Cidades de todos os estados e o Distrito Federal registraram atos, ontem, contra o governo do presidente Jair Bolsonaro. Em Brasília, a manifestação ocorreu na Esplanada dos Ministérios. O ato pacífico teve início em frente à Biblioteca Nacional e terminou pouco antes do Teatro Nacional. A estudante de serviço social da Universidade de Brasília (UnB) Jéssica Sousa, 22 anos, moradora do Itapoã, se reuniu com amigos no Paranoá para marcar presença no protesto. Ela explicou que só teve coragem de ir à passeata depois que a mãe, hipertensa, foi vacinada. “Viemos lutar por vacina, comida, auxílio digno. E contra este governo, que chama a pandemia de gripezinha enquanto pessoas morrem em hospitais”, sustentou.
Amiga de Jéssica, a estudante de ciências sociais da UnB Brenna Villanova, 21, destacou que a periferia reúne o maior número de mortes por covid. “O governo Bolsonaro e o governo Ibaneis não se importam com a população. Vim expressar o meu desgosto diante da situação, que é pior, especialmente, para a população preta, que está entre as principais vítimas do vírus. E viemos, também, pela vacinação”, disse.
O protesto também foi expressão de luto para o biólogo Lucas Rolim, 39; a esposa dele, Andressa Monteiro, 37; e a cunhada, Mara Cristina Rolim, 40, que lembraram a morte do irmão de Lucas, Tiago Rolim, 42. Ele era professor de história e ensino religioso e morreu de covid em 12 de abril, após 24 dias internado. Deixou dois filhos, de 5 e 8 anos. O grupo levava um banner com a imagem da vítima e a mensagem: “Estaria vivo com a vacina, mas escolheram a propina!”.
“A gente veio protestar contra Bolsonaro e o negacionismo que provocou tantas mortes, e a de Tiago foi uma delas. Se o governo não tivesse negado a negociação com a Pfizer, ele já teria tomado a primeira dose quando pegou covid”, desabafou o irmão. Mara Cristina Rolim acrescentou: “É muita revolta com essa situação. Jair Bolsonaro negou vacinas, não usa máscaras e propaga a morte. Meu marido tinha o direito de ser vacinado, mas não foi”.
Com um cartaz grande em letras em verde e amarelo, os irmãos Paula Macedo, 23, e Rudá Barros, 38, pediam que as famílias brasileiras despertassem dos grupos de WhatsApp que propagam notícias falsas e negacionismo. “Escolhemos o verde e amarelo porque essas cores são de todos nós. Queremos que as pessoas aprendam a ler a imagem e a notícia. É importante estar em casa, mas alguém tem de ir para a rua. Uma mensagem de e-mail pode até ser ignorada pelo governo, mas o povo na rua, não tem como ignorar”, ironizou Rudá. “Viemos pela vacina, pelo impeachment e pela minha comunidade LGBT”, destacou Paula.
O antropólogo Flávio Conrado, 49, compareceu aos protestos representando o grupo Evangélicos pelo fora Bolsonaro. Eles levavam uma faixa com a frase: “Jesus foi vítima de tortura”. De acordo com Flávio, as lideranças evangélicas que apoiam o governo não falam por toda a comunidade. “Somos plurais. Nós nos organizamos para dizer que Bolsonaro não representa parte da população evangélica. Condenamos o que ele fala e faz”, enfatizou. “Somos um coletivo com mais de 30 organizações, grupos, igrejas, grupos de mulheres e de LGBTs. É importante lembrar que muitos dos líderes evangélicos que agora se dizem conservadores ao lado do presidente também estiveram com Lula e Dilma.”
Pelo Brasil
As manifestações contra o governo — pela quarta vez em dois meses — reuniram partidos de oposição e grupos de ativistas pelo país. Segundo os organizadores, houve protestos em mais de 300 cidades, entre elas, 19 capitais. Sob o título #24JContraBolsonaro, eles pediram o impeachment do presidente e criticaram a gestão da pandemia e a alta do preço dos alimentos. Também defenderam as eleições de 2022.
Em São Paulo, o ato ocupou parte da Avenida Paulista e foi menor e mais disperso que os anteriores. Todos os 15 quarteirões da avenida foram fechados para carros, mas os manifestantes se dividiram em bolsões nos oito quarteirões entre a Consolação e a rua Pamplona. Onze carros de som estavam estacionados em pontos estratégicos. No primeiro, no começo da Paulista, estavam PSDB, PDT, Cidadania, grupos de renovação de matriz liberal, como Livres e Acredito, e outras lideranças.
Bandeiras com o nome de Ciro Gomes e Bruno Covas dividiram espaço com faixas do Solidariedade e movimentos de mulheres. Nos bastidores, os organizadores se esforçaram para evitar um novo confronto entre militantes do Partido da Causa Operária (PCO) e do PSDB, como aconteceu na última manifestação.
O PCO montou uma barraca em frente ao Masp, onde estava seu carro de som, que reuniu as principais lideranças. Foi lá que o ex-prefeito Fernando Haddad (PT) e o líder do MTST, Guilherme Boulos (PSOL) — os políticos de maior expressão presentes — discursaram. “Não vamos esperar sentados até 2022. O barco do Bolsonaro começou a afundar, e eles chamaram o Centrão para conduzir o barco. Logo ele, que na eleição de 2018 dizia que era de fora da política e ia acabar com a mamata”, disse Boulos. “O Braga Netto (ministro da Defesa) deve estar com medo do que vai acontecer a partir da semana que vem. Quando esse povo estiver vacinado, vamos encher as ruas deste país. São 507 cidades unidas contra o Bolsonaro”, destacou Haddad.
