Com dois impeachments em menos de 30 anos, frequentes crises políticas e institucionais e um clima de instabilidade política toda vez que a economia desanda ou esquemas de corrupção são revelados, há quem defenda que o modelo do presidencialismo de coalizão, que vigora hoje no Brasil, é ineficaz. Na última segunda-feira (19), o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL) veio a público defender a discussão sobre a volta do semipresidencialismo para as eleições de 2026.
O argumento de Lira é que o projeto pode ajudar a diminuir a “instabilidade crônica” que, segundo ele, o país enfrenta há muito tempo. A adoção desse sistema é defendida por nomes relevantes da política nacional, como é o caso do ex-presidente da República Michel Temer (MDB) e do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) e presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Luís Roberto Barroso.
As verdadeiras motivações de Lira, no entanto, não estão claras, e especialistas veem a possibilidade de um plano de longo prazo para conseguir mais protagonismo político. Um sistema semipresidencialista daria mais poder ao Congresso. Isso porque o Poder Executivo não teria apenas o presidente da República tomando decisões. Ele dividiria o poder com um primeiro-ministro, indicado pelo presidente, que seria o chefe de governo, com poder de indicar ministros e chefiá-los.
É o que explica Paulo Kramer, professor aposentado de ciência política da UnB e analista de risco político. “Diferentemente do parlamentarismo clássico adotado em lugares como o Reino Unido, Itália, Noruega, no semipresidencialismo, o presidente é eleito diretamente”, pontua.
“Estabeleceu-se isso: um presidente eleito pelo povo compartilharia o poder como primeiro ministro. Ele não teria funções meramente cerimoniais, caberia a ele o comando das Forças Armadas e da política externa e a autoridade legítima conquistada nas urnas”, disse Kramer. Ele acredita, no entanto, que o modelo não daria certo no Brasil porque a cultura política é “precária, subdesenvolvida, instável e imatura”.
“Isso pode levar ao seguinte desfecho: um presidente, chefe de Estado, eleito por dezenas de milhões de votos e, do outro lado, um chefe de governo, deputado ou senador que pode ter sido eleito por milhões de votos a menos. Seria uma crise encomendada”, pontuou o especialista. Ele acredita que o presidencialismo é um fracasso, dado o grande número de partidos que o Brasil possui.
“O fato é que o único presidencialismo que funciona no mundo, o dos EUA, é um sistema desenhado há mais de 200 anos pelos elaboradores da constituição americana, mas foi feito para funcionar só com dois partidos”. Kramer defende, portanto, um modelo de parlamentarismo clássico, onde o presidente da República perde a maior parte de suas atribuições e o Poder Legislativo é protagonista.
Caos
O país já possui um governo controlado — mesmo que de forma não oficial — pelo parlamento. Isso porque, no presidencialismo de coalizão, se o presidente da República não faz acordos e negocia cargos ou emendas orçamentárias, perde apoio do Congresso e fica enfraquecido politicamente, o que afeta sua governabilidade.
Um modelo de parlamentarismo que desse ao Centrão, por exemplo, o protagonismo das decisões políticas que hoje cabem ao Executivo seria caótico. Essa é a opinião de Eduardo Grin, cientista político e professor da FGV EAESP. “No atual Congresso, com o Centrão mandando em tudo, qual a probabilidade de o parlamento pensar em políticas para o Brasil nesse contexto? Eles estão preocupados com fundo eleitoral, com emendas”, afirmou.
Além disso, ele observa que os principais exemplos de semipresidencialismo hoje, na França e em Portugal, se dão em um contexto com menos partidos políticos. “Hoje com o presidencialismo de coalizão, há compra de votos, emendas, orçamento secreto e tudo mais. A lógica é: quanto menos partidos eu tenho, maior a possibilidade de fazer coalizão. O argumento a favor desse sistema é de que o poderia preservar os poderes, evitar crises institucionais, como o impeachment, porque o presidente manteria seu cargo e quem cairia seria o primeiro-ministro”, explicou.
Nesse caso, o primeiro-ministro poderia ser derrubado se houver uma moção de desconfiança, quando o parlamento entende que ele não tem mais condições de governar. O presidente da República também poderia “demiti-lo”.
Partidos de oposição, especialmente o PT, têm se posicionado contra o modelo, alegando que se trata de uma manobra para mudar as regras do jogo e evitar que a esquerda volte a ocupar a chefia do Poder Executivo. O principal argumento é o de que a população prefere o modelo presidencialista. O ex-presidente Lula, disse, ontem, que a discussão é "um golpe para que evitar que nós possamos ganhar as eleições".
Grin diz, no entanto, que utilizar os plebiscitos feitos em 1963 e em 1993 como base na discussão é inviável. “É um argumento falho. A sociedade muda e os sistemas não são eternos, precisam ser ajustados. A discussão é saber se essa mudança não tem um caráter muito conjuntural, como ser a proposta para uma crise atual. Uma vez que está contratado para 2026, todo o sistema político começa a se organizar em função dessa mudança”, explica.
“Não devemos descartar essa proposta. Corremos o risco de sofrer o terceiro impeachment em 30 anos. O sistema brasileiro se mostrou frágil. Pensar soluções para ele não é inviável”, completa.
Parlamentares apoiam mudanças
Entre deputados federais — com exceção daqueles que compõem a oposição —, a ideia é vista com bons olhos. O deputado Fábio Trad (PSD-MS) é a favor do modelo, desde que ele vigore só a partir de 2026. “Vigorando a partir de 2026, a princípio eu vejo com simpatia o modelo proposto. Acho que é um amortecedor de crises que pode contribuir para dinamizar as atividades rotineiras da política nacional sem que haja solução de continuidade com possibilidades de ruptura institucional.”
Para ele, já é hora de o país experimentar um modelo de governo que “faça frente a esta crise permanente que estamos testemunhando há uma década, com pedidos frequentes de impeachment e instabilidade que afeta a economia e a vida das pessoas”. Ele acredita que a mudança, no entanto, deve passar por um plebiscito, para fazer jus à tradição. Arthur Lira tem defendido a mudança via Proposta de Emenda à Constituição (PEC).
Já o deputado Kim Kataguiri (DEM-SP) vê, por parte de Lira, uma tentativa de desviar o foco dos mais de 100 pedidos de impeachment contra Bolsonaro que ele se recusa a dar prosseguimento. Ele afirma, no entanto, ser favor do modelo parlamentarista, onde o presidente da República tem função meramente simbólica. Isso, segundo ele, traria “facilidade de resolver crises políticas”.
“No parlamentarismo, o Congresso é obrigado a formar maioria, senão é dissolvido. Há maior representatividade: os principais candidatos a primeiro-ministro, ainda que derrotados, lideram suas bancadas pelo resto da legislatura, participando ativamente do debate público”, defende. Também há, segundo ele, menos espaço para líderes populistas.
Kataguiri entende que a mudança do sistema de governo pode ser feita via PEC. “Entendo que a única previsão de plebiscito para o sistema de governo já ocorreu, a que consta no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT). Agora teria de ser por PEC, mas a população pode ser consultada antes”, completa.
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