Após 12 semanas de trabalho, a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid-19, no Senado, interrompe as oitivas por 15 dias de recesso parlamentar. O que não significa que os trabalhos não continuam. O momento agora, como já ressaltado pelos senadores, é de análise documental, para observar tudo o que já chegou e planejar a estratégia para o próximo semestre, com a retomada das sessões presenciais e oitivas em 3 de agosto. Apesar de não haver, ainda, agenda para o próximo período, os parlamentares apontam que devem manter o foco sobre as negociações suspeitas de vacina, mas querem que um dos braços da comissão se dedique a apurar a disseminação de desinformação no âmbito da pandemia.
O assunto fake news sempre apareceu na comissão. Senadores de oposição e independentes ao governo, que integram a ala majoritária (o chamado G6), já falavam sobre o “gabinete do ódio” enquanto apurava-se a existência de um grupo negacionista de assessoramento ao presidente Jair Bolsonaro, chamado pela CPI de “gabinete paralelo”. O grupo alimentava o mandatário com informações negacionistas sobre a covid-19, como o uso de medicamentos sem eficácia comprovada contra a doença. Além dessa vertente, a comissão também já se debruçou nas apurações sobre a organização e sobre as omissões do governo durante a pandemia. No meio do caminho, surgiram informações sobre suspeita de irregularidades na compra de vacinas, que se tornou a principal linha. Mas, agora, a ideia é abrir uma frente contra as notícias falsas.
Holofotes
O assunto voltou a ganhar força, em especial, na última semana, e foi reforçado pelo último depoimento antes do recesso, do representante da empresa estadunidense Davati Medical Supply no Brasil, Cristiano Carvalho. A empresa ganhou os holofotes depois que o cabo da Polícia Militar Luiz Paulo Dominghetti, apontado como vendedor autônomo de vacinas pela americana, disse que, ao tentar vender 400 milhões de doses de vacina da AstraZeneca ao Ministério da Saúde, recebeu pedido de propina de US$ 1 a dose. Cristiano contou que teve uma reunião com parte do alto escalão do Ministério da Saúde após articulação do tenente-coronel da reserva Hélcio Bruno de Almeida, presidente da organização de extrema-direita Instituto Força Brasil.
O presidente da CPI, senador Omar Aziz (PSD-AM), confirmou ao Correio que o grupo e o financiamento e divulgação de notícias falsas devem se tornar uma nova frente de trabalhos. O vice-presidente do colegiado, senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), concorda. “O Instituto Força Brasil é um personagem novo. Ele nos leva à CPMI das Fake News. Pelo que vimos, esse instituto financia sites negacionistas em relação à pandemia. Uma série de requerimentos que pretendemos aprovar é em relação a isso”, aponta.
Um dos integrantes mais atuantes da comissão, Humberto Costa (PT-PE) ressalta que é preciso aprofundar a apuração relativa à desinformação, pontuando que, nesse período de recesso, haverá o apoio das equipes que estavam assessorando a Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) das Fake News. A CPI aprovou na última semana um requerimento para colaboração da equipe técnica da CPMI com os trabalhos da Comissão da Covid. “Precisamos avançar nessa área que foi muito importante. Vamos dar um reforço nisso”, afirma. O senador diz que irá insistir na marcação imediata das audiências de representantes de empresas relacionadas a redes sociais, como Twitter e Facebook.
“É muito importante não somente para que a gente contribua para o esclarecimento de toda a rede de desinformação que foi utilizada na pandemia, mas também identificar os vínculos de financiamento que os principais sites de desinformação tiveram por parte do governo, e de empresas que se beneficiaram da venda de medicamentos que não tem eficácia contra covid-19”, ressalta. A CPI, que tinha previsão inicial de fim em 90 dias, acabaria em agosto, mas foi renovada por igual período e segue até novembro, com potencial de desgaste ainda maior para Bolsonaro. A expectativa é quebrar o sigilo das páginas, do compartilhamento de informações e seguir o dinheiro. “Começaremos agosto com o Força Brasil. O golpe da Davati já ficou esclarecido. O que nós queremos saber é qual o papel de cada um dos personagens do governo nesse golpe, e porque o instituto estava intermediando vacinas, se era negacionista”, diz Randolfe.
O senador Rogério Carvalho (PT-SE) ressalta que é preciso investigar a difusão de informações falsas. “Isso precisa ser concluído. Essa análise nos dará consistência para fazer determinados depoimentos e subsidiar a produção de relatório”, afirma o parlamentar.