MPF: gestão Pazuello foi imoral e antiética

O Ministério Público Federal (MPF) considera que o ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello agiu deliberadamente para retardar o contrato com a Pfizer de aquisição de vacinas contra a covid-19. A conclusão faz parte da ação de improbidade administrativa aberta na semana passada contra o general pela Procuradoria da República no Distrito Federal. Na análise dos procuradores, as restrições do governo às cláusulas contratuais não tinham nenhum respaldo “fático e/ou jurídico”.


As informações sobre a ação do MPF foram reveladas pelo jornal O Globo e confirmadas pelo Correio. No processo, os procuradores elencaram várias irregularidades na gestão de Pazuello, avaliada como “gravemente ineficiente e dolosamente desleal (imoral e antiética)”. Segundo a investigação, as ações do então ministro “não se pautaram pelos melhores parâmetros técnico-científicos, mas tiveram, como norte, outras opiniões, orientações e influências — internas e externas ao governo federal”.
As tratativas entre a Pfizer e o governo federal também estão no alvo das investigações da CPI da Covid no Senado. A farmacêutica começou a procurar o governo em maio de 2020, chegando a enviar 81 e-mails com ofertas de vacinas, todos ignorados pelo Executivo.


Em depoimento prestado à CPI, Pazuello alegou que as cláusulas contratuais inviabilizavam a assinatura, citando como exemplo a exigência de um depósito no exterior para garantia do pagamento e um termo de responsabilidade isentando a Pfizer no caso de efeitos colaterais. Porém, os procuradores do MPF questionam esses argumentos e destacam que a cláusula de responsabilização havia sido aceita pelo governo no contrato firmado em setembro do ano passado para o fornecimento da AstraZeneca, por meio da Fiocruz, “sem que nenhum impedimento legal tivesse sido suscitado”.


“Nenhuma das objeções apontadas pelo Ministério da Saúde para aquisição das vacinas da Pfizer se sustenta do ponto de vista fático e/ou jurídico. No que se refere às cláusulas de garantias de pagamento e de não assunção de responsabilidade civil pela empresa fornecedora, o Ministério da Saúde, tão logo vislumbrou o apontado óbice, poderia ter proposto, ao presidente da República, projeto de lei que explicitasse a possibilidade de celebração do contrato”, diz o MPF na ação.


Essa alteração legal citada pelos procuradores só foi apresentada por iniciativa do Senado, e no início deste ano. Na visão do MPF, o ex-ministro Pazuello “retardou conscientemente” a tomada de decisão sobre as vacinas da Pfizer. Eles argumentam que, mesmo depois da aprovação das mudanças legislativas, o general ainda consultou o Tribunal de Contas da União (TCU) antes de firmar o contrato com a empresa.


“Pazuello poderia ter feito tais questionamentos ao TCU tão logo vislumbrou os óbices normativos que se antepunham, em sua visão, à celebração de contratos para aquisição de vacinas, mas, em lugar disso, retardou conscientemente a tomada de iniciativas administrativas, em omissão que custou — e tem custado — a vida de milhares de brasileiros”, diz o MPF.


O órgão responsabiliza o general por não ter feito as alterações legislativas ainda em 2020, o que atrasou a assinatura do contrato. “A omissão do ex-ministro da Saúde em adotar todas as providências que estivessem ao seu alcance para permitir a contratação de todas as vacinas possíveis, ainda no ano de 2020, colocou o Brasil numa situação de desvantagem na fila dos laboratórios farmacêuticos, impossibilitando que uma grande porcentagem de brasileiros fosse imunizada ainda no primeiro semestre de 2021”, sustenta.

Medicamentos

Os procuradores também classificam como “ilegal” a conduta de Pazuello na confecção de um documento para incentivar o uso de medicamentos sem eficácia comprovada. Segundo a ação, tal iniciativa deveria ser tomada com o aval da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS (Conitec) e da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), conforme prevê a legislação.


Os investigadores destacam, ainda, que o ex-ministro da Saúde autorizou gastos de R$ 20 milhões com campanhas publicitárias sobre o uso desses medicamentos. “Pazuello agiu, portanto, ilegalmente ao propor o tratamento precoce para a covid-19 e, para burlar a necessidade de avaliação prévia pela Conitec e Anvisa, chamou o ‘protocolo’ de ‘orientações’”, diz a ação.


O MPF conclui que o “conjunto dos fatos ora trazidos à apreciação do Poder Judiciário constitui amostragem suficiente da gestão gravemente ineficiente e dolosamente desleal (imoral e antiética) do requerido Eduardo Pazuello”. O órgão estima em R$ 121 milhões o prejuízo ao Erário causado pelas omissões do general. Até o fechamento desta edição, Pazuello não tinha se manifestado sobre o assunto.

Senadores reagem à "intimidação"

O envolvimento de militares nas apurações da CPI da Covid tem provocado uma crise entre Poderes da República. Depois de o Ministério da Defesa, chefiado pelo general Walter Braga Netto, enviar uma nota repudiando uma declaração do presidente da comissão, Omar Aziz (PSD-AM), o senador disse, ontem, que não aceitará ser intimidado.


“Eu acho que a nota é um pouco desproporcional para aquilo que todo mundo assistiu. Eu tenho conhecimento profundo da importância das Forças Armadas na minha região. Fui governador, tive oportunidade de conviver com comandantes na Amazônia. É muito fácil ser general, ser oficial aqui em Brasília”, destacou. “Vocês não têm ideia do que eles passam na Amazônia, nas fronteiras. O respeito que eu tenho por eles está evidenciado. Em momento algum eu acuso ninguém, nem eles, nem ninguém. Eu tenho tido comportamento de evitar juízo de valor, e não faria isso com as Forças Armadas. Eu só não aceito que me intimide.”
Na quarta-feira, Aziz afirmou que as FAs devem estar muito envergonhadas com o surgimento de nome de militares na comissão e que “membros do lado podre das Forças Armadas estão envolvidos com falcatrua dentro do governo”. Horas depois, em nota, os chefes das Forças e o ministro Braga Netto disseram que a declaração do senador “atinge as Forças Armadas de forma vil e leviana, tratando-se de uma acusação grave, infundada e, sobretudo, irresponsável”.


Ao enfatizar que não aceitaria intimidação, o senador rebateu. “Isto aqui é o Congresso Nacional. E quando intimidam um membro que está presidindo uma CPI tão importante é porque pode ser que alguma coisa tenha desagradado. Mas tenha certeza de que a nota não é pelas minhas falas sobre as Forças Armadas, deve ser por outras coisas”, frisou.
O vice-presidente da CPI, Randolfe Rodrigues (Rede-AP), concordou. “Tenho certeza de que a obediência do conjunto das Forças Armadas não é a qualquer inquilino de plantão do Palácio (do Planalto), mas à Constituição e à pátria que juraram obedecer, que juraram, inclusive, combater os crimes de corrupção que venham de quem vier, sejam quais forem os responsáveis”, ressaltou.


Quem também se manifestou foi o relator do colegiado, Renan Calheiros (MDB-AL). Ele disse que a CPI vai continuar as investigações, independentemente de os alvos serem militares ou civis. “Esta comissão parlamentar de inquérito, que é uma instituição da República, não pode ser ameaçada sob pretexto nenhum. Nós estamos investigando e retirando a máscara de um esquema que funcionava no Ministério da Saúde e que proporcionou o agravamento do número de mortes de brasileiros em função da covid”, enfatizou.


Calheiros frisou que as Forças Armadas devem ser respeitadas pelo importante papel na formação do país, mas que não devem tentar intimidar o Legislativo. “Não podem confundir o nosso papel nem achar que vão nos intimidar. Nós vamos investigar, haja o que houver”, declarou.


O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), procurou serenar os ânimos. Ele conversou, também ontem, com Braga Netto. Nas redes sociais, o parlamentar disse que houve um mal-entendido sobre declarações de Aziz a respeito do envolvimento de militares em suspeitas de irregularidades no Ministério da Saúde.


“Deixei claro o nosso reconhecimento aos valores das Forças Armadas, inclusive éticos e morais, e afirmei, também, que a independência e as prerrogativas de parlamentares são os principais valores do Legislativo”, escreveu Pacheco. “O episódio de ontem (quarta), fruto de um mal-entendido sobre a fala do colega senador Omar Aziz, presidente da CPI, já foi suficientemente esclarecido, e o assunto está encerrado.” (Sarah Teófilo, Jorge Vasconcellos e Renato Souza)