Auditoria realizada pela Controladoria-Geral da União (CGU) encontrou fraudes em dois documentos enviados pela empresa Precisa Medicamentos ao Ministério da Saúde, no âmbito do contrato de aquisição da vacina indiana contra covid-19 Covaxin, do laboratório Bharat Biotech. O resultado foi apresentado nesta quinta-feira (29/7) pelo ministro Wagner do Rosário, ao lado do ministro da Saúde, Marcelo Queiroga.
Um dos documentos é uma procuração, em que a Bharat dá poderes à Precisa para negociar a vacina, e que foi juntada ao processo no dia 24 de fevereiro. A Controladoria verificou, buscando em todo o processo, um segundo documento que apresentava as mesmas características, que é a declaração de inexistência de fatos impeditivos.
“Os dois foram confeccionados a partir de colagens de um miolo de imagem de texto sobre a moldura da imagem de outro documento digitalizado, moldura esta que contém a logomarca da Bharat, seu carimbo e assinatura do seu diretor-executivo e o rodapé. Não temos certeza de quem fez isso e isso vai ser alvo de novas investigações”, afirmou.
Os servidores da CGU estranharam que ambos tinham o corpo do texto em português, quando todos os outros documentos da Bharat estavam em inglês. Rosário explicou que por meio de uma apuração do documento digitalizado, quando se observa as marcas da digitalização, foi possível identificar que o referido texto foi colado. Após identificar a questão, a CGU procurou a Precisa e a Bharat.
A primeira respondeu dizendo que não possuía o documento original, porque o havia recebido por e-mail. A empresa, então, enviou um documento em inglês, em PDF, e a CGU observou que o texto em português era o mesmo em inglês. A Bharat, por sua vez, respondeu no dia 22 de julho dizendo que não emitiu e não autorizou a emissão do documento. No dia seguinte, o laboratório indiano cancelou o acordo com a Precisa, citando os dois documentos como justificativa.
Apesar disso, Rosário afirmou que “não há dúvida de que a Precisa era a representante da Bharat”. Isso porque, em um documento de outubro do ano passado, o laboratório indiano passa para a Precisa autorização para negociar a vacina. Após dúvidas da área jurídica do Ministério da Saúde, um novo documento é enviado no dia 24 de fevereiro, esclarecendo que a Precisa estava autorizada a participar de todos os processo de aquisições do ministério, envolvendo a Covaxin, como negociação de preços e condições de pagamento, podendo, ainda, formalizar o contrato com a Bharat.
Segundo o ministro, a CGU ainda irá apurar quem fez essas colagens. Segundo ele, os documentos serão periciados pela Polícia Federal.
Na última semana, após a divulgação do comunicado da Bharat, a Precisa encaminhou um ofício à CPI dizendo que um dos documentos, a carta de autorização, não buscava regularizar a representação do laboratório, mas apenas traduzir um documento válido emitido pela Bharat. A empresa disse que diante do comunicado da Bharat, solicitou uma perícia do documento e identificou que ele foi enviado à Precisa pela empresa Envixia, “parceira da Bharat, que também assina o memorando de entendimento”.
Preços
A auditoria observou, além dos documentos citados, cinco pontos: o preço, a justificativa do quantitativo, o processo de contratação, de importação, e a atuação da Precisa como representante da Bharat. O ministro Wagner do Rosário afirmou que o preço por dose (US$ 15) contratado pelo governo brasileiro estava de acordo com os valores de negociação da vacina a nível mundial, e que não houve irregularidade em relação aos trâmites do Ministério da Saúde.
De acordo com ele, o governo brasileiro só teve uma proposta, de US$ 15, não havendo, então, sobrepreço, tampouco oferta de US$ 10, como já foi divulgado. As negociações em relação ao imunizante indiano passaram a entrar no foco da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da covid-19, no Senado, após o servidor do Ministério da Saúde Luis Ricardo Miranda denunciar suspeitas de irregularidades envolvendo a 'invoice' (nota fiscal internacional) enviada pela Precisa à pasta. Dentre os problemas, estava a previsão de pagamento a uma terceira empresa que não constava no contrato, sediada em Singapura.
Rosário afirmou que em toda a contratação ficou claro que o pagamento só aconteceria após a entrega da vacina, e que como isso não se confirmou, não houve pagamento. Sobre as invoices, ele disse que os problemas identificados pela área técnica do ministério — justamente a área de Importação, chefiada por Luis Ricardo — foram corrigidos pela empresa. Além disso, ele ressaltou que a invoice em questão era “proforma”, uma espécie de ‘rascunho’, e precisaria de outra invoice (a ‘commercial’, que é definitiva) para que o pagamento fosse efetivamente realizado. “Em nenhum momento os documentos foram para o setor de pagamento”, disse.
O ministro disse, ainda, que o que foi informado pelo servidor e pelo deputado federal Luis Claudio Miranda (DEM-DF), irmão do servidor, ainda não foi confirmado. "Não temos certeza ainda se as invoices foram encaminhadas no dia 18 de março ou no dia 22. Esse documento constava de um anexo de e-mail no 'Dropbox'. Nós estamos fazendo uma perícia para verificar se esse documento foi enviado ou não", afirmou.
"Lisura"
Por meio de nota, Ticiano Figueiredo e Pedro Ivo Velloso, advogados de Francisco Maximiano e da Precisa Medicamentos, informam que não houve sobrepreço ou qualquer irregularidade na negociação e que há interesse “em uma perícia oficial da Polícia Federal, para que não restem dúvidas da lisura de toda a contratação e postura da empresa ao longo do processo, bem como para que se encerre esse injusto linchamento moral a que vem sendo submetida”.