O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), falou longamente sobre a aprovação do fundo eleitoral de R$ 5,7 bilhões pelo Congresso, e sobre a reforma eleitoral debatida na Casa. Lira defendeu o chamado fundão, e disse que o valor não chegará a tanto, ficando em cerca de R$ 4 bilhões. A quantia ainda é o dobro da última reforma aprovada pelos parlamentares. Para Lira, o valor é importante para financiar a democracia. E, segundo ele, se for insuficiente, abrirá margem para que organizações criminosas interfiram no processo eleitoral.
Ele lembrou que o próprio Congresso aprovou o fim do financiamento privado, e argumentou que não há nenhuma aprovação do fundão na Lei de Diretrizes Orçamentárias, mas, sim, uma previsão “que foi acordada na comissão e no plenário, pela necessidade de vincular (os valores)”. “Foi uma vinculação em um valor percentual em um orçamento bienal do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), para que 25% fossem destinados para a realização das eleições de presidente da República, governadores, senadores, deputados federais e estaduais. Bem mais ampla que eleição de governadores e prefeitos”, disse.
O presidente da Câmara afirmou que o valor total seria para o TSE, e somente uma parte iria para os parlamentares. “É constitucional o direito do parlamentar de aprovar, do presidente de vetar, e o direito do parlamentar de apreciar vetos. Se formos levar à luz da realidade o que foi o Orçamento de 2020 e 2021 da justiça eleitoral, e fizermos o uso do indexador de 25%, o fundo não passaria de R$ 4,3 bilhões, nunca de R$ 5,7 bi”, justificou.
“Se não temos orçamento privado, temos o público. A primeira discussão é essa. Temos outra forma de financiar? Temos como manter a democracia sem um sistema claro? De onde virão os financiamentos se não tivermos recursos suficientes? Das milícias, do tráfico, das influências das igrejas? De outsiders e personalidades que estão de maneira momentânea participando da política? Essa é a discussão. Com relação a valores, isso só será precificado na votação do orçamento de dezembro para janeiro. E a população pode participar. Nenhum acordo chega ao plenário para ser votado sem discussão ampla”, alfinetou.
Reforma às pressas
Lira falou em entrevista à GloboNews. Questionado sobre se a Câmara não estaria tocando a reforma eleitoral às pressas, o parlamentar falou em testar os modelos (eleitorais) aprovados. “Votamos, em 2017, um modelo que previa um enxugamento partidário. E é nesse rumo que vamos. Mesmo se alterarmos o sistema eleitoral, o que será da vontade de deputados e senadores, eu defendo que a Câmara cuide do sistema proporcional e o Senado, majoritário. É importante que essa discussão aconteça nas comissões. Eu fui eleito para que a Casa discuta todos os assuntos. E se, por maioria, uma comissão aprovar ou rejeitar um assunto, ele virá a plenário e será discutido, debatido, sem assodamento”, garantiu.
Lira se referiu ao distritão, que elegeria deputados segundo os mais votados, e não de acordo com o desempenho dos candidatos dentro dos partidos. A alteração é criticada por cientistas políticos e vista como um das piores formas de se eleger deputados, por favorecer candidatos famosos, candidatos mais antigos e, por isso, estabelecidos, e prejudicar as legendas, que são parte essencial do processo democrático. No sistema atual, são eleitos os deputados mais votados das siglas, o que fortalece o papel dessas organizações no sistema político.
“Essa comissão foi criada no início da legislatura. Está com 34 sessões. Não conseguiu sair de lá. Ainda há muito embate, discussão, o que é normal no parlamento. Vamos acompanhar com parcimônia. O Brasil precisa e vai conseguir, com fusões partidárias, com diminuição e enxugamento do quadro partidário, um caminho mais próximo de uma estabilidade política mais definida”, afirmou Lira, que evitou críticas ao distritão. “Tenho minha opção pessoal. Tenho dito que não vou influenciar em nenhuma decisão que deputados tentem votar e discutir. “Muitas pessoas opinam muito sem poder opinar. O modelo a ser decidido na comissão será resolvido na primeira semana. Há uma discussão muito forte. Os presidentes de partidos pensam de uma forma, os deputados, de outra, ainda vai amadurecer”, garantiu.
Lira afirmou que existem seis sessões pela frente para que os deputados sigam debatendo. “A decisão que vier será tratada no plenário. Se não for aprovado, temos que fazer ajuste na legislação. Como prestigiar o voto feminino. Fazer votação das cláusulas de vagas para mulheres no Congresso Nacional, assembleias legislativas e de vereadores. Ajustes precisam ser feitos. Com a cláusula de barreira, estamos indo para o caminho de fusões partidárias e de fusão de siglas. Sendo distritão ou não, não alcançarão a cláusula de barreira. Isso dará clareza de uma realidade mínima de partidos por um sistema político mais estável”, argumentou.
