A confusão provocada na CPI da Covid com o depoimento de Luiz Paulo Dominguetti Pereira, representante da Davati Medical Supply, foi avaliada por senadores como uma forma de tumultuar os trabalhos da comissão e desviar o foco da denúncia de corrupção que envolve o governo. Apesar de parlamentares verem o depoente como “plantado” pelo Executivo para fazer acusações inverídicas, eles avaliam que a oitiva confirmou a suspeita de cobrança de propina, dentro do Ministério da Saúde, na compra de vacinas contra o novo coronavírus.
Dominguetti confirmou as declarações dadas à Folha de S. Paulo de que o então diretor do Departamento de Logística (DLOG) do Ministério da Saúde, Roberto Dias, cobrou propina de US$ 1 por dose para fechar contrato de 400 milhões de unidades da AstraZeneca que o representante comercial tentava vender à pasta. De acordo com ele, o pedido ilegal foi feito em 25 de fevereiro, num encontro num shopping com Dias e mais duas pessoas, que seriam o ex-assessor do departamento Marcelo Blanco e o coronel Alexandre Martinelli, ex-subsecretário de Assuntos Administrativos do Ministério da Saúde. Dominguetti reconheceu o militar numa foto mostrada na CPI, mas disse que precisaria vê-lo pessoalmente para ter certeza. Martinelli, por sua vez, nega que tenha participado dessa reunião.
A confusão ocorreu quando Dominguetti afirmou que o deputado Luis Miranda (DEM-DF) tentou negociar a compra de vacinas com a Davati. Foi o parlamentar e o irmão, o servidor do Ministério da Saúde Luis Ricardo Miranda, que denunciaram suspeita de superfaturamento na compra, pela pasta, de 200 milhões de doses da Covaxin, ao custo de R$ 1,6 bilhão.
Para tentar comprovar sua declaração, Dominguetti mostrou áudio de uma conversa em que Miranda supostamente tentava negociar imunizantes e dizia ter um comprador “com potencial de pagamento instantâneo”. A mensagem teria sido enviada pelo deputado a Cristiano Alberto Carvalho, representante no Brasil da Davati. O áudio teria sido enviado a Dominguetti por Cristiano. “O comentário do Cristiano foi: ele está lá fazendo denúncia, mas aqui faz o inverso”, relatou o depoente. Pouco depois, Miranda, que estava na Câmara, foi à CPI furioso para desmentir a versão, e houve bate-boca (leia reportagem abaixo).
O áudio, entretanto, não tratava de vacina. Dominguetti foi rapidamente contestado e voltou atrás. Afirmou que não poderia dizer sobre qual produto Miranda estava se referindo e admitiu ter sido induzido ao erro. Ele recebeu apoio do presidente da CPI, Omar Aziz (PSD-AM). “Minha avaliação é de que em momento algum ele mente. Pode ter sido usado pelo Cristiano, que foi procurado pela repórter (da Folha), sabia da história, mas não fala e o mandou falar. Outra coisa: ele passou um áudio pela metade. Foi induzido ao erro”, enfatizou. Aziz negou pedidos feitos por senadores para dar ordem de prisão ao depoente por mentir.
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Apreensão
Na avaliação do vice-presidente da CPI, Randolfe Rodrigues (Rede-AP), o depoimento reforçou a suspeita de propina, mas com uma tentativa de desviar o rumo da comissão ou impedir que os senadores continuassem na linha de investigação sobre o governo. Para averiguar as versões, o colegiado apreendeu o celular de Dominguetti. A intenção é saber “o que motivou este ‘cavalo de Troia’ que tentaram colocar no âmbito da CPI”, destacou Rodrigues.
O relator, Renan Calheiros (MDB-AL), destacou haver movimentos suspeitos por parte do governo para atrapalhar os trabalhos. “Surpreendentemente, recebemos um depoente com um áudio contando algumas mazelas que, porventura, poderiam envolver o deputado Luis Miranda, que esteve aqui na passada. Em nome de quê?”, questionou.
Assim como outros senadores, Fabiano Contarato (Rede-ES) acredita que o depoente e o áudio foram “plantados”. “A testemunha foi plantada aqui”, disparou o parlamentar capixaba. Humberto Costa (PT-PE) disse o mesmo, mas afirmou não saber se o próprio Dominguetti tinha ciência de que estava sendo “plantado” ou não. “Pode ser uma articulação dos bolsonaristas para desmoralizar o deputado, ou é briga lá de dentro”, afirmou.
O senador Flávio Bolsonaro (Patriota-RJ), que não ia à CPI havia alguns dias, compareceu ontem e defendeu que toda suspeita de corrupção precisa ser investigada. Já senador governista Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE), ressaltou existir uma “instrumentalização para desgaste do governo federal”. “Quem não se comportou como deveria se comportar, quem não cuidou de zelar pelo interesse público, que seja de fato punido, mas é importante também perceber que se trata claramente de aventureiros e sem qualquer qualificação para tratar de assuntos dessa magnitude”, emendou.
Desmentido
Em nota, a AstraZeneca negou que haja intermediador representando a farmacêutica no Brasil e frisou que os convênios são realizados diretamente com Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e com o governo federal. A Davati, por sua vez, afirmou que os 400 milhões de doses ofertados são de um “distribuidor” que sustentou ter esse quantitativo para venda.
Pouco caso
O nome de Dominghetti não foi uma total surpresa para os senadores, conforme informações de Humberto Costa (PT-PE). Ele já havia sido indicado por terceiros aos parlamentares do G7, mas ninguém “deu muita bola”. Senadores chegaram a ouvir a história, mas acharam que “não era uma coisa muito consistente”. Depois da reportagem da Folha de S. Paulo, tornou-se inevitável ouvi-lo na comissão.
Depoimentos
Na próxima terça-feira, a CPI deve ouvir Regina Célia, fiscal do contrato do Ministério da Saúde com a Precisa Medicamentos para o fornecimento da vacina Covaxin. Na quarta-feira, será a vez do ex-diretor do Departamento de Logística (DLOG) da pasta Roberto Dias, que falará do suposto caso de propina relacionado à compra de AstraZeneca. No dia seguinte, Carolina Palhares, diretora de Integridade (DINTEG) do Ministério da Saúde prestará depoimento. E, na sexta, será a vez da diligência para ouvir o ex-governador do Rio de Janeiro Wilson Witzel.