A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid-19 começa esta 11ª semana de funcionamento dividindo o foco entre as investigações de esquemas de corrupção no Ministério da Saúde e a necessidade de fazer pressão interna para garantir a continuidade dos trabalhos. De um lado, os senadores se concentram em avançar a partir de oitivas importantes com intermediadores que atuaram em negociações suspeitas de vacinas. Do outro, a leitura do requerimento de prorrogação da CPI por mais 90 dias é demanda urgente dos membros, mas que não conta com a mesma vontade política por parte do responsável por pautá-lo em Plenário.
Ao contrário. O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), promete acelerar a votação da Lei de Diretrizes Orçamentárias até o dia 17. Concluída a votação, o Congresso entraria em recesso. Neste período, a CPI pode até analisar documentos recebidos, mas fica impedida de realizar atos deliberativos, como votar requerimentos e ouvir testemunhas. “É uma questão técnica. Se não for votada, teremos o recesso branco. Se votada, é o recesso imposto pela Constituição entre 17 e 31 de julho”, ressaltou Pacheco, frisando os “esforços para ter a LDO”.
Disposto a decretar recesso, Pacheco informou à cúpula da CPI, no entanto, que colocará em pauta a prorrogação dos trabalhos da comissão parlamentar. “É importante que seja lido antes do recesso”, destacou o vice-presidente da CPI, Randolfe Rodrigues (Rede-AP), responsável pelo requerimento. O pedido tem mais de um terço das assinaturas dos senadores, condição para que seja avaliado.
Ainda que o Congresso interrompa os trabalhos de 17 a 31 de julho, a CPI não irá fazer o mesmo, como tem reforçado o presidente da comissão, Omar Aziz (PSD-AM). “Eu quero falar aqui, como presidente da CPI, que a gente não vai parar. Não vamos entrar em recesso, vamos continuar trabalhando. Nós não temos o direito de tirar férias quando as pessoas estão morrendo. Temos a vida toda para tirar férias”, afirmou Aziz, em sessão da última terça-feira.
Os senadores elaboraram, inclusive, um cronograma de oitivas a serem realizadas nas próximas semanas. A programação inclui o depoimento do deputado Ricardo Barros (PP/PR), que ingressou com pedido na Justiça para ser ouvido imediatamente pela CPI . “Fui convidado para ser ouvido no dia 8/7 e confirmei. Foi desmarcado sem justificativa. Recorri ao STF para garantir a minha fala. Vou reafirmar que nada tenho com a Covaxin e responder os questionamentos. A CPI não pode sequestrar a minha honra”, disse pelas redes sociais.
Gravação no Planalto
Barros está na mira da CPI desde que o deputado Luis Claudio Miranda (DEM-DF) e o irmão, o servidor do Ministério da Saúde Luis Ricardo Miranda, apresentaram indícios de fraude na compra da vacina Covaxin, representada pela Precisa Medicamentos, empresa também alvo das investigações. Segundo Miranda, as informações foram levadas diretamente ao presidente Jair Bolsonaro, que teria citado ser o líder do governo o envolvido no “rolo” da vacina.
Enquanto Barros apela para ser ouvido, a fim de estancar o desgaste político, os senadores decidiram sabatinar mais pessoas e obter mais informações para respaldar o depoimento, remarcado para 20 de julho. A data, no entanto, foi estratégica, uma vez que coincide com o recesso e, portanto, inviabiliza a realização da sessão. Novamente, isso foi motivo de reclamação por parte de Barros e os senadores reagiram. “Não é investigado ou testemunha que define data de depoimento, muito menos ele é quem define se terá recesso ou não. Ele será ouvido no momento oportuno das investigações”, rebateu Randolfe.
Confiante na independência dos Poderes, o senador Humberto Costa (PT-PE) considera improvável que o Supremo intervirá a favor de Barros. Da mesma forma que não cabe ao convocado ditar o dia em que será chamado, “também não é dever do Supremo marcar data de reunião aqui no Congresso. Imagina nós querendo marcar data de julgamento no Supremo? Não faz sentido”.
Uma outra tática em atrasar o depoimento é pressionar Bolsonaro para que responda sobre a denúncia que recai sobre ele. A linha de frente da CPI enviou carta ao mandatário no sentido de quebrar o silêncio. No enredo, ainda entra um suposto áudio que confirmaria a versão de Miranda de que Bolsonaro atribuiu a Barros a articulação do esquema, bem como a promessa do presidente em levar a suspeita à Polícia Federal. No entanto, a existência da gravação ainda é uma incógnita. A situação deixa o presidente em situação delicada. Caso o áudio seja verdadeiro, bem como o relato de Miranda, fica provado que Bolsonaro se omitiu ante um esquema criminoso. Seria a prova de que houve prevaricação.
Agenda da CPI
Terça-feira
Emanuele Medrades, representante da Precisa Medicamentos, que assina o contrato da Covaxin.
Quarta-feira
Amilton Gomes de Paula, reverendo batista que preside a ONG Senah (Secretaria Nacional de Assuntos Humanitários). O reverendo, como intermediário da Davati, teria apresentado Luiz Dominguetti aos representantes do governo federal que trataram da compra de vacinas.
Quinta-feira
Marcelo Blanco, tenente-coronel e ex-assessor do Delog (diretor substituto), citado por Luiz Dominguetti como a pessoa que fez a ponte entre ele e Roberto Ferreira Dias.
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Foco nas negociações com intermediação
É a partir dos depoimentos a serem realizados esta semana que os senadores da CPI pretendem dar robustez à hipótese de que vacinas negociadas com o Ministério da Saúde a partir de uma empresa intermediadora no processo são parte de um bilionário esquema de propina que beneficiou empresários, lobistas, políticos e membros da alta cúpula da pasta, incluindo militares.
Amanhã, os parlamentares ouvem a diretora técnica da Precisa Medicamentos, Emanuela Medrades. Representante oficial da Bharat Biotech, fabricante da vacina indiana Covaxin, a Precisa virou alvo da CPI por ter sido contratada pelo governo federal, mesmo com o preço mais caro entre as candidatas e sem qualquer aval da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), à época. Com o avanço das apurações, verificou-se que a empresa aumentou o faturamento em 6.000% nos três anos de governo Bolsonaro e que pertence ao empresário Francisco Maximiano, também sócio da Global. Em 2017, a Global fechou acordo de medicamento com o Ministério da Saúde e não honrou o contrato. O calote provocou um rombo de aproximadamente R$ 20 milhões aos cofres públicos.
Também convocado, Maximiano conseguiu habeas corpus no Supremo Tribunal Federal (STF) com direito a permanecer em silêncio durante o depoimento. Diante disso, os senadores priorizaram Emanuela, responsável oficial pela troca dos emails com o governo federal. A convocação de Emanuela Medrades foi requerida pelos senadores Otto Alencar (PSD-BA) e Alessandro Vieira (Cidadania-SE) e aprovada pela CPI em 30 de junho, com transferência de sigilo telefônico e telemático da diretora da Precisa. O objetivo da convocação, segundo o senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE), é “esclarecer os detalhes de potencial beneficiamento da Bharat Biotech, representada no Brasil pela Precisa Medicamentos, na negociação de compra de vacinas pelo Ministério da Saúde”.
Reverendo
Outra negociação suspeita na mira