O inquérito do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) contra Jair Bolsonaro e a inclusão do presidente da República no inquérito das fake news, no Supremo Tribunal Federal (STF) poderão impor sérios reveses ao governo, incluindo uma dependência cada vez maior do mandatário ao Centrão. Por outro lado, a condução das investigações será um teste também para magistrados. É o que avaliam especialistas em direito eleitoral e constitucionalistas ouvidos pelo Correio.
O TSE atua como uma espécie de árbitro nos processos eleitorais e, por isso, corre o risco de passar uma imagem de suspeição ao reagir ao presidente. “É perceptível que este é um teste para as instituições democráticas. Até aqui, talvez, nenhuma instituição estivesse treinada para lidar com afrontas tão explícitas do presidente da República para saber lidar com isso de forma democrática. É preciso que se tenha muita cautela para que não saiamos desse embate menos democráticos”, afirmou Bruno Rangel, especialista em direito eleitoral e membro da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (ABRADEP).
Professor e advogado de direito eleitoral, e coordenador acadêmico da Abradep, Renato Ribeiro de Almeida vai em linha similar. Ele explica que ao agir contra os ataques e a divulgação de notícias falsas do presidente, o ministro Luís Roberto Barroso enviou um sinal de “basta” a Bolsonaro, que, no entanto, segue pressionando. Para ele, com a crise institucional não é possível descartar a possibilidade de perda do mandato. “Não estamos em situações normais. Vemos o presidente em uma crescente de agressividade, distribuindo fake news já desmentidas. Não sei a que ponto podemos chegar e se a justiça pode condená-lo à perda do mandato, mas não vejo outra possibilidade”, avaliou.
“O presidente tem certeza que vai perder eleições. Ele adota uma estratégia muito parecida com a do (ex-presidente dos Estados Unidos, Donald) Trump, de vítima do sistema. Cria uma atmosfera que justifique, pelo menos, uma tentativa de ruptura (democrática)”, disse.
Bolsonaro será investigado no inquérito administrativo do TSE e no das fake news. Ao fim da apuração do primeiro processo, as provas serão encaminhadas ao STF, que decidirá se o mandatário cometeu crime comum ou de responsabilidade. No primeiro caso, as provas e o relatório serão encaminhados ao Supremo. Magistrados poderão decidir, inclusive, compartilhar provas levantadas no caso das fake news, e a Procuradoria-Geral da República deverá emitir um parecer.
Afastado do cargo
Se o trabalho do TSE concluir por improbidade administrativa, o processo será enviado à Câmara e caberá ao presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), colocar em votação, quando decidir conveniente, para que deputados decidam se aceitam, ou não, o prosseguimento das investigações. Parlamentares também terão que autorizar o prosseguimento de investigação por crime comum, mas, nesse caso, Lira será obrigado a pautar o plenário mesmo que não queira. A constitucionalista Vera Chemim, mestre em direito público pela Fundação Getulio Vargas (FGV), acredita que são baixas as possibilidades de os processos terminarem de correr antes do pleito de 2022 e que, por isso, não terão efeito prático para as próximas eleições.
Ela lembra, porém, que, caso os deputados aceitem a acusação contra o presidente em qualquer um dos processos, Bolsonaro terá de ser afastado do cargo por 180 dias. “E o principal, na minha opinião agora, essa estratégia dele de atacar o STF, de defender o voto impresso, pôr em dúvida a honestidade do pleito, é uma estratégia de propaganda visando a própria eleição. É uma estratégia perigosa, arriscada, mas que pode se tratar de uma estratégia de captar votos da grande massa. O STF tem sofrido desgaste perante a sociedade”, avaliou.
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