AMEAÇA

Negativa de Braga Netto sobre ameaça a eleições não convence parlamentares

Pelas redes sociais, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), refutou a possibilidade de não haver eleição

Luiz Calcagno
Sarah Teófilo
postado em 23/07/2021 06:00 / atualizado em 23/07/2021 09:06

A negativa do ministro da Defesa, Walter Braga Netto, não foi suficiente para convencer parlamentares de que o militar não ameaçou as eleições de 2022. Ninguém acreditou no “desmentido”. Até porque a nota do general não é enfática em relação aos fatos relatados na reportagem do Estadão, que apontou que em julho deste ano um interlocutor político mandou um “recado” de Braga Netto ao presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL): que se a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que institui o voto impresso auditável não for aprovada no Congresso, não haverá eleição em 2022, fazendo coro ao que vem sendo dito pelo presidente Jair Bolsonaro.

Na nota, Braga Netto apenas disse que não conversa por meio de interlocutores, e voltou a defender, nas entrelinhas, o voto impresso. Integrantes do governo e do Congresso afirmam que o referido interlocutor citado, que mandou o recado de Braga Netto, seria o senador Ciro Nogueira (PP-PI), futuro ministro da Casa Civil. Parlamentares de partidos de centro, incluindo do Centrão, disseram ao Correio que acreditam na ameaça relatada pelo jornal.

O próprio Lira não negou publicamente. Até disse a alguns jornalistas que o diálogo relatado com detalhes não aconteceu, mas pelo seu Twitter disse apenas que “a despeito do que sai ou não na imprensa, o fato é: o brasileiro quer vacina, quer trabalho e vai julgar seus representantes em outubro do ano que vem através do voto popular, secreto e soberano”. “As últimas decisões do governo foram pelo reconhecimento da política e da articulação como único meio de fazer o País avançar”, pontuou. 

Vice-líderes de legendas do Centrão na Câmara consultados pelo Correio demonstraram, de forma geral, que essa ala que hoje dá sustentação ao governo não está disposta a embarcar em aventuras golpistas por parte do governo. Um deputado de grande articulação de uma legenda de centro disse que não acredita que as siglas do chamado Centrão de fato apoiariam alguma atitude antidemocrática, como a não realização de eleições em 2022.

Um dos vice-líderes do PL, Vicentinho Júnior (TO) disse que quer crer que a situação não passou de um mal entendido, com uma interpretação errônea da fala de Braga Netto. O parlamentar afirmou que conversou com alguns colegas de bancada, e que a informação é que o suposto interlocutor citado pelo Estadão, que teria levado o recado de Braga Netto a Lira, entendeu uma fala do general de forma equivocada e a repassou ao presidente da Câmara.

“Eu acho que teve má interpretação da fala do ministro. Na República de hoje não tem mais espaço para algo que não seja democracia. Eu quero crer que foi mal interpretado. Vou dar o crédito a ele. Prefiro acreditar que tenha sido mal interpretado do que de fato que ele tenha feito algum tipo de insinuação que vá de encontro a nossa democracia”, disse.

O deputado Fábio Trad (PSD-MS) um dos vice-líderes do partido, ressaltou que os fatos narrados pela reportagem são uma afronta ao Estado democrático de direito. Com a deputada Fernanda Melchionna (PSol-RS), fez um requerimento para que Braga Netto compareça à Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) para prestar esclarecimentos sobre o caso.

Há outro requerimento, nesse sentido, do deputado Rogério Correia (PT-MG). “Não é a primeira nem será a última notícia relacionada à inocorrência das eleições de 2022 se o Parlamento não votar da forma como o presidente quer. Isso é intimidação”, frisou Trad.

Vice-líder do PP na Câmara, Franco Cartafina (MG) afirmou que “não tem nenhum cabimento falar que não vai ter eleição” caso não seja aprovada a PEC do voto impresso. “A democracia não pode ser ameaçada por essa situação. Caso vá a discussão, que seja votada e aprovada, ou não. Mas a possível não aprovação não significa que se fale sobre não haver eleição, ou que se coloque o nosso processo democrático em xeque”, criticou.

De acordo com um vice-líder de legenda de centro na Casa, que não integra a base do Planalto, nos grupos de WhatsApp, deputados dessas siglas mostraram-se perplexos e irritados com a postura do governo. Eles viram uma tentativa de intimidação do Legislativo. Agora, muitos defendem “enterrar” a PEC, e alguns que cogitavam votar favoráveis estão repensando a decisão.

O líder do PSC e vice-líder do bloco PROS, PSC e PTB, deputado Aluisio Mendes (MA), também não acredita em ameaça de golpe. “Quando eu soube, como líder, liguei para o Lira, conheço a personalidade dele e perguntei se tinha fundo de verdade. Ele disse que, se tivesse acontecido, seria no mesmo tom a resposta. Isso, para mim, é factoide”, frisou. “E eu, conhecendo o Arthur, tenho certeza de que a atitude dele seria muito dura. Teria partido para o ataque.”

Pelas redes sociais, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), refutou a possibilidade de não haver eleição. “Decisões sobre o sistema político-eleitoral, formas de financiamento de campanhas, voto eletrônico ou impresso, entre outros temas, cabem ao Congresso Nacional, a partir do debate próprio do processo legislativo e com respeito às divergências e à vontade da maioria”, escreveu. “Seja qual for o modelo, a realização de eleições periódicas, inclusive em 2022, não está em discussão. Isso é inegociável. Elas vão acontecer, pois são a expressão mais pura da soberania do povo. Sem elas, não há democracia, e o país não admite retrocessos.”

O senador Omar Aziz (PSD-AM), presidente da CPI da Covid, afirmou que se a notícia for verídica é “um fato muito grave”. Perguntado se o governo deveria se posicionar sobre o assunto, respondeu: “O posicionamento do presidente não é diferente desse recado que possivelmente o Lira tenha recebido. O presidente tem falado isso, que não vai participar de eleição se não tiver voto impresso. Eleição não é isso, eleição não pode acontecer com A ou B colocando condições. Existe uma lei eleitoral e ela precisa ser cumprida. Quer discutir voto impresso? Isso é uma discussão que tem que ser tratada em nível de Congresso”.

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