Justiça

Candidata ao STF defende maior participação das mulheres nas instituições

Única mulher postulante à vaga de Marco Aurélio Mello no Supremo Tribunal Federal, a juíza Amini Haddad afirma a urgência de aumentar a presença feminina nos poderes decisórios. Ela critica a "cultura da exclusão" da sociedade brasileira, ainda marcada pelo machismo

O Supremo Tribunal Federal conta atualmente com apenas duas magistradas, as ministras Cármen Lúcia e Rosa Weber. Com 23 anos de vida pública, a juíza Amini Haddad Campos, que atua na comarca de Várzea Grande (MT), se apresenta para equilibrar a composição de ministros e diminuir o predomínio masculino na mais alta Corte de Justiça do país. Esta semana ele esteve em Brasília, onde se reuniu com parlamentares para angariar apoio à sua candidatura ao STF.

Se o presidente da República entende ser necessário indicar um evangélico, como André Mendonça, para o cargo, Amini Haddad considera “trágica” a ausência de mulheres nos campos decisórios da vida nacional. Engajada em ações humanitárias, a magistrada foi a primeira titular da 1ª Vara da Mulher do país, após sanção da Lei Maria da Penha. Leia, a seguir, trechos da entrevista de Haddad ao Correio

O STF interfere além do que deveria nos temas do país, agindo às vezes como legislador?

Exerço a minha função como juíza de carreira há quase 23 anos e posso dizer que a Constituição é o centro do ordenamento jurídico do Brasil. Não devemos nunca perder de vista o plano simbólico de um sistema em sua dimensão que acresce unidade à concepção do âmbito normativo. Toda emanação de poder deve estar guarnecida na Constituição, e instituições respeitadas são fundamentais ao Estado de Direito.

O que pensa da indicação de ministros ao STF que nunca passaram anteriormente pelo Judiciário?

A cúpula do Judiciário deveria ter uma composição majoritária de juízes de carreira. Justifico: cada magistrado vivencia uma realidade muito própria da estrutura judiciária (comarca ou seção judiciária, entrâncias e instâncias) em que se vê inserido. Mas não somente isso. Há o aspecto comunitário, das vivências sociais de cada localidade onde atua, das culturas e realidades que lhes são mais próximas. Não digo que essa leitura seja completa, por isso, a complementação, com representantes da Advocacia e do Ministério Público, deve ser considerada para a visão mais global do sistema de justiça.

Qual é a sua opinião sobre o voto impresso auditável?

Não vejo prejuízo de atender uma demanda que é apresentada a partir dos anseios postos pela sociedade (medidas de controle e segurança de correspondência ao voto). Afinal, toda a problemática do sistema está em se estabelecer uma apuração pública dos votos, conforme exigências legais. Se resolvermos essa questão da publicidade na apuração da transparência desta quanto aos votos, de forma a adequar a tecnologia necessária para mantermos a eficiência do sistema como um todo, essa celeuma acaba. O problema é pontual. Está concentrado na apuração dos votos, porque isso também resolveria a outra dúvida sobre “fórmulas” de se comprovar se o registro do voto do eleitor realmente corresponde ao que a máquina processou internamente e se somou para formar o boletim de urna.

O país está regredindo no combate à corrupção?

O Brasil tem um histórico difícil. Mas, sou permanentemente esperançosa. Sempre digo aos meus filhos que devemos ser exemplo e acredito que a mudança não é apenas uma medida exigida ao âmbito das autoridades. É preciso que todos entendam que um país é feito de pessoas, e compete a cada um construir o país que tanto se almeja. O combate à corrupção se mede também pelas operações dos órgãos de investigação. Pelo que tenho acompanhado, eles não param um minuto.

Temos uma CPI no Senado, criada por ordem do STF. A comissão está trazendo avanços ao país?

De uma forma geral, toda CPI possui a responsabilidade de buscar elementos sobre a portaria da sua instauração, ou seja, o seu fato relevante. Qualquer CPI precisa alcançar padrões de excelência de investigação, pois ela é instrumental do povo brasileiro. Cada cidadão se vê representado pelas autoridades que delimitam suas ações nos âmbitos da legalidade e da constitucionalidade.

Qual a principal razão de uma mulher ocupar a vaga de Marco Aurélio no Supremo?

É deprimente assistir à comum ausência das representações do feminino em todos os espaços de Poder. Por mais qualificadas que estejamos, os avanços são mínimos, e as resistências, múltiplas. Portanto, é um tanto irrealista dizer a uma menina, que começa a traçar a sua história de vida, que “ela pode estar onde ela quiser”, diante do campo simbólico da exclusão que vivenciamos. O movimento de mulheres tem buscado pautas legítimas. Em uma sociedade em que brasileiras são 52% da população, soa estranho tal ausência nos campos decisórios (de poder). Isso pode ser dito com relação a outros espaços públicos. Essa trágica ausência de mulheres significa dizer que a delimitação de orçamento, prioridades públicas, políticas de Estado, políticas de gestão, legislativas e judiciárias são traçadas sem a evidência das prioridades que alicerçam as necessidades do feminino e da sua voz no dimensionamento de realidades e de experiências que norteiam a sua existência. Elas não possuem peso no balanceamento das pautas de interesse da sociedade.

A que atribui a baixa participação de mulheres na cúpula do Judiciário?

As mulheres ainda sofrem resistência à legitimidade de suas atuações e representações públicas e políticas. Uma cultura de exclusão foi sedimentada há milênios na estrutura da sociedade. Atualmente, organizações sociais têm contribuído para um diálogo público saudável que desperte para essa consciência. Participo de várias. Essa violência contra o gênero feminino precisa ser superada para que haja uma inerência de dignidade equivalente entre homens e mulheres.

Já foi vítima de discriminação?

Muitas vezes. Seria impossível contabilizar. A diferença está no fato de que nunca me deixei abalar. Enfrentar e falar a respeito são importantes dimensões para se mudar o quadro dessas experiências. Tenho a felicidade de ter um marido participativo, companheiro, consciente e exemplo na defesa dos Direitos Humanos de meninas e mulheres. Somos casados há 22 anos. Temos um casal de filhos.

O Brasil é machista e misógino?

Não há dúvida de que o mundo ainda está alicerçado em uma dimensão comumente machista (centrado no universo masculino). Basta ligar os meios televisivos e avaliar as informações que são retratadas em relação às mulheres. Ademais, a cada 8 minutos, uma menina ou mulher é estuprada (isso considerando as denúncias feitas). Infelizmente, muitas vítimas sequer denunciam. Sentem vergonha, temem sofrer exposição, ou até nem sequer sabem como agir diante de uma violência tão traumatizante como essa.

A senhora é religiosa?

Sim. Sou cristã (Igreja Presbiteriana de Cuiabá). Antes de 2008, frequentava a igreja católica.

O que pensa da intenção do presidente da República de indicar um ministro evangélico?

Considero que a conduta ilibada, a obediência à Constituição e às leis, o exemplo público, sejam os elementos chaves na avaliação. Não acredito que o elemento chave seja ser evangélico ou religioso. Mas, sim valores, de idoneidade e compromisso público. Logicamente que essas posturas idôneas também deveriam ser inatas em um cristão.