen Lúcia, do STF, encaminhou à Procuradoria-Geral da República (PGR) um pedido apresentado por parlamentares para que seja aberta nova investigação contra o chefe do Planalto pelas declarações na live de quinta-feira passada.
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Judiciário anuncia outra contraofensiva
Em um único dia, o presidente Jair Bolsonaro sofreu dois reveses no Judiciário. No Supremo Tribunal Federal (STF), o ministro Alexandre de Moraes atendeu ao pedido do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e incluiu o chefe do Planalto no inquérito que apura fake news. E na Justiça Eleitoral, o corregedor-geral, Luis Felipe Salomão, solicitou a Moraes o compartilhamento de informações obtidas em inquéritos da Corte que tenham relação com ações contra a chapa de Bolsonaro e do vice Hamilton Mourão por disparos em massa no pleito de 2018.
Na decisão em que incluiu Bolsonaro no inquérito das fake news, Moraes anexou o link da live da última quinta-feira, em que o chefe do Executivo deu declarações infundadas e alegou fraudes nas eleições, sem apresentar provas. Na transmissão, o mandatário também disparou ataques ao ministro Luís Roberto Barroso, presidente do TSE e integrante do STF.
“O pronunciamento do presidente da República, Jair Bolsonaro, se revelou como mais uma das ocasiões em que o mandatário se posicionou de forma, em tese, criminosa e atentatória às instituições, em especial o Supremo Tribunal Federal — imputando aos seus ministros a intenção de fraudar as eleições para favorecer eventual candidato — e o Tribunal Superior Eleitoral, no contexto da realização das eleições previstas para o ano de 2022, sustentando, sem quaisquer indícios, que o voto eletrônico é fraudado e não auditável”, assinalou Moraes na decisão, de 15 páginas. O candidato, sempre citado por Bolsonaro, é o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que lidera as pesquisas de intenção de voto.
Moraes determinou a oitiva dos envolvidos na live de Bolsonaro, que contou com a estrutura do Planalto e transmissão ao vivo pela TV Brasil, emissora pública. Entre os alvos estão o suposto especialista em tecnologia da informação, que apresentou uma simulação amadora para levantar suspeita de fraude nas urnas eletrônicas. Na transmissão, foram reproduzidos vídeos antigos de boatos que circulam na internet sobre irregularidades eleitorais.
Em sua decisão, o ministro apontou que as declarações de Bolsonaro contra o sistema de votação inflamaram ameaças, ataques e agressões contra o processo eleitoral. De acordo com ele, as condutas relatadas na notícia-crime configuram, em tese, os crimes de calúnia, difamação, injúria, incitação ao crime, apologia ao crime, associação criminosa e denunciação caluniosa.
“Não há dúvidas de que as condutas do presidente da República insinuaram a prática de atos ilícitos por membros da Suprema Corte, utilizando-se do modus operandi de esquemas de divulgação em massa nas redes sociais, com o intuito de lesar ou expor a perigo de lesão a independência do Poder Judiciário, o Estado de direito e a democracia; revelando-se imprescindível a adoção de medidas que elucidem os fatos investigados, especialmente diante da existência de uma organização criminosa — identificada no presente Inquérito 4781 e no Inquérito 4874 — que, ilicitamente, contribuiu para a disseminação das notícias fraudulentas sobre as condutas dos ministros do Supremo Tribunal Federal e contra o sistema de votação no Brasil”, enfatizou Moraes, no despacho.
A notícia-crime contra Bolsonaro foi apresentada ao STF, na noite de segunda-feira, por Barroso. Na ocasião, o presidente do TSE solicitou a averiguação de “possível conduta criminosa” relacionada ao inquérito das fake news. O pedido foi aprovado por unanimidade pelos ministros da Corte eleitoral.
Além da investigação criminal, Bolsonaro se tornou alvo de inquérito administrativo no TSE. O procedimento foi aprovado por unanimidade, na segunda-feira, atendendo ao pedido de Luis Felipe Salomão. A ação vai apurar se, ao promover uma série de ataques sem provas às urnas eletrônicas, o chefe do Planalto praticou “abuso do poder econômico e político, uso indevido dos meios de comunicação, corrupção, fraude, condutas vedadas a agentes públicos e propaganda extemporânea”.
O desfecho das investigações pode tornar Bolsonaro inelegível, caso ele seja responsabilizado criminalmente, além de levar à impugnação de eventual registro de sua candidatura a um segundo mandato.
Chapa
Sobre os processos no TSE relativos à chapa Bolsonaro/Mourão, o presidente e o vice são investigados por, supostamente, terem contratado serviços irregulares de disparo em massa de mensagens nas redes sociais durante a campanha eleitoral de 2018.
As ações foram movidas pela chapa O povo feliz de novo, formada por PT, PCdoB e Pros, que concorreu no segundo turno daquele ano e pede a cassação da chapa por abuso de poder econômico e uso indevido dos meios de comunicação social.
O teor das apurações que correm em paralelo no TSE e no STF se aproximam, pois os alvos investigados, apesar de distintos, podem integrar a mesma “organização criminosa, de forte atuação digital, dotada de núcleos políticos, de produção, de publicação e de financiamento, cujas atividades teriam se desenvolvido após o pleito de 2018 (2020 em diante)”. (Renato Souza e Luiz Calcagno, com Agência Estado)
Segundo inquérito
Desde o início do governo, esse é o segundo inquérito aberto contra o presidente Jair Bolsonaro no STF. O chefe do Executivo também é investigado por acusação de interferência política na Polícia Federal. A apuração foi aberta após denúncia do então ministro da Justiça Sergio Moro.
Cármen Lúcia aciona PGR
Também ontem, em mais uma ação que impôs derrota ao presidente Jair Bolsonaro, a ministra Cármen Lúcia, do STF, encaminhou à Procuradoria-Geral da República (PGR) um pedido apresentado por parlamentares para que seja aberta nova investigação contra o chefe do Planalto pelas declarações na live de quinta-feira passada.