Tumulto
À noite, alguns manifestantes entraram em confronto com a Polícia Militar. A PM informou, em seu Twitter, que algumas pessoas quebraram vidros de uma agência de banco e tentaram tirar tapumes da frente de uma concessionária.
A Tropa de Choque usou bombas de gás lacrimogêneo. No início da noite, o governador João Doria (PSDB), disse, em nota: “Condeno o vandalismo nas manifestações de hoje (ontem). Quem age como vândalo é tão autoritário e violento como aquele que é alvo do protesto”.
Além dos protestos em São Paulo, destacaram-se atos no Rio de Janeiro, em Belo Horizonte e no Recife. No Rio, os grupos se concentraram junto ao Monumento a Zumbi dos Palmares, ocupando, ao longo de 300 metros, as pistas da Avenida Getúlio Vargas. No principal carro de som, o deputado federal Alessandro Molon (PSB-RJ) pediu a prisão de Bolsonaro “por negligência na condução do combate à pandemia”. Segundo ele, o presidente “não pode apenas ser tirado da Presidência, tem de ir para a cadeia”.
Em Salvador, o protesto reuniu algumas centenas de pessoas, sob chuva fraca em alguns momentos. No Recife, a concentração ocorreu na região central da cidade, onde, além das bandeiras dos partidos de esquerda, havia outras do Brasil, de Cuba e da Palestina. Houve, ainda, manifestações em São Luís, Maceió, Vitória, Fortaleza, Aracaju, João Pessoa, Natal, Teresina, Belém, Palmas, Goiânia, Campo Grande, Florianópolis e Porto Alegre. (Com Agência Estado)
Presidente passeia com Braga Netto
Alvo de pedidos de impeachment e manifestações nas ruas e criticado por autoridades do Legislativo e Judiciário pelas ameaças às eleições de 2022, o presidente Jair Bolsonaro disse, ontem, que, se perder o apoio popular, “acabou”. A frase foi dita em frente ao Palácio do Alvorada, enquanto o mandatário conversava com populares sobre a relação que mantém com seus apoiadores. “Se eu perder o apoio popular, acabou”, afirmou.
Com a administração federal na mira da CPI da Covid, Bolsonaro tem registrado quedas sucessivas no nível de popularidade. Segundo o último Datafolha, 51% avaliam o governo como ruim ou péssimo, seis pontos porcentuais a mais do que o último levantamento, em maio.
Também na conversa de ontem, Bolsonaro voltou a defender o voto impresso e a ameaçar a realização do pleito em 2022, caso a medida não seja aprovada e implantada nas próximas eleições. “Na quinta-feira, vou demonstrar em três momentos a inconsistência das urnas, para ser educado. Não dá para termos eleições como está aí”, disse, recebendo apoio do grupo.
Mais cedo, Bolsonaro fez um passeio de moto por regiões próximas ao centro da capital federal. Sem máscara, conversou e tirou fotos com apoiadores na Estrutural e também em quadras residenciais da Asa Norte. Ainda fez uma parada na Catedral. Em parte do passeio, ele foi acompanhado pelo ministro da Defesa, Walter Braga Netto, pivô da mais recente crise envolvendo ameaças às eleições.
Conforme o Estadão, no dia 8, Braga Netto, por meio de um importante interlocutor político, enviou um recado ao presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), sobre o pleito de 2022: “O general pediu para comunicar, a quem interessasse, que não haveria eleições em 2022, se não houvesse voto impresso e auditável”.
Questionado sobre o episódio envolvendo o ministro da Defesa, Bolsonaro acelerou a moto e não respondeu à pergunta. Nesse momento, Braga Netto já não estava acompanhando o presidente.
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Ataque a símbolo da escravidão
Aos menos 20 pessoas atearam fogo em pneus na base da estátua do bandeirante Borba Gato, na zona sul de São Paulo, ontem. De acordo com a Polícia Militar, o monumento ficou danificado, mas ninguém foi detido. Não houve registros de feridos ou qualquer outro incidente. O ataque, no entanto, se tornou rapidamente alvo de disputa ideológica em discussões nas redes sociais.
Um grupo chamado Revolução Periférica publicou fotos e vídeo da estátua em chamas. Apesar de não assumir a autoria, em uma das imagens é possível ver os pneus já incendiados e uma faixa com o nome do grupo e a frase: “A favela vai descer e não será carnaval”.
Enquanto expoentes da esquerda manifestaram apoio, grupos na direita retrataram o caso como terrorismo. O deputado federal Ivan Valente (PSol-SP) classificou o ato contra a estátua como “ação simbólica importante”. Já o advogado Arthur Weintraub, ex-assessor da Presidência da República, disse que se tratava de uma ação “terrorista” para “apagar nossa história e criar o caos”.
O ataque remete a uma onda de protestos contra monumentos a figuras históricas ligadas ao colonialismo e à escravidão, que ganhou força nos Estados Unidos e na Europa em 2020. Estátuas de Cristóvão Colombo, considerado o descobridor do continente americano, foram depredadas em cidades americanas durante as manifestações antirracistas do ano passado. Em Bristol, na Inglaterra, manifestantes jogaram no rio uma escultura do traficante de escravos Edward Colston.
Borba Gato foi um bandeirante paulista que, no século 18, caçou indígenas e negros. Atualmente, a condição de símbolos desses pioneiros da interiorização do país é questionada.