O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), arquivou o inquérito aberto na Corte para investigar a organização e o financiamento de atos antidemocráticos. No entanto, determinou a abertura de uma nova apuração, com foco em uma organização criminosa que atua pela internet com a finalidade de atacar o Estado democrático de direito.
Relatório da Polícia Federal cita autoridades que estariam envolvidas na difusão de notícias falsas e ataques com o objetivo de subverter a democracia. Entre os citados estão o presidente Jair Bolsonaro, o senador Flávio Bolsonaro (Patriota-RJ) e o vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ), ambos filhos do mandatário, além de deputados bolsonaristas, como Bia Kicis (PSL-DF) e Carla Zambelli (PSL-SP).
Na decisão, Moraes destaca existir conexão com o que já foi apurado no inquérito sobre atos antidemocráticos e ordena o compartilhamento integral das provas. “O relatório cita textualmente as seguintes pessoas: Jair Messias Bolsonaro, Tércio Arnaud Tomaz, Eduardo Nantes Bolsonaro, Paulo Eduardo Lopes, Eduardo Carlos Guimarães, Carlos Nantes Bolsonaro, Flávio Nantes Bolsonaro, Alana Passos, Leonardo Rodrigues Barros Neto, Anderson Luis de Moraes, Vanessa do Nascimento Navarro, Paulo Nishikawa, Jonathan Willian Benetti”, diz um trecho do relatório do ministro.
De acordo com Moraes, o inquérito foi aberto “em virtude da presença de fortes indícios e significativas provas apontando a existência de uma verdadeira organização criminosa, de forte atuação digital e com núcleos de produção, publicação, financiamento, absolutamente semelhantes àqueles identificados no Inquérito 4.781, com a nítida finalidade de atentar contra a democracia e o Estado de direito”. A investigação deve ficar sob a condução da delegada Denisse Ribeiro, em razão da relação com as diligências anteriores.
Parlamentares aliados do governo teriam atuado para provocar o rompimento constitucional, com colaboração do blogueiro Allan dos Santos, acusado de espalhar notícias falsas. “A partir da posição privilegiada junto ao presidente da República e ao seu grupo político, especialmente os deputados federais Bia Kicis, Paulo Eduardo Martins (PSC-PR), Daniel Lúcio da Silveira (PSL-RJ), Caroline de Toni (PSL-SC) e Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), dentre outros, além e particularmente o Ten-Cel. Mauro Cesar Cid, ajudante de ordens do presidente da República, a investigação realizada pela Polícia Federal apresentou importantes indícios de que Allan dos Santos tentou influenciar e provocar um rompimento institucional, particularmente nos eventos ocorridos nos dias 20/04/2020, 26/04/2020 e 06/05/2020”, afirmou Moraes.
Conforme o magistrado, as investigações estão baseadas em fundamentos apontados por investigações da PF e diferem da apuração aberta de ofício pelo Supremo para investigar fake news e ataques contra a Corte. Moraes determinou, ainda, que seja investigado o uso irregular de servidores públicos pelas deputadas Paula Belmonte (Cidadania-DF) e Aline Sleutjes (PSL-PR), ambas apoiadoras do presidente Jair Bolsonaro. No caso de Aline, foram identificados pagamentos não explicados depositados na conta dela por servidores, de acordo com o documento.
Em sua defesa, a deputada Bia Kicis afirmou que foi aberto inquérito de “um crime que não existe” e que vivemos em uma “tortuosa democracia”. Zambelli, por sua vez, alegou que “estamos vivendo uma nova era, da ditadura do Judiciário”. Os demais citados não se manifestaram.
Sem conclusões
O inquérito sobre atos antidemocráticos foi aberto em abril do ano passado a pedido da Procuradoria-Geral da República (PGR), depois que manifestações defendendo a volta da ditadura militar e a intervenção das Forças Armadas e atacando instituições democráticas marcaram as comemorações pelo Dia do Exército em diferentes cidades do país. A investigação, porém, é encerrada sem uma conclusão. Isso porque a própria PGR pediu o arquivamento da apuração em relação a parlamentares bolsonaristas. O argumento foi de que a Polícia Federal não conseguiu delimitar a investigação.