Voto impresso
Outro ponto abordado foi a proposta de emenda à Constituição 135/2019, a PEC do voto impresso. Lira disse acreditar no sistema eleitoral brasileiro, mas que não se furtaria a um debate sobre melhorar “a auditabilidade da votação”. O texto quase foi derrubado na comissão especial que debate o tema, antes do recesso, e passa por votações para atrair mais apoio dos membros do colegiado. “Vamos ter eleição em outubro do ano que vem, em 2024, e em 2026. Limpas, transparentes. Não vejo dificuldade em aumentar o rigor de auditagem nas urnas. Mas eu fui eleito para dois mandatos de deputado, dois de vereador, três de deputado estadual e três federais nesse sistema. Não há dúvida de que o sistema é confiável”, disse.
“Mas, há necessidade da população e de uma parte dos parlamento de discutir esse assunto. O sistema é confiável. Por confiável que seja, não vejo dificuldade de regras auditáveis para que se confirme a realidade das urnas e se afastem as versões. O que atrapalha nosso país são as versões pulverizadas. Se existe desconfiança, ela seria esclarecida com auditagem mínima, de maneira factível. Mas confio na justiça eleitoral, no sistema em que fui eleito oito vezes”, afirmou.
O questionamento sobre o voto impresso levou o parlamentar a comentar a crise gerada pelo ministro da Defesa, o general do Exército Walter Braga Netto. Assim como na nota que emitiu quando o assunto veio à tona, Lira foi ambíguo ao comentar. “O próprio ministro desmentiu o acontecido. Não participei dessa conversa. Não chegou nada a mim. Com relação a esse período de recesso, temos fatos e versões criados a todo momento. A versão de ontem é que eu teria uma luta interna com o presidente (do PP) Ciro Nogueira, e esse cabo de guerra iria aumentar com ele na Casa Civil e na presidência da Câmara. Tive que ligar para os jornalistas e dizer para que não criassem esse factoide, que isso não existe”, disse.
“O presidente dá uma visão clara de que quer interlocução política (ao nomear Ciro Nogueira para a Casa Civil). O fato de ter um senador na Casa Civil demonstra que o caminho é o diálogo. Não há nenhum tipo de risco à democracia. E enquanto nós estivermos na presidência da Câmara, que é passageira, estaremos aqui como guardiões da democracia. Não tem possibilidade de ruptura institucional. Não somos qualquer país. E essas versões têm que ser repudiadas”, afirmou. “O ministro deixou claro que não fez (a ameaça) e, a mim, não cabia tocar fogo em um processo de recesso em uma discussão”, insistiu.
Poucos parlamentares acreditaram na nota publicada pelo ministro da Defesa desmentindo o ocorrido. Alguns parlamentares sugeriram que o próprio Lira teria vazado o assunto à imprensa. O presidente da Câmara disse que o ocorrido “é fato ultrapassado”. “É página virada. Há previsão forte de crescimento do país, de economia, da indústria. Passamos por momentos difíceis. Vamos ser o país que mais vai vacinar (contra a covid-19) no mundo em novembro. Precisamos de tranquilidade política, estabilidade e isso que rogo. Que tenhamos calma, transparência, sutileza nas ações, para termos um ano mais arrumado. O Brasil é um país forte, com povo trabalhador, com condições para investimentos externos”, disse.
Orçamento secreto
Outro tema abordado foi o das emendas de relator. Lira defendeu a distribuição de dinheiro da forma como foi colocada na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO). “Não tem orçamento secreto, não tem orçamento paralelo. A RP9 foi prevista em Constituição, aprovada no plenário das duas Casas, na comissão do Orçamento. Quem tem o controle de ordenar as despesas é o relator geral do Orçamento”, destacou.
“O orçamento do Brasil precisa ser melhor trabalhado. A indexação e a vinculação fazem com que 96% fiquem de despesas vinculadas. Se o Congresso quiser fazer uma emenda para cuidar do meio ambiente, não temos como fazer. Não temos como apontar. O orçamento é feito há 30, 40 anos, só com o relator geral designando tudo para todas as áreas do Brasil, fazendo com que cada obra tivesse a caneta do relator. Isso foi pulverizado com a RP9 e feito sempre com acordos em todas as lideranças, presidências, parlamentares da casa no Senado e Câmara”, justificou.