As lágrimas de um atravessador

Em depoimento à CPI da Covid, reverendo Amilton de Paula chora e pede desculpas por participação na negociação de vacinas com o Ministério da Saúde. Ele alega ter sido "usado" e nega relação com integrantes do governo. Para senadores, religioso mente

» Bruna Lima » Sarah Teófilo
postado em 04/08/2021 00:06
 (crédito: Leopoldo Silva/Agencia Senado)
(crédito: Leopoldo Silva/Agencia Senado)

O reverendo Amilton de Paula, que intermediou a negociação de vacinas entre o governo federal e a empresa Davati Medical Supply, chorou em depoimento à CPI da Covid, ontem, na retomada dos trabalhos da comissão. Ele se disse arrependido de ter envolvido a Secretária Nacional de Assuntos Humanitários (Senah), da qual é presidente e fundador, nas tratativas por imunizantes. Apesar do nome, a Senah é uma entidade privada. “Eu creio que o maior erro que fiz foi abrir as portas da minha casa, aqui em Brasília”, afirmou. “Eu queria vacina para o Brasil. Eu tenho culpa, sim. Hoje (ontem) de madrugada, antes de vir para cá, dobrei os meus joelhos, orei, e aí eu peço desculpa ao Brasil. O que eu cometi não agradou, primeiramente, aos olhos de Deus”, acrescentou, com a voz embargada.

Amilton de Paula negou ter relações com integrantes do governo. “Eu não conhecia pessoas que pudessem conduzir ou abrir agenda em ministérios em relação a vacinas”, sustentou. Ele também disse não conhecer e muito menos que se encontrou com o ex-diretor de Logística do Ministério da Saúde Roberto Dias. A informação diverge das mensagens extraídas do celular do policial militar Luiz Paulo Dominghetti — o cabo da PM se apresentava como vendedor autônomo de vacinas pela empresa Davati e acusa Dias de ter cobrado propina de US$ 1 por dose para fechar a compra de 400 milhões de unidades da vacina AstraZeneca. Na conversa, o reverendo diz ao PM estar “na sala de Roberto Dias”.

O religioso afirmou ter sido usado “de maneira ardilosa” por Dominghetti e por Cristiano Carvalho, outro representante da Davati.

Diante do choro dele, o senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE) não perdoou: “Eu não me comovo com as lágrimas. Com as suas, não. Nada disso aqui é verdadeiro. A oferta de vacina, a conversa fiada de apoio humanitário. Tudo atrás de dinheiro, no pior momento da vida do Brasil”, criticou. O parlamentar acrescentou que o princípio cristão não está mais presente na conduta do pastor e que o momento não é mais de arrependimento, mas de punição.

“Bravata”
Mesmo tendo sido filiado ao PSL e atuado na campanha eleitoral do presidente Jair Bolsonaro, Amilton de Paula negou envolvimento com o Executivo e que tivesse acesso fácil ao Ministério da Saúde. Ele enfatizou que lançou mão de uma “bravata” ao dizer a Dominghetti que tinha influência no governo.

O fato de o reverendo não ter revelado nomes participantes da negociação foi interpretado por senadores do G7 como uma tentativa de blindagem a integrantes do governo.

Apesar de ter sido acusado, pelo presidente da CPI, Omar Aziz (PSD-AM), de mentir no depoimento, Amilton de Paula não recebeu voz de prisão.

O senador disse estranhar que o reverendo tenha acesso ao Ministério da Saúde mesmo sem conhecer as figuras centrais da pasta. “Milagrosamente, a Davati conseguiu adentrar o Ministério da Saúde para vender 400 milhões de doses, e a Pfizer mandou carta e e-mail para todo mundo do governo e não conseguiu. (…) O governo não quis, mas ao reverendo, o governo atendeu”, disse Aziz, reiterando que a versão era “difícil de acreditar”.

Para a cúpula do colegiado, no entanto, é certo que ele estará na lista de indiciados no relatório final.

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Miranda relata pressão de Lira em Pazuello

O deputado Luis Miranda (DEM-DF) relatou à Polícia Federal que o então ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, disse ter sofrido pressão do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), para liberar recursos a municípios escolhidos pelo parlamentar alagoano. De acordo com o depoimento, Lira teria afirmado que poderia retirar o militar da pasta.

O vídeo do depoimento foi obtido pelo Correio. Miranda destacou à PF que teve uma conversa com o general um dia depois de ter se reunido com o presidente Jair Bolsonaro, no encontro em que teria informado suspeitas sobre o contrato da vacina indiana Covaxin.

“Falei para ele: ‘Pazuello, tá tendo sacanagem no teu ministério, p*. Tu tem que agir, meu irmão. Aí ele falou: ‘Sacanagem tem desde que eu entrei. Aí eu falei: ‘Inclusive, ontem, eu fui ao presidente, cara, entreguei para ele um negócio tão absurdo, se tiver acontecendo de verdade, é um absurdo, você precisa cuidar disso. Aí o Pazuello olha pra mim e diz assim: ‘Deputado, posso te falar a verdade? Eu, em seis horas andando de helicóptero com ele, consegui 10 minutos de atenção dele. Eu não consigo falar com ele’.”

Segundo Miranda, Pazuello continuou: “No final do ano, levei uma pressão tão grande que eu não sei exatamente como resolver. Uma pressão de um cara que…’ Falei: ‘Que cara?’ E ele: ‘O Arthur Lira. Lira botou um dedo na minha cara e falou assim: ‘Eu vou te tirar dessa cadeira’, porque eu não quis liberar a grana pra listinha que ele me deu, dos municípios, dos lugares que ele queria que recebesse’.” Miranda, então, disse que perguntou se o presidente sabia disso, ao que Pazuello teria respondido que sim.

Em nota, Arthur Lira afirmou que “as declarações dadas pelo deputado Luís Miranda devem ser respondidas pelo ex-ministro Eduardo Pazuello”. “Sobre as demais informações propagadas, o deputado deverá responder no foro adequado, que é o Conselho de Ética da Câmara”, ameaçou.

Em nota, Pazuello afirmou que “não sofreu qualquer pressão do presidente da Câmara, Arthur Lira”, quando esteve na pasta, “para disponibilizar recursos da pasta em atendimento a demandas do parlamentar”. (ST e RS)

Braga Netto na mira

A CPI aprovou, ontem, 129 requerimentos de convocação e quebra de sigilos e adiou o que pedia para ouvir o ministro da Defesa, Braga Netto. O senador Rogério Carvalho (PT-SE), opositor do governo Bolsonaro, acusou o ministro de mandar oficiais do Exército para espioná-lo. O militar telefonou ao presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), para desmentir a acusação, com o argumento de que espionagem não é sua prática nem do Ministério da Defesa. Na CPI, o petista disse que um amigo o convidou para uma conversa e lhe relatou que “um coronel da reserva acompanhado de um oficial da ativa” foram a Sergipe “bisbilhotar” sua vida “para saber o que é que podia ter para usar” contra ele.

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