Daqui até a eleição, o governo atravessará um “corredor polonês”. É assim que os principais aliados definem o quadro rumo a outubro de 2022, especialmente nesse cenário de o presidente Jair Bolsonaro reafirmando, constantemente, que o voto impresso é sinônimo de eleições livres e transparentes — e que, sem isso, não haverá eleição. As declarações aumentam a tensão às vésperas da retomada dos trabalhos do Parlamento e do Poder Judiciário, num semestre que é visto como o período mais complicado, porque é quando se prepara o jogo para o ano eleitoral. E justamente num cenário em que o governo atravessa um de seus piores momentos, com o desemprego elevado, inflação e tensão entre os Poderes, Legislativo e Judiciário querem frear Bolsonaro.
O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Luiz Fux, promete fazer um discurso contundente contra as ameaças à democracia. No Parlamento, a CPI da Covid volta com o foco sobre a negociação de vacinas, que, somada à polêmica do voto impresso, promete dominar esta semana de posse do novo ministro-chefe da Casa Civil, Ciro Nogueira. O senador pelo Piauí e presidente do PP chega ao Planalto com a tensão escalando uma oitava acima por causa das declarações, ontem, de Bolsonaro, e justamente num tema que ele não elenca como prioridade e o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), já definiu como perda de tempo.
Se as dificuldades do governo se resumissem à PEC do voto impresso e à CPI, avaliam ministros, não seria difícil resolver. Porém, há tensões com o Judiciário e o próprio Executivo. No primeiro caso, o presidente ainda não se livrou das acusações de interferência na Polícia Federal e terá que prestar depoimento. Para completar, as pastas se engalfinham por recursos orçamentários e pressionam o ministro da Economia, Paulo Guedes, a abrir o cofre para que o Bolsonaro e eles próprios possam mostrar serviço ao eleitor.
Prioridades
As questões econômicas são classificadas internamente como as mais urgentes. Não por acaso, Ciro tem feito um périplo pelos ministérios para saber as prioridades de cada um. O movimento, além de dar um panorama do governo, ajudará a fazer as escolhas no final deste mês, quando chegar a hora de enviar o Orçamento do ano eleitoral ao Congresso. O maior desafio será acertar a verba destinada ao Auxílio Brasil — nome em estudo para substituir o Bolsa Família. O problema é que essa proposta não se restringe ao pagamento do benefício puro e simples, e há toda uma estrutura para as chamadas “portas de saída” para que as pessoas possam se sustentar. Isso também resultará na necessidade de investimento público que ainda não está assegurado para o ano que vem. As pressões por verbas prometem ser a prioridade do Executivo este mês e, em setembro, vão se transferir para o Parlamento.
A posse de Ciro está marcada para amanhã, quando faltarão dois dias para que a comissão especial da PEC do voto impresso analise o parecer do relator, Felipe Barros (PSL-PR). O novo ministro não pretende interferir nessa seara. E, se fizer declarações, a ideia é que não passem de afirmações protocolares. O trabalho de Ciro será focado em buscar “estabilidade” política para que o governo atravesse esse período.
“Ciro certamente ajudará a melhorar a relação. É habilidoso, mas resta saber se terá respaldo do governo para isso”, diz o deputado Hildo Rocha (MDB-MA), relator de um projeto que dá autorização para que o governo possa emitir títulos a fim de pagar despesas com pessoal e benefícios previdenciários — mais um sinal de dificuldades para fechar as contas do ano.
A prioridade do ministro será tentar estabilizar a relação do governo no Senado, onde a CPI, por causa do cochilo do governo na formação do colegiado, se transformou no maior foco de desgaste. E agora, com o presidente da Casa, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), no aquecimento para concorrer à Presidência da República, há a avaliação de que é preciso segurar aliados e preparar, desde já, o terreno para quando o relatório de Renan Calheiros (MDB-AL), relator da CPI, for apresentado.
Sem afobação
Além disso, tem que cuidar para que o governo não se exponha a derrotas importantes na Casa — por exemplo, a indicação do advogado-geral da União, André Mendonça, para ministro do STF, e a recondução de Augusto Aras à Procuradoria-Geral da República. Até aqui, a maior resistência a Mendonça vem do ex-presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), que se julga abandonado pelo governo e está disposto a impor uma derrota ao Planalto.
Mas Ciro não poderá se descuidar da Câmara, embora possa contar mais com Lira do que com os senadores. É que, ali, estará em discussão a reforma tributária e a política. Em relação à tributária, há promessa de volta da tensão entre os dois Poderes: o presidente da Casa quer votar os projetos da reforma do Imposto de Renda e Pacheco prometeu fazer caminhar a proposta de uma reforma tributária mais ampla, que tramita no Senado. Diante de duas propostas tramitando ao mesmo tempo, em casas diferentes, as perspectivas de acordo tendem a voltar à estaca zero.
Quanto à reforma política, a situação não é muito diferente. Uma parte dos deputados defende o Distritão, sistema que dá acesso à Câmara apenas aos mais votados e enfraquece os partidos. Os senadores não são muito simpáticos a esse texto e a briga promete ser grande, tumultuando o clima para votações de interesse do Poder Executivo. Mais um tema que Ciro não pode descuidar.
Pedreiras em sequência
» Poder Judiciário – A tensão continuará alta por causa das declarações de Jair Bolsonaro de que, sem voto impresso não haverá eleições. Hoje, inclusive, o presidente do Supremo Tribunal Federal, Luiz Fux, prometeu uma dura resposta ao presidente da República, em relação às ameaças ao pleito. De quebra, ainda há o inquérito das Fake News, que envolve a família Bolsonaro, e o de interferência na Polícia Federal, no qual o presidente será
chamado a depor.
» CPI da Covid – As declarações do presidente da Comissão, senador Omar Aziz (PSD-AM), na entrevista ao Correio publicada na edição de ontem, de que Bolsonaro “ajudou a acobertar corrupção com vacinas”, também aumentam a animosidade a níveis superiores àqueles anteriores ao do recesso. A comissão de inquérito é uma das grandes preocupações de Ciro Nogueira.
» Pagamento de Precatórios – Serão mais R$ 89 bilhões que o governo terá que tirar da cartola para pagar suas contas. O meteoro caberá ao ministro Paulo Guedes contornar. E só conseguirá se houver um clima de diálogo entre o Palácio do Planalto e o Judiciário
» Orçamento de 2022 – A briga por verbas está intensa na Esplanada e os ministros não querem perder recursos de obras prioritárias para emendas de relator.
» Aprovação do novo ministro do STF – O advogado-geral da União, André Mendonça, percorre os gabinetes do Senado em busca de apoio e tem levado alguns chás de cadeira. Ciro será fundamental nesse trabalho de cabalar votos.
» Recondução de Augusto Aras – O procurador-geral da República é outro que precisa passar pelo Senado — e está com as mesmas dificuldades de Mendonça.
» Reforma tributária – A promessa de colocar o texto de uma reforma mais ampla para análise dos senadores promete promover mais uma disputa entre as duas Casas, uma vez que a proposta mais restrita tramita na Câmara — que não quer perder tal protagonismo.
» Reforma administrativa – Essa é considerada praticamente inviável neste semestre, pois deputados e senadores não querem briga com os segmentos do funcionalismo.
» Voto impresso – A aposta dos partidos é a de que a proposta será sepultada, quinta-feira, na comissão especial.
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