O laboratório Bharat Biotech, fabricante da vacina Covaxin contra covid-19, anunciou, ontem, o término do memorando de entendimento para venda dos imunizantes à empresa brasileira Precisa Medicamentos — alvo da CPI da Covid, que investiga a participação de autoridades do governo para agilizar a importação e uso do imunizante no Brasil. A empresa indiana não informou os motivos do rompimento e disse que todas as suas ações, incluindo acordos globais, são feitas de acordo com as leis locais e que seus funcionários seguem os mais altos padrões éticos e de integridade.
À Precisa, no entanto, a Bharat pontuou as razões para o encerramento do acordo: a investigação da CPI e da Controladoria-Geral da União sobre a conduta da empresa brasileira; e a investigação da CGU sobre a carta “Portuguese Authorisation”, de 19 de fevereiro, cuja responsabilidade o laboratório indiano nega.
No comunicado divulgado ontem, a Bharat negou a autoria de duas cartas, com o carimbo da empresa e a assinatura de um representante, que haviam sido encaminhadas pela Precisa ao Ministério da Saúde. Uma delas informa que a empresa brasileira é a representante legal e exclusiva dos indianos no Brasil. “Recentemente, fomos informados de que certas cartas, que supostamente teriam sido executadas por executivos da empresa, estão sendo divulgadas on-line. Gostaríamos de afirmar, enfaticamente, que esses documentos não foram emitidos pela empresa ou seus executivos e, portanto, negam veementemente as mesmas”, informou o laboratório indiano.
Coincidências
Ambos os documentos estão em português. Um deles é o questionado pela CGU e o outro é uma “declaração de inexistência de fatos impeditivos” e assinala que a Bharat “declara, sob as penas da lei, a inexistência de fatos impeditivos para sua habilitação relativo (sic) à contratação junto ao Ministério da Saúde, ciente da obrigatoriedade de declarar ocorrências posteriores”. Os dois documentos têm a assinatura da mesma pessoa e mesma data.
Após a divulgação do comunicado, a Precisa encaminhou ofício à CPI afirmando que a carta de autorização não regularizava a representação do laboratório, mas apenas traduzia um documento emitido pela Bharat. Disse ainda que, diante do comunicado dos indianos, solicitou perícia do documento e identificou que foi remetido pela empresa Envixia, “parceira da Bharat, que também assina o memorando de entendimento”.
O contrato do ministério com a Precisa, suspenso devido às suspeitas de irregularidades levantadas pela CPI, foi assinado em 25 de fevereiro para aquisição de 20 milhões de doses da vacina, por R$ 1,6 bilhão. A Precisa disse lamentar o rompimento e considerou a decisão “precipitada”.
A decisão da Bharat paralisa a liberação da vacina junto à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), pois, para solicitar o uso emergencial ou pedido de estudos no Brasil, os laboratórios precisam de um representante no Brasil.
Procuradoria apura venda de vacinas
A Procuradoria da República do Distrito Federal abriu um inquérito civil para apurar a suspeita de corrupção envolvendo uma negociação para aquisição de vacinas contra covid-19 pelo Ministério da Saúde. A base da investigação é a acusação do cabo da Polícia Militar de Minas Gerais Luiz Paulo Dominghetti, que disse que quando tentou negociar a venda de imunizantes ao governo federal, recebeu um pedido de propina de US$ 1 por dose do ex-diretor de Logística da pasta, Roberto Dias, exonerado após o caso vir à tona.
Dominghetti relatou o episódio em depoimento à CPI da Covid, no Senado. O cabo é apontado como vendedor autônomo de vacinas pela empresa americana Davati Medical Supply, que dizia ter 400 milhões de doses da Oxford/Astrazeneca para serem vendidas ao governo federal — apesar de a fabricante ter informado que não negocia com governos por meio de intermediários.
O suposto pedido de propina teria ocorrido em um restaurante de um shopping em Brasília, em 25 de fevereiro. Dominghetti disse que foi apresentado a Roberto pelo coronel Marcelo Blanco, ex-assessor do Departamento de Logística, que também estava no encontro. Segundo o cabo, o ex-diretor de Logística do ministério falou sobre a propina e marcou uma reunião no dia seguinte, na sede da pasta, para que obtivessem uma resposta. Dias nega o pedido de propina e que tenha marcado o encontro no restaurante — justifica que estava no local com um amigo num happy hour e que Dominghetti chegou acompanhado de Blanco.
Em nota, a defesa de Dias afirmou que a abertura de inquérito foi recebida “como uma oportunidade ímpar para esclarecer os fatos, oportunizando a manifestação de todos envolvidos para desmascarar a mentira criada por Luiz Dominghetti”.
A suspeita da CPI é de que havia dois grupos dentro do ministério que disputavam a negociação de vacinas: um composto por militares e outro de pessoas indicadas pelo Centrão. No depoimento, Cristiano citou o nome de outros militares que, segundo ele, atuaram na negociação — dentre os quais o ex-secretário-executivo da pasta, Elcio Franco, e o tenente-coronel da reserva Hélcio Bruno de Almeida. (ST)
Deputado chora por contrato suspenso
Em vídeo publicano nas redes sociais, o deputado Luis Miranda (DEM-DF) chorou ao comentar o fim do contrato entre a Bhrath Biotech, fabricante indiana da vacina Covaxin, e a Precisa Medicamentos, empresa brasileira que negociava o imunizante com o Ministério da Saúde. O parlamentar comenta o assunto entre lágrimas. “Sou eu que devo ser denunciado por denunciação caluniosa? Contra a saúde pública? Contra o povo brasileiro? Ser humilhado, alvo de chacota?”, cobrou Miranda. Ex-aliado de Jair Bolsonaro, o deputado e seu irmão, que é funcionário do Ministério da Saúde, denunciaram as supostas irregularidades na compra da Covaxin ao presidente da República — que não teria acionado a Polícia Federal para investigar o caso. O parlamentar hoje é alvo de um processo que o investiga por denunciação caluniosa.