Voto impresso: Bolsonaro critica STF
Pressionado pelas investigações da CPI da Covid e pela liderança do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva em pesquisas de intenção de voto para 2022, o presidente Jair Bolsonaro subiu o tom contra ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e na defesa do voto impresso. Sem citar nomes, o chefe do Executivo relatou que três dos magistrados da Corte têm se articulado contra a aprovação da proposta. As declarações foram dadas a apoiadores na saída do Palácio da Alvorada. O mandatário ainda repetiu que, se a medida não for implementada no próximo ano, “vamos ter problemas”.
“Tem uma articulação de três ministros do Supremo para não ter o voto auditável. Se não tiver, eles vão ter de apresentar uma maneira de termos eleições limpas. Se não tiver, vamos ter problemas no ano que vem. Eu estou me antecipando a problemas no ano que vem”, alegou.
Sem apresentar provas, Bolsonaro voltou a acusar fraude nas urnas em 2018 — insiste que teria vencido no primeiro turno do pleito. “(Com) O voto auditável, vai ter a certeza de quem o povo votar vai ser eleito. Como está aí, a fraude está escancarada e não vai ser só para presidente, não, vai ser para governador, senador, fraude. Então, tem três do Supremo articulando para não ter o voto impresso, porque eles estão preocupados com a judicialização. Eu já falei: se promulgar, vai ter voto impresso”, disparou. “Agora, se essa articulação prosperar, esses três vão ter de inventar uma outra maneira de termos eleições confiáveis, com contagem pública de votos. Estou antecipando porque a minha, que estou falando aqui, é a expressão da democracia, a transparência.”
De acordo com o presidente, as alegações de que a implementação da medida custaria bilhões aos cofres públicos não são válidas. “Não adianta vir com argumentozinho de que é muito caro. Dinheiro tem. Já está arranjado o dinheiro para comprar as impressoras”, enfatizou. “Então, nós queremos eleições limpas no ano que vem, porque tiraram o Lula da cadeia, tornaram ele elegível para ser presidente na fraude. Isso não vai acontecer.”
O projeto, caso aprovado, prevê a instalação de impressoras nas urnas eletrônicas. No entanto, a pressão contra a medida é grande. No último dia 26, líderes de 11 partidos decidiram que não vão apoiar a mudança da forma de votação. Eles defendem que o sistema eleitoral é confiável, que a urna eletrônica nunca teve fraude comprovada em 25 anos e que mudar as regras do jogo poderia gerar incertezas no processo, como a judicialização das eleições.
Ontem, Bolsonaro assistiu a uma missa na Paróquia Nossa Senhora da Saúde, na 702 Norte. A visita à igreja não constava na agenda oficial do mandatário. Acompanharam a cerimônia eucarística, entre outros, a deputada Bia Kicis (PSL-DF), autora da PEC do Voto Impresso e presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara.
Superpedido "não pode ser banalizado"
O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), afirmou que o superpedido de impeachment contra o presidente Jair Bolsonaro, apresentado à Câmara, “não pode ser banalizado”. Segundo ele, cabe agora ao presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), trabalhar com responsabilidade e analisar o documento “à luz de muita técnica e de muita profundidade”. “Inclusive, em respeito àqueles que protocolaram outros pedidos de impeachment”, destacou, em entrevista à CBN.
Pacheco avaliou que o governo Bolsonaro passa por um “momento de dificuldades”, mas que elas não advêm apenas das recentes acusações contra o presidente na CPI da Covid, de suposta fraude nos contratos de compra da vacina Covaxin. “É um problema maior da nação, o enfrentamento à pandemia e a forma como lidamos com ela”, declarou.
Conforme análise, o governo, “como todos os países”, acumulou erros e acertos no combate à covid-19. Entre os erros, Pacheco frisou o atraso no cronograma de vacinação nacional, a dificuldade de acesso aos imunizantes, as trocas sucessivas de ministros da Saúde e a falta de alinhamento entre o governo e estados e municípios.
Ao mesmo tempo em que reconhece ser um momento de dificuldade para o governo, o presidente do Senado também ressalta ser hora de “pacificação e diálogo permanente”. Conforme ele, antes de ser uma crise no governo, é uma crise nacional.