O ministro Benjamin Zymler, do Tribunal de Contas da União (TCU), questionou o Ministério da Saúde sobre o motivo de a vacina Covaxin ter sido comprada por valor mais alto do que o de outros imunizantes contra a covid-19. Cada dose do insumo indiano foi adquirida por US$ 15, apesar de a proposta inicial ter sido de US$ 10. A pasta assinou contrato para receber 20 milhões de unidades ao custo de R$ 1,6 bilhão. O negócio foi fechado com a Precisa Medicamentos, representante do laboratório Bharat Biotech, produtor do imunizante.
No despacho, Zymler fez referência a uma matéria do jornal O Estado de S. Paulo, que, entre outros aspectos, mencionou uma reunião entre representantes da Bharat Biotech e da Precisa com integrantes do Ministério da Saúde, ocorrida em 20/11/2020, na qual o fabricante teria informado que o valor da dose da Covaxin seria de US$ 10. “O aludido valor teria passado para US$ 15 por dose, sem qualquer justificativa nem questionamento por parte do Ministério da Saúde, no acordo fechado em 25/2/2021”, destacou o ministro.
O TCU já havia pedido esclarecimentos à pasta, mas não obteve respostas. Zymler reiterou os questionamentos (veja quadro) e afirmou que o não atendimento dos pedidos, no prazo de 10 dias, sem causa justificada, constituirá irregularidade grave passível de aplicação de multa.
O ministro ainda pediu cópia de todos os memorandos de entendimento e de todas as atas de reunião que trataram do assunto da aquisição da Covaxin, desde as primeiras tratativas até o fechamento do contrato.
A Controladoria-Geral da União (CGU) também foi notificada e deve, no prazo de 15 dias, enviar cópia integral dos documentos e informações produzidas e/ou obtidas no âmbito da investigação. Assim como a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), que também deve informar o resultado da análise do pedido de uso emergencial da Covaxin ou a previsão de sua conclusão.
Zymler ainda solicitou à presidência da CPI da Covid, no Senado, para que sejam encaminhados/franqueados, no prazo de 30 dias, documentos relacionados à contratação. Na lista de solicitações estão informações sobre a quebra de sigilos da Precisa Medicamentos e de seus representantes e também de servidores do Ministério da Saúde que participaram da contratação.
O mesmo prazo foi dado à Procuradoria da República no Distrito Federal para que sejam encaminhadas cópias dos procedimentos e inquéritos, civis ou criminais, onde constem como interessados a Precisa Medicamentos.
Suspensão
O contrato com a Precisa foi suspenso na semana passada após suspeitas de corrupção. A decisão, segundo afirmou o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, foi tomada após recomendação da CGU, que também analisa possíveis irregularidades no processo de contratação.
O documento revelado pelo Estadão, no sábado, mostra que o valor por dose da vacina aumentou após o Ministério da Saúde iniciar as tratativas com a Precisa. Na primeira reunião técnica, em 20 de novembro, a empresa informou o valor de US$ 10 por dose, com a possibilidade de o preço baixar, a depender da quantidade de unidades que o governo brasileiro comprasse.
“O valor da vacina é de US$ 10 por dose, que, em razão de eventual aquisição de montante elevado de doses, o valor poderia vir a ser reduzido e estaria aberto à negociação”, informa o documento “Memória do Encontro”, do Ministério da Saúde, que foi enviado à Câmara em resposta a um requerimento de informação da deputada Adriana Ventura (Novo-SP). A negociação sairia por R$ 538 milhões a menos se o preço inicialmente ofertado tivesse sido mantido.
O então número 2 do Ministério da Saúde, o secretário-executivo Élcio Franco, comandou a reunião com o empresário Francisco Maximiano, sócio da Precisa, e representantes da Bharat Biotech —estes últimos via videoconferência. A Precisa informou, na ocasião, que teria disponibilidade de oferecer 46 milhões de doses, com entrega prevista para o fim do primeiro trimestre de 2021.
Agilidade
Diferentemente do que ocorreu com as demais vacinas, negociadas diretamente com seus fabricantes (no país ou no exterior), a compra da Covaxin pelo Brasil foi intermediada pela Precisa. A negociação da vacina indiana foi a mais rápida até o momento, levando pouco mais de três meses, ante quase 11 meses do imunizante da Pfizer, por exemplo. O preço oferecido pela farmacêutica americana, no entanto, manteve-se desde a primeira proposta (US$ 10 a unidade), enviada ainda em agosto do ano passado.
A primeira vez que o valor de US$ 15 por dose da Covaxin aparece nas tratativas é em um e-mail de V. Krishna Mohan, diretor-executivo da Bharat Biotech, a Élcio Franco, em 12 de janeiro. Na mensagem, o diretor informou a intenção de vender 12 milhões de doses e dava um prazo de três dias para o governo brasileiro enviar uma carta de aceitação. A resposta, no entanto, só é enviada cinco dias depois, em que Franco reafirma o interesse. Não há qualquer registro de questionamento sobre o preço mais alto. A ausência de uma tentativa de negociação do valor foi apontada pelo TCU como uma “possível impropriedade” no processo de contratação da Covaxin.
Documentos mostram, ainda, que o valor de US$ 15 por dose também foi citado na reunião realizada na pasta em 5 de fevereiro, 20 dias antes de o contrato ser assinado. No encontro, dessa vez, não havia representantes da Bharat Biotech, mas apenas da Precisa e do Ministério da Saúde, incluindo o tenente-coronel Alex Lial Marinho, ex-coordenador-geral de aquisições de insumos estratégicos para saúde do Departamento de Logística da pasta. Lial Marinho foi citado na CPI da Covid pelo servidor Luis Ricardo Miranda, do Ministério da Saúde, como uma pessoa que teria feito pressão para o andamento da contratação da vacina indiana. (Com Agência Estado)
Prevaricação
No depoimento à CPI da Covid, Luis Ricardo Miranda e o irmão dele, o deputado federal Luis Miranda (DEM-DF), disseram ter informado ao presidente Jair Bolsonaro sobre as suspeitas de corrupção no contrato da Covaxin. O chefe do Planalto teria dito que acionaria a Polícia Federal para investigar o caso, o que, aparentemente, não fez. Na última sexta-feira, a ministra Rosa Weber, do Supremo Tribunal Federal (STF), autorizou a abertura de inquérito para investigar se Bolsonaro cometeu crime de prevaricação por supostamente não ter comunicado aos órgãos de investigação os indícios de corrupção nas negociações do imunizante.