Em depoimento à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid-19, nesta terça-feira (6/7), a servidora do Ministério da Saúde Regina Célia Oliveira, fiscal do contrato para aquisição da vacina indiana Covaxin, afirmou que fez um relatório apontando o descumprimento total do contrato em 23 de junho. Após a informação, os senadores ressaltaram que a ação da fiscal só ocorreu após as denúncias feitas junto à CPI. “Depois que estourou o escândalo”, pontuou o presidente da comissão, Omar Aziz (PSD-AM).
Regina Célia foi designada como fiscal do contrato em portaria publicada em 22 de março, mas assinada no dia 8 daquele mês, o que já a tornava fiscal. O Ministério da Saúde assinou em 25 de fevereiro o contrato com a Precisa Medicamentos, empresa brasileira que representa no país o laboratório indiano Bharat Biotech, no valor de R$1,6 bilhão para aquisição de 20 milhões de doses do imunizante.
O contrato, que foi suspenso pelo governo no último dia 29 de junho, após polêmicas envolvendo a negociação, previa o cronograma de entrega de imunizantes. A entrega deveria começar 20 dias após assinatura do acordo, em 17 de março, e seria finalizada 70 dias depois, em 6 de maio. Questionada por senadores, a fiscal do contrato afirmou que fez notificações à empresa neste período. A primeira foi em 30 de março. Depois, segundo ela, fez o relatório só no dia 23 de junho porque estava de férias. Mas o último prazo do cronograma era 6 de maio, e a empresa não fez nenhuma entrega neste período.
“Ao final desses 70 dias eu emiti um relatório apontando o descumprimento total do contrato e submeti isso à Secretaria de Vigilância em Saúde para que eles avaliassem a pertinência da continuidade da contratação do ponto de vista técnico. Se haveria ainda continuidade. Eu fiz isso recentemente porque eu estava de férias”, pontuou.
Invoice
Regina Célia foi amplamente questionada sobre o invoice (fatura internacional) para pagamento, que estava no nome da empresa de Singapura Madison Biotech, que não era citada no contrato. Este documento precisa estar condizente com o contrato assinado, como pontuado pela servidora. As suspeitas em relação ao documento foram levadas à CPI pelo servidor Luis Ricardo Miranda, irmão do deputado federal Luis Claudio Miranda (DEM-DF).
Luis Ricardo é responsável pela área de importação do ministério, e disse que o invoice inicial enviado pela Precisa Medicamentos pedia pagamento integral antecipado, o que não é comum, e um número errado de imunizantes, diferente do que havia sido acordado. Após apontadas as divergências, o documento foi sendo alterado, mas continuou com o nome da empresa Medison Biotech e com o número errado de imunizantes (3 milhões de doses, ao invés de 4 milhões).
Regina Célia, como fiscal de contrato, disse que aprovou a divergência em relação ao quantitativo. Segundo ela, a empresa informou que não conseguiria enviar 3 milhões por um problema de regulamentação, mas que enviaria 1 milhão de doses nos próximos embarques. “Considerei razoável, porque em outros contratos nós aceitamos também. Até porque a vacina não seria paga (pelo) o valor de 4 milhões, seria pago o que entregou”, disse.
A servidora afirmou que autorizou a continuidade de procedimentos nas condições que lhe foram apresentadas, com menos doses de vacina, sob a condição de enviar o restante depois, e que aguardaria confirmação em relação ao segundo ponto, que é o nome da Madison Biotech. “Não aceitei o envio da invoice no nome da Madison. Só os 3 milhões”, disse. No dia seguinte, segundo ela, a empresa Precisa enviou uma declaração afirmando que a Bharat e a Madison são incorporadas na mesma companhia.
Os senadores de oposição e independentes ao governo questionaram amplamente como a servidora acreditou em um documento enviado por uma das interessadas. Questionaram, ainda, como ela tomou sozinha a decisão de permitir que a empresa enviasse menos doses de imunizante do que constava no cronograma de entrega do contrato.
Regina Célia foi convocada pela CPI depois de Luis Miranda afirmou que ela “passou por cima” do departamento de importação ao autorizar a operação, mesmo com os problemas do invoice, como o nome de uma terceira empresa que não constava no contrato. Aos senadores, a servidora negou em diversos momentos que tenha sido pressionada por qualquer pessoa para dar parecer favorável à importação, diferentemente do que disse Luis Ricardo Miranda, que pontuou ter sofrido “pressões atípicas”.
Global
A Precisa Medicamentos é do mesmo grupo da empresa Global Saúde, que, há pouco mais de três anos, descumpriu um contrato com o governo para entregade medicamentos, causando prejuízo de R$ 20 milhões aos cofres públicos, como já apontado pelo Ministério Público Federal (MPF). Na época em que houve esse problema com a Global, o ministro da Saúde era o deputado federal Ricardo Barros (PP-PR), líder do governo na Câmara. Ainda assim, o governo federal fechou o contrato para a compra da Covaxin.
Questionada pelo relator Renan Calheiros (MDB-AL) em diversos momentos, Regina Célia negou que soubesse da conexão entre a Precisa e a Global. Depois, perguntada pelo senador governista Luis Carlos Heinze (PP-RS) se sabia de um relatório preliminar do Tribunal de Contas da União (TCU) que falava que não havia óbices para contratar a empresa Precisa, mas falava sobre o problema da Global, a servidora disse que teve conhecimento do relatório. Renan Calheiros interveio, dizendo que ela havia negado anteriormente, ao que ela afirmou: “Eu falei de rumores. Nós ouvimos rumores acerca da Global”.