A crise provocada pelo ministro da Defesa, general Walter Braga Netto, complicou ainda mais a situação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 135, de 2019, que prevê a mudança do sistema de votação para incluir a impressão do voto com fins de auditagem. Se a derrota do relatório na comissão especial já era dada como certa antes do recesso, as chances de avançar minguaram de vez depois das supostas ameaças do militar de que não haverá eleições em 2022 se o texto não passar no Congresso. O presidente Jair Bolsonaro, no entanto, é enfático na defesa da proposta e segue no ataque às urnas eletrônicas.
Parlamentares afirmaram que Braga Netto acabou trabalhando contra a PEC do governo. Cálculos de partidos do Centrão chegam a apontar uma proporção de quatro votos contrários para cada dois favoráveis.
O tema já era alvo de articulação de DEM, MDB, PSDB, PP, PSD, PSL, Avante, Republicanos, Solidariedade, Cidadania e PL, contrários à proposta. O texto seria votado na comissão especial antes do recesso, mas, diante da iminente derrota, o governo manobrou para adiar. Agora, mesmo integrantes dessas siglas que ainda defendiam a PEC começam a mudar de opinião.
Deputados mais cautelosos disseram, ainda, não ser possível sustentar que a proposta está enterrada. Na condição de anonimato, um articulador pregou cautela. Já um parlamentar do Republicanos minimizou a crise, mas frisou que deputados querem acabar logo com a discussão: se for aprovada na comissão, que siga ao plenário.
Vice-líder do MDB, o deputado Hildo Rocha (MA) não vê possibilidade de o texto passar. “Eu acho que ela vai ser enterrada. Vai ser arquivada. Ele (Braga Netto) jogou uma pá de terra na PEC. Já estava difícil ser aprovada. Com essa mensagem do Braga Netto, ficou impossível”, cravou.
Fábio Trad (PSD-MS), que assinou requerimento de convocação de Braga Netto pela Câmara, está entre os que veem como uma questão de honra derrubar a PEC. “O Congresso não pode abaixar a cabeça. Se a Câmara votar favorável à PEC, a sociedade vai imaginar que foi por conta da ameaça feita pelo Braga Netto”, argumentou. “Assim, estaríamos nos submetendo a um relacionamento com domínio e submissão, com ameaças e chantagens. Isso fulminaria e aniquilaria o princípio da tripartição dos Poderes. Seria a declaração de um regime ditatorial.”
O deputado João Marcelo Souza (MDB-MA) reforçou que o Congresso “não pode, nunca, se deixar intimidar”. “Temos de peitar o Executivo, no sentido de que cabe a nós resolver o que é de ordem do Legislativo. Não podemos nos deixar levar pela forma açodada com a qual somos tratados”, afirmou. “Qualquer opinião do Executivo sobre se vai ter ou não eleição, com ou sem voto impresso, é inválida no regime democrático. Vai depender do Congresso Nacional decidir.”
O líder da oposição, Alessandro Molon (PSD-RJ) vai na mesma linha. “A rejeição do voto impresso pela comissão da Câmara já era bem provável antes do recesso. Agora, tornou-se praticamente certa”, afirmou. Para o deputado Carlos Zarattini (PT-SP), a derrubada da matéria deve ser uma resposta aos militares. “Isso vai ser importante”, destacou.
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“Exército”
Ontem, Bolsonaro investiu novamente contra o atual sistema eleitoral. Ele afirmou que a população não aceitará as eleições de 2022 sem o voto impresso. O mandatário ainda comparou os eleitores a um “exército” e voltou a criticar o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Luís Roberto Barroso.
“O Barroso...sem comentários. Mas tudo bem. O nosso exército, que são vocês, não vai aceitar acontecer o que ocorreu em outros países, porque depois, para retornar, pessoal... O que a gente quer é jogar dentro das quatro linhas da Constituição, e queremos eleições limpas”, disse a apoiadores na saída do Palácio da Alvorada. “Eleições que não sejam limpas não são eleições. É uma coisa simples de entender. Eleição fraudada não é eleição, isso não é democracia.”
Bolsonaro reconheceu que se o projeto de voto auditável fosse colocado em votação hoje, “não passaria”. “Fico me perguntando por que não querem voto impresso. (…) De repente, Barroso foi para dentro do Congresso, conversou com líderes, e eles trocaram as composições dos seus representantes nas comissões. Hoje, na comissão, não passa.”
O presidente repetiu que Barroso tem interesse nas eleições do próximo ano. “Qual é o interesse dele? Tinha de ser o primeiro a dizer: ‘Presidente, o voto impresso é mais uma segurança’ e dar um motivo qualquer para não ter. Não essa desculpa esfarrapada de ‘não tem dinheiro’. O dinheiro quem trata sou eu, não é ele. Não vai faltar dinheiro para comprar a maquininha para imprimir o voto.”
Pelo Twitter, Barroso explicou a ida ao Congresso: “A verdade, no Brasil de hoje, precisa ser restabelecida a cada dia. Estive na Câmara dos Deputados, após insistentes convites da própria comissão de voto impresso, para explicar que temos voto seguro, transparente e auditável”, escreveu.
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