O golpismo de Bolsonaro
O presidente Jair Bolsonaro voltou a fazer ameaças golpistas às eleições de 2022, ontem, em conversa com apoiadores em frente ao Palácio da Alvorada: “Eleições no ano que vem serão limpas. Ou fazemos eleições limpas no Brasil, ou não temos eleições”. Em queda livre nas pesquisas de opinião, se as eleições fossem hoje, Bolsonaro perderia para Lula, quiça no primeiro turno, e também para o ex-juiz Sergio Moro e para o ex-governador Ciro Gomes, no segundo. Por isso, recrudesce sua campanha contra a urna eletrônica, sem nenhuma prova de que houve fraude nas eleições passadas. Quer impugnar as eleições, se as perder, como tentou, mas fracassou, o ex-presidente norte-americano Donald Trump.
A nota do ministro da Defesa, Braga Netto, e dos comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica contra a CPI do Senado, divulgada na quarta-feira, deve ser examinada no duplo contexto do suposto envolvimento de militares lotados no Ministério da Saúde em irregularidades na compra de vacinas e do horizonte eleitoral cada vez mais desfavorável à reeleição do presidente da República. Quem quiser que se iluda, o Brasil tem um governo militar, de característica bonapartista, no qual a presença de oficiais da reserva e da ativa na Esplanada dos Ministérios é muito maior do que nos governos dos generais Castelo Branco, Costa e Silva, Geisel e Figueiredo.
Há duas diferenças, porém: (1) o presidente não é um general de quatro estrelas, como o vice Hamilton Mourão, é um ex-capitão que deixou a caserna pela porta dos fundos, mas foi eleito pelo voto direto; e (2) não estamos num regime militar, mas numa ordem constitucional democrática. Essa contradição entre um governo formado por militares saudosistas do regime autoritário e o Estado democrático de direito é o eixo de gravidade da política brasileira, o que gera tensões tremendas entre Bolsonaro e os demais Poderes, principalmente o Supremo Tribunal Federal (STF).
A reeleição de Bolsonaro também é um projeto de poder dos generais que hoje ocupam o Palácio do Planalto e muitas posições estratégicas na Esplanada, nas estatais, nas autarquias e agências reguladoras. A presença por tempo indeterminado de oficiais da ativa em cargos civis, por decisão da Presidência, porém, contraria os regulamentos disciplinares das Forças Armadas. É uma estratégia de cooptação política de oficiais de alta patente com propósitos claramente golpistas. A CPI revela, inclusive, uma guerra surda entre esses militares e seus aliados políticos, como ocorreu logo após o golpe de 1964.
Pesquisas
O problema de Bolsonaro é que o povo não é bobo, o que se reflete nas pesquisas de opinião. A experiência adquirida ao longo da história mostra que a via mais segura para resolver as contradições políticas são as eleições. O DataFolha, divulgado ontem, revelou que a maioria da população considera o presidente da República “desonesto, falso, incompetente, despreparado, indeciso, autoritário”, além de favorecer os ricos e mostrar “pouca inteligência”. Bolsonaro aparece com a pior avaliação desde que assumiu a Presidência, em janeiro de 2019: 51% dos ouvidos o consideram ruim ou péssimo, número que vem crescendo desde dezembro. A aprovação está estável em 24% em relação ao levantamento de maio, e o índice dos que o consideram regular caiu para 24%.
Com as denúncias de corrupção no Ministério da Saúde na pandemia, Bolsonaro perdeu grande parte de seu principal capital político. Em junho de 2020, 48% o viam como honesto e 38%, como desonesto. Agora, houve uma inversão, com 52% vendo desonestidade no mandatário e 40%, probidade. O derretimento da imagem é geral. Em abril de 2019, 59% o viam como sincero. O número caiu para 48% em junho de 2020 e chegou, agora, a 39%; os 35% que consideravam Bolsonaro falso em 2019 subiram a 46% no ano passado e, agora, são 55%.
Bolsonaro colhe os frutos do seu mau governo. Ao privilegiar sua agenda ideológica, descolou-se dos reais problemas da população. Resultado: a avaliação de que o presidente é um incompetente subiu de 52% para 58%; aqueles que pensam o contrário passaram de 44% par 36%. É considerado despreparado por 62% dos brasileiros (44%, em abril de 2019, 58%, em junho de 2020), ante 34% que o veem como preparado (52%, em 2019, 38%, em 2020). Além disso, seu autoritarismo é considerado uma ameaça à democracia por 66% da população — já eram expressivos 57% no começo do mandato e 64%, em 2020.