ENTREVISTA

'Não tivemos vacina a tempo porque havia interesses escusos', diz vice-presidente da CPI

Randolfe Rodrigues comentou sobre os próximos passos da CPI, da eventual prorrogação dos trabalhos e da possibilidade de ser alvo de investigação do colegiado o esquema de rachadinha, supostamente envolvendo o presidente Jair Bolsonaro

Vice-presidente da CPI da Covid, o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) afirmou que um dos objetivos da comissão, agora, é “desvendar o que hoje é um enorme esquema de corrupção” envolvendo compra de imunizantes contra o novo coronavírus. “Vacinas que encontravam intermediários que facilitam um programa de corrupção tinham um caminho mais fácil no Ministério da Saúde. As que tinham regras que complicam a corrupção têm caminhos muito mais tortuosos”, afirmou o parlamentar, em entrevista a Denise Rothenburg, no programa CB.Poder, parceria entre o Correio e a TV Brasília.

Randolfe Rodrigues também comentou sobre os próximos passos da CPI, da eventual prorrogação dos trabalhos e da possibilidade de ser alvo de investigação do colegiado o esquema de rachadinha, supostamente envolvendo o presidente Jair Bolsonaro. Veja os principais trechos da entrevista.

Nos próximos dias, há três depoimentos marcados, entre os quais o de Roberto Dias, demitido do Ministério da Saúde por suspeita de cobrança de propina. Ele pode sair preso de lá?

Espero que não saia preso, espero que vá para colaborar. O depoimento de terça-feira (hoje), de Regina Célia, vai servir para informar qual foi o procedimento para a chancela da vacina Covaxin. O problema não é a vacina, mas, sim, a mediadora, a Precisa medicamentos, que tem procedimentos muito estranhos. Porém o que mais chama a atenção é o de Roberto Dias. Ele é um personagem que está presente nos dois escândalos, personagem central do famoso jantar das propinas, mas também participa de procedimentos atípicos na aquisição da Covaxin. A vacina não é o problema, mas vacinas que encontravam intermediários que facilitavam um programa de corrupção tinham um caminho mais fácil no Ministério da Saúde. As que tinham regras que complicam a corrupção têm caminhos muito mais tortuosos. A Pfizer, por exemplo, ficou seis meses sem contato com Élcio Franco (ex-secretário-executivo do Ministério da Saúde).

Já dá para identificar qual grupo tem mais culpa? Os militares ou o Centrão?

Foi feita no Ministério da Saúde uma coalizão de interesses ocultos e corruptos. Nós não tivemos vacina a tempo porque havia interesses escusos, em roubar, houve uma ação organizada, predestinada. Em 22 de dezembro do ano passado, houve uma reunião na Casa Civil da Presidência para discutir uma MP (medida provisória) que avaliaria a aquisição das vacinas da Pfizer e da Janssen. Tem um dispositivo que facilitaria isso e, em 6 de janeiro, foi editada sem esse dispositivo. Coincidência ou não, nesse intervalo de tempo, o Francisco Maximiano, que é o principal responsável pela Precisa, se encontrava na Índia. Ele se reúne com os cinco CEOs da Bharat Biotech e diz o seguinte: “Um dos objetivos deles é acabar com o oligopólio da Pfizer no Brasil”. Dia 23, tem uma reunião, estava tudo certo para entrar na MP o dispositivo que facilitaria o acesso às vacinas da Pfizer e da Janssen, essa medida é editada no dia 6. No dia 5, em Nova Délhi, tem uma reunião com o ex-representante da Bharat Biotech, falando que a concorrente dele é a Pfizer. No dia 6, a MP sai sem o dispositivo que facilitaria a vinda da Pfizer e da Janssen. No dia 7, o presidente da República manda um telegrama ao primeiro-ministro da Índia falando do interesse em relação à vacina Covaxin, estranhamente, nas semanas seguintes, existem vários ofícios que mostram o interesse do governo em que a Precisa vá até lá conversar com eles, quando na verdade é o contrário em relação à Pfizer, que procura insistentemente o Brasil para a compra.

Como a CPI vai lidar com o fato de os representantes apoiadores de Bolsonaro afirmarem: “Nós fizemos o contrato, mas nenhum centavo foi gasto”?

Sobre a notícia-crime que tramita no STF, não temos dúvida de que ele cometeu (prevaricação). Em 20 de março, os irmãos Miranda reuniram-se com o presidente e disseram que tem um procedimento corrupto em curso no ministério. O presidente diz que sabe quem é o autor, mas que não podia mexer tanto nisso e que ia acionar um procedimento na Polícia Federal. Quando esse procedimento foi instaurado? Três meses e mais alguns dias e na véspera do depoimento do técnico da Precisa, Francisco Maximiano, que utiliza desse inquérito para seus advogados interporem um mandato de segurança no STF (Supremo Tribunal Federal). E não resta outra alternativa ao STF, de acordo com a jurisprudência, que não conceder o habeas corpus para que ele fique em silêncio na CPI.

Como vai ficar a questão do líder do governo na Câmara, Ricardo Barros, que pediu para depor na próxima quinta-feira?

Quem decide quem e quando vai depor é o curso das investigações. Ele ainda não é investigado, mas é um forte candidato a sê-lo. Estamos determinados e consideramos importante quebrar o sigilo não só dele, mas também de outras duas empresas especiais, a Madison Biotech e a Davati Medical Supply, a cooperação internacional em relação a essas empresas, para que possamos buscar os eventos atípicos que essas empresas procederam no exterior. Seria muito cômodo alguém determinar a data que vai depor, vai escolher depor, sem que os investigadores tenham as informações necessárias.

E Francisco Maximiano?

Ele foi luxuosamente agraciado com o apoio do governo para ter o direito ao silêncio esta semana. Ele queria passar a versão dele para a CPI e não responder às inquirições. Queremos buscar desvendar o que hoje é um enorme esquema de corrupção que estamos diagnosticando.

O relator (Renan Calheiros)  é alvo de uma abertura de inquérito sobre questão de 2012, como é isso?

Nós vimos com enorme estranheza isso no âmbito da CPI, não me parece ter sido coincidência terem instaurado esse inquérito agora. A Polícia Federal sabe dos procedimentos, pode a PF instaurar inquérito espontaneamente contra o presidente? Não pode. É o mesmo procedimento em relação a membros do Parlamento. Queriam criar notícia a partir de denúncia que já tinha tido um arquivamento em 2018, mas é criar notícia no âmbito da investigação da CPI. Como também nos causa estranheza que os superintendentes da PF tenham sido modificados nos últimos 30 dias, exatamente nos seguintes estados: Amazonas, Amapá, Alagoas e Sergipe. Como eu não acredito em coincidência, me parece que tem uma ação do governo, não da PF. A PF é uma instituição valorosa, tem de ter consciência que é uma instituição do Estado brasileiro. Amazonas, de Omar Aziz; Amapá, de Randolfe Rodrigues; Alagoas, de Renan Calheiros; Sergipe, de Alessandro Vieira, que tem sido um dos melhores personagens da CPI.

O deputado Luis Miranda terá de prestar outro depoimento?

O deputado tem colaborado com a CPI. O que ocorreu sexta-feira no caso do Cabo Dominguetti (Luiz Paulo Dominguetti) foi muito estranho. Estamos periciando o celular dele, vamos aprofundar as investigações e descobrir como aquele áudio, que parece desconectado do fato em si do contexto da CPI e esquema de corrupção das vacinas, foi colocado pelo Dominguetti. Ele próprio chega a dizer que foi induzido ao erro (o áudio tentava implicar Luis Miranda).

Acredita que o parlamentar está envolvido em algo?

Fala de compra de luva (o áudio). Ele também é empresário, não tem recorte nenhum com a circunstância de vacinas. O que nós temos de aprofundar na investigação é o procedimento dessa empresa, da Davati, e saber a quais personagens devemos chegar. Não é só o depoimento do deputado, é o depoimento do irmão dele, servidor de carreira do Ministério da Saúde. Se tiverem de prestar outro depoimento, serão ouvidos separadamente.

O recesso parlamentar está chegando. A CPI pode continuar sem uma parada?

Se tiver constitucionalmente o recesso, manteremos o trabalho por meio de diligências, medidas que a investigação permite. A circunstância caminha para não termos o recesso. Não tendo o recesso, não impõe a paralisação da CPI.

O suposto esquema das rachadinhas vai chegar à CPI?

Pode chegar, desde que haja algum tipo de relação com algum dos personagens em que as investigações de corrupção (das vacinas) são apontadas. Se tiver alguma conexão, não descarto que possa vir a ser elemento de avaliação por nós. Começamos a CPI apurando ações e omissões do governo federal no enfrentamento à pandemia. De repente, a partir do depoimento dos irmãos Miranda, nos vimos diante de um enorme Hidra (de Lerna), com várias cabeças. Quanto mais a gente puxa um novelo, um personagem novo surge. Puxamos a Precisa e, de repente, surge a Davati. Depois viemos com Roberto Dias, que esteve envolvido na Precisa. Aí, mais adiante, a gente o encontra, também, presente no caso da Davati. Aí, da Davati, da Precisa, já vem a história da eventual fraude na CanSino (vacina), o que levou até o deputado Ricardo Barros. Então, alguns desses personagens, tendo conexão com esse outro caso, obviamente que poderão vir a ser chamados a CPI. É por isso que é imperiosa a prorrogação da CPI, e é por isso que já temos um requerimento com 34 assinaturas para que seja prorrogada.

É possível investigar Bolsonaro a partir desse caso?

Até onde se sabe, a partir de notícias, é uma questão que não envolve apenas o presidente, mas também os filhos dele. Então, nós temos de separar juridicamente caso a caso. A Constituição, claramente, diz que o presidente só pode ser investigado com fatos relativos ao exercício do mandato. Então, tem dois aspectos aí para aprofundarmos. Um: saber se esse procedimento se prorrogou ao tempo, isto é, teve continuidade delitiva. Segundo: se os personagens aí têm algum tipo de relação, ainda hoje, com o governo de Jair Bolsonaro e se estão presentes no Ministério da Saúde. Esses são alguns elementos que podem levar ao aprofundamento da investigação.

Como avalia o cenário político para 2022?

Temos de entender o bolsonarismo como um fenômeno político e social de extrema direita, que o Brasil, lamentavelmente, experimenta pela primeira vez agora. Os fenômenos políticos sociais, seja de extrema esquerda, seja de extrema direita, ao longo da história humana, foram responsáveis pelas maiores atrocidades, mas também são caracterizados por terem forte lastro de apoio social. Eu acredito que, agora, avaliando fora do escopo da investigação e dentro do escopo da investigação da CPI, não tenho dúvidas de que o presidente da República já cometeu inúmeros crimes. Nesse caso, o remédio a ser utilizado seria a denúncia do Supremo Tribunal Federal, com autorização da Câmara dos Deputados, ou o remédio constitucional do impeachment. Deixando isso de lado e avaliando do ponto de vista político, vai ter um laço social que sempre vai se ancorar no bolsonarismo. Principalmente nos tempos atuais e na tecnologia que eles desenvolveram. Por isso, é um fenômeno político-social de extrema direita, como tantos outros. Tivemos a experiência na história humana.

Na semana passada, Eduardo Leite se apresentou como pré-candidato ao Planalto, ao mesmo tempo em que declara ser gay. Como o senhor avalia?

Em primeiro lugar, tenho de saudar a coragem do governador Eduardo Leite. A atitude dele é motivo de orgulho para todos os brasileiros. Segundo, a opção sexual não pode ser tema para o debate político. O tema do debate político é se o cidadão é corrupto ou não e qual a política econômica que ele vai adotar no exercício do governo, assim como as prioridades dele. A opção sexual de cada um é um direito civilizatório e que assiste a todos. Não podemos cair na cilada, lançada várias vezes pela rede do ódio. Assim, saúdo a coragem do governador Eduardo Leite, que seria uma ótima opção política, uma alternativa no pleito político do ano que vem.

*Estagiários sob supervisão de Cida Barbosa

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