O governo do presidente Jair Bolsonaro ficou conhecido, entre outras particularidades, por ser estruturado em diferentes alas. Nelas, a disputa por espaço é uma constante. Cada grupo desses, seja ideológico, seja econômico ou militar, teve seus dias de protagonismo, até ser escanteado pela crise da vez, ou “atropelado”, na expressão usada pelo general Luiz Eduardo Ramos, atual chefe da Casa Civil, ao saber que, com outros fardados, estava sendo ejetado da articulação política. A partir de agora, a relação com o Congresso estará nas mãos dos caciques dos partidos que compõem o Centrão, a mais nova ala desta gestão, mas uma velha conhecida nos bastidores das negociações do poder em Brasília.
A saída do general Ramos da Casa Civil, na minirreforma ministerial que Bolsonaro deve formalizar nesta semana, é o desfecho mais recente dessa disputa por espaços dentro do governo. O militar será substituído no cargo pelo presidente nacional do PP, senador Ciro Nogueira (PI), uma das principais lideranças do Centrão — bloco que, em troca de cargos e outras benesses da máquina pública, deu também sustentação a governos anteriores, como os dos então presidentes Michel Temer (MDB), Dilma Rousseff (PT), Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Fernando Henrique Cardoso (PSDB).
Ao longo de todo esse tempo, o Centrão vem atuando como o fiel da balança na relação do Congresso com o Executivo. Sua atuação foi determinante, por exemplo, para manter ou tirar presidentes do cargo, aprovar ou rejeitar reformas e estabelecer o ritmo da pauta de votações, principalmente quando o governo tem dificuldades em construir uma base parlamentar.
O general Ramos foi o último entre os militares abatidos pelas pressões do Centrão para assumir o controle da articulação com o Congresso, às quais Bolsonaro — desgastado com as investigações da CPI da Covid, com baixos índices de popularidade e alvo de mais de 130 pedidos de impeachment na Câmara — foi obrigado a se curvar. Nessas voltas que a política dá, hoje a sobrevivência do mandato do presidente depende diretamente da “velha política” e do “toma lá dá cá” que ele havia prometido extinguir e que são o principal modus operandi do Centrão.
À frente da Casa Civil, o coração do governo, o senador Ciro Nogueira vai reforçar a presença do bloco partidário no seleto grupo de ministros que despacham no Palácio do Planalto. Antes dele, já havia tomado posse, como ministra da Secretaria de Governo, a deputada Flávia Arruda (PL-DF), levada ao cargo pelas mãos do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), que tem demonstrado fidelidade a Bolsonaro. Um dos principais caciques do Centrão, o deputado é responsável, entre outras competências, por determinar o início da tramitação dos pedidos de impeachment contra o presidente da República.
Negociações
A partir da minirreforma ministerial, Ciro Nogueira — que até antes do recesso parlamentar vinha apresentando um desempenho discreto na base governista da CPI da Covid — comandará negociações importantes com o Legislativo, como a indicação de nomes para cargos no Executivo e a liberação de verbas de emendas parlamentares. Também caberá ao líder do Centrão encontrar uma solução para o impasse criado após a decisão do Congresso que triplicou os recursos do Fundo Eleitoral, de R$ 1,8 bilhão para R$ 5,7 bilhões.
O Centrão foi levado para o governo pelo próprio Luiz Eduardo Ramos, no auge do prestígio da ala militar e em meio ao avanço de investigações incômodas para Bolsonaro, como a do caso Queiroz. Muito provavelmente pela falta de traquejo político, o general acabou abrindo um atalho para o bloco tomar de vez o comando do Executivo.
“O Centrão mostrou que é político profissional e acabou dando um nó na ala militar, que estava bonita na foto, com Braga Netto (general, atualmente ministro da Defesa), Ramos e todo mundo. Se o governo queria profissionais na política, então chamou o Centrão, e deu no que estamos vendo agora”, diz o cientista político André Pereira César, da Hold Assessoria Legislativa.
O analista também alerta para o fato de o apoio do Centrão ser de momento, podendo, inclusive, perdurar. “Se o governo retomar a musculatura política e a popularidade, superar o desemprego e outros desafios da economia, avançar na vacinação para que o povo possa voltar a circular com segurança, ou seja, enquanto o governo não atingir isso, esse apoio do Centrão estará em risco, e o preço desse apoio vai subir”, destaca.
Ele acrescenta que também pode pesar na balança do Centrão o favoritismo do ex-presidente Lula nas pesquisas de intenção de voto. “Tem um outro ator político no outro lado da rua, chamado Lula, que já trabalhou com o Centrão e que está muito forte nas pesquisas. Então, a perspectiva de poder leva o Centrão, pragmático por natureza, por essência, a olhar para o outro lado da rua”, ressalta. “Então, se Bolsonaro, caminhando para o final do ano, não responder às demandas da sociedade, o Centrão pode ir para outro lado.”
Ele dá como exemplo o ex-prefeito e ex-ministro Gilberto Kassab, presidente nacional do PSD, uma das siglas do Centrão. O político paulista tem se afastado do governo e trabalhado na articulação de uma terceira via para concorrer às eleições do ano que vem. Tudo indica que o nome do candidato será o do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), que, por sua vez, também se distanciou de Bolsonaro.
“Kassab está pulando fora a cada dia mais. O Centrão nunca perdeu, nunca perde e não vai ser agora que vai perder. São profissionais, no bom sentido. O Centrão não carrega caixão, pois sabe da importância que tem. Então, o jogo é esse”, frisa o cientista político. “Ganhe (João) Doria (governador de São Paulo pelo PSDB), ganhe Lula, reeleito Bolsonaro ou ganhe Ciro Gomes (PDT), não importa. Já que o sistema é esse, de presidencialismo de coalizão, é o jogo que se tem para jogar.”
União
O deputado Bibo Nunes (PSL-RS), um dos aliados mais próximos de Bolsonaro, considera positiva a indicação de Ciro Nogueira para o comando da Casa Civil. Segundo ele, como o presidente deve se filiar ao PP, o mesmo partido do senador, é natural que esse importante espaço no governo seja dado ao aliado.
Nunes discorda de quem vê contradição na aproximação entre Bolsonaro e o Centrão, bloco que o presidente já apontou como símbolo da “velha política” e que classificou como “a nata do que há de pior”. Ele assegurou que o mandatário não entrará no “jogo” do grupo partidário. “Eu sou daqueles que pensam que o presidente não vai se tornar refém do Centrão. Não é o presidente que está indo para o Centrão, é o Centrão que está vindo para um governo sério. Seria uma contradição se o presidente entrasse no jogo deles”, ressalta. “Eu não vejo como um toma lá dá cá. O Centrão já apoia o governo há bastante tempo e, agora, está recebendo a Casa Civil. Eu não admito toma lá dá cá, em hipótese alguma.”
Rachadinhas
O policial militar da reserva Fabrício Queiroz responde a processo por peculato, lavagem de dinheiro e organização criminosa no caso das “rachadinhas” com o senador Flávio Bolsonaro (Patriota-RJ), filho do presidente Jair Bolsonaro.