O ministro Kassio Nunes Marques, do Supremo Tribunal Federal (STF), será o relator do mandado de segurança protocolado na Corte por parlamentares contra o aumento do Fundo Especial de Financiamento de Campanhas, aprovado, na semana passada, no projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) para 2022. O “fundão eleitoral” eleva de R$ 1,8 bilhão para R$ 5,7 bilhões os recursos públicos usados no financiamento de campanhas eleitorais.
O objetivo do mandado de segurança, com pedido de liminar, é tornar sem efeito a decisão do Congresso. “Faz-se necessária a intervenção do Supremo Tribunal Federal a fim de que sejam anuladas as votações ocorridas no âmbito do processo legislativo da LDO 2022 para que seja realizada a devida deliberação do projeto, com a respectiva proibição de aumento do Fundo Especial de Financiamento de Campanha, enquanto perdurar a pandemia”, frisaram os parlamentares. Assinam o documento o senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE) e os deputados Daniel Coelho (Cidadania-PE), Felipe Rigoni (PSB-ES), Tábata Amaral (PDT-SP) e Vinicius Poit (SP), Adriana Ventura (SP) e Tiago Mitraud, do Novo.
Os congressistas argumentam que a inserção do aumento do Fundão não seguiu os trâmites constitucionais previstos referentes à norma orçamentária, porque não houve prazo razoável de deliberação sobre o tema. “Como 594 pessoas conseguem analisar, discutir e votar, em um único dia, 2.663 emendas parlamentares?! É simplesmente impossível. É uma ficção para fingir que se fez cumprir a Constituição”, destacam, numa referência aos parlamentares das duas Casas. “É importante ressaltar que, nos artigos 64 e 65 está presente o dever de discutir e votar. Como haveria uma deliberação sobre um aumento de bilhões de reais no orçamento voltado para o Fundo Eleitoral entre tantas pessoas em apenas um dia?”
Além de ressaltarem que a Constituição foi “rasgada de forma gritante”, os signatários sustentam que elevar o orçamento do Fundão, apesar de ser “uma medida ruim”, não violaria a Constituição se ocorresse dentro das regras procedimentais. Também enfatizam que o aumento, neste momento de pandemia, “foge à razoabilidade” e “gera um esvaziamento dos direitos e garantias fundamentais da população”. “Triplicar o valor do Fundo Eleitoral, enquanto mais de 500 mil cidadãos brasileiros morreram pelo coronavírus, além de inconstitucional, é imoral e cruel”, reprovam. “O valor de 5,7 bilhões de reais é suficiente para adquirir todas as vacinas que o país precisa — mais de 350 milhões de doses.”
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Sanção
Como a LDO já foi aprovada pelo Congresso, cabe agora ao presidente Jair Bolsonaro sancioná-la ou vetá-la. O deputado Daniel Freitas (PSL-SC) disse acreditar que o mandatário não permitirá o aumento do Fundão. “Eu confio muito que o presidente Bolsonaro vai exercer o seu papel e vetar esse absurdo”, afirmou. “E já estou oficiando o presidente do Congresso Nacional, senador Rodrigo Pacheco (DEM-MG), na sessão na qual vamos analisar o veto do presidente, que nós possamos realizar uma sessão 100% presencial, onde senadores e deputados estarão dentro do plenário, votando nominalmente, e vamos passar de forma regimental o voto nominal para que isso seja corrigido.”
O deputado Afonso Florence (PT-BA) defendeu a necessidade de auditar o valor destinado ao financiamento de campanha. “Não pode ser um chute dentro do Parlamento. Meu partido votou contra, mas Bolsonaro está jogando cortina de fumaça, acusando a oposição de aprovar o aumento. Não é a primeira vez que ele mente assim. Ele tem esse interesse de incremento, por isso mandou o projeto já com essa previsão”, frisou. “A gente precisaria ter um estudo para saber quanto custa uma campanha, para fazer algo ponderado. É um chute. Eu já fiz uma campanha com R$ 800 mil e fui reeleito.”
Centrão
Vera Chemim, mestre em direito público pela Fundação Getulio Vargas (FGV), acredita que o aumento seja vetado pelo presidente. “Diante da crise econômica e social, não há como Bolsonaro sancionar essa quantia. Além disso, as campanhas eleitorais são também suportadas pelo Fundo Partidário. A julgar pela atual conjuntura, o presidente deverá transmitir ao seu eleitorado a certeza de que as suas demandas são mais importantes do que os interesses do Centrão que ainda o apoia”, argumentou.
Economista e fundador da ONG Contas Abertas, Gil Castello Branco avaliou que a quantia é um escárnio à sociedade e representa o dobro do orçamento de 2021 para o Ministério do Meio Ambiente. “Além do acréscimo em relação a 2018, do fundo eleitoral, 2022, provavelmente, terá o fundo partidário e o horário eleitoral gratuito que já era mais de R$ 1 bilhão”, destacou. “E, agora, está voltando esse fundo partidário, e o horário eleitoral gratuito deve ocorrer em 2022 em valores até maiores do que em 2018. As eleições brasileiras estão caríssimas. São valores exorbitantes. Esses R$ 5,7 bilhões correspondem a duas vezes o orçamento de 2021 da pasta do Meio Ambiente.”
O cientista político Rodrigo Prando ressaltou que o aumento pode ter sido um jogo combinado. “Pode ter sido algo já tratado entre eles, de modo que Bolsonaro, vetando, ainda consiga um pouco de popularidade, de estancar a contínua deterioração na aprovação”, disse. “Por outro lado, se ele não aprovar, o Centrão pode fazer pressão e atrapalhar a vida dele no Congresso. Um fundo dessa magnitude é absurdo nesta pandemia.”