O líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (Progressistas-PR), fez, ontem, mais uma manobra para ser ouvido o quanto antes pela CPI da Covid. Publicou um vídeo no Twitter no qual afirma que foi convidado para depor no próximo dia 8, mas sua ida foi desmarcada sem qualquer justificativa. A ideia de comparecer logo é para tentar estancar o desgaste dele e do presidente Jair Bolsonaro.
“A CPI não pode sequestrar a minha honra e de qualquer um que seja. Peço ao STF que garanta que eu possa defender a minha honra e dizer que não tenho nada a ver com Covaxin e que ajo no interesse do Brasil”, disse. O parlamentar entrou com um pedido, no Supremo Tribunal Federal (STF), para que determine à comissão de inquérito sua convocação imediata. Além disso, tem feito repetidos apelos aos senadores pelas redes sociais.
O interesse em ser ouvido logo já foi levado por governistas à cúpula da CPI. Na semana passada, o líder do governo, Fernando Bezerra (MDB-PE), e o senador Flávio Bolsonaro (Patriotas-RJ), pediram que o presidente do colegiado, Omar Aziz (PSD-AM), colocasse o depoimento de Barros em pauta. O parlamentar amazonense chegou a anunciar a ida do líder do governo na Câmara para a próxima quinta-feira, mas mudou a agenda após conversar com o vice-presidente da CPI, Randolfe Rodrigues (Rede-AP), e outros integrantes do G7, o grupo composto por sete senadores de oposição e independentes ao governo decidem os rumos da comissão.
Reunião de documentos
Por saber que Barros quer ser ouvido para tentar estancar o desgaste dele e do presidente da República, o G7 quer ouvi-lo por último, depois de obter todas as informações que respaldem os questionamentos — e consigam mostrar de forma mais clara o que, por enquanto, são suspeitas. O nome do líder do governo foi levantado durante depoimento do deputado federal Luis Miranda (DEM-DF) e do seu irmão, o chefe de importação do Ministério da Saúde Luis Ricardo Miranda — que denunciou “pressões anormais” dos seus superiores para que agilizasse a importação da Covaxin, vacina indiana do laboratório Bharat Biotech, representado no Brasil pela empresa Precisa Medicamentos. O governo fechou um contrato com a empresa, no valor de R$ 1,6 bilhão, para compra de 20 milhões de doses, mas suspenso depois que as suspeitas vieram à tona.
Miranda disse na CPI que informou Bolsonaro sobre as suspeitas em relação à negociação para importação da Covaxin — episódio no qual o presidente Bolsonaro teria dito que a questão parecia ser “rolo” de Ricardo Barros. O deputado, aliás, era ministro da Saúde na época em que a Global Saúde, do mesmo grupo da Precisa Medicamentos, vendeu fármacos à pasta, mas não entregou e causou um prejuízo de mais de R$ 20 milhões (leia mais no quadro). Outra conexão de Barros com a Precisa foi uma emenda parlamentar, apresentada por ele, que possibilitou que a Covaxin pudesse ser importada.
Na agenda da CPI, constam requerimentos para serem votados amanhã, dentre os quais a quebra de sigilos telefônico, fiscal, bancário e telemático de Barros e de Luis Miranda. Para o relator da CPI, Renan Calheiros (MDB-AL), as dúvidas sobre o líder do governo na Câmara ficam ainda mais fortes à medida que o silêncio de Bolsonaro perpetua em relação ao caso. “A situação do Ricardo é delicada, porque, até agora, o presidente da República não saiu em sua defesa”, salientou.
Entre os senadores, o entendimento que se tem é que não há condições de um parlamentar apenas “capitanear” sozinho uma possível atividade irregular de grande porte, envolvendo aquisição de vacinas no meio de uma pandemia. A avaliação é de que outros deputados também podem ser apontados. Já para os parlamentares, o silêncio do Palácio do Planalto seria pelo receio de que exista um áudio da conversa entre os irmãos Miranda e Bolsonaro — e que, por isso, o presidente não tentou sequer desmentir o deputado do DF ou fez ataques contra ele.
Esquema em grupo
Questionado se via o envolvimento do Centrão nas suspeitas, o senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE) pontuou que Barros representa o agrupamento de partidos que dá suporte ao governo no Congresso. “Esse tipo de esquema normalmente é de grupo, não é um esquema individual. E o histórico de operações de grande porte que a gente tem mostra isso — uma espécie de consórcio político. Mas a gente vai apurar isso com calma e vamos ver o que vai surgindo”, explicou.
Líder da bancada feminina no Senado, Simone Tebet (MDB-MS) afirma que o foco da CPI, agora, é a Covaxin. “Temos não só indícios, temos muitos elementos de prova. Foi empenhado antes de a lei estar em vigor, antes de o contrato estar assinado. Um contrato ilegal, que não tinha lei permitindo a assinatura. R$ 1,6 bilhão para a compra de uma vacina indiana que nós nem sabemos qual é, a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) não tinha aprovado ainda”, observou, acrescentando que o esquema não envolve apenas a cúpula do governo, “mas gente de dentro do Ministério da Saúde que, recentemente, foi exonerada”.
Nesta semana, a intenção dos senadores é ouvir, amanhã, a servidora Regina Célia Oliveira, fiscal do contrato com a Covaxin no Ministério da Saúde; na quarta, o ex-diretor do Departamento de Logística Roberto Dias, que falará desse caso e também das negociações para a compra da vacina indiana; e, na quinta, Carolina Palhares, diretora de Integridade do Ministério da Saúde — setor que, no ano passado, remeteu ao Tribunal de Contas da União (TCU) “a informação sobre irregularidades na compra de kits de reagentes e insumos utilizados em testes de covid-19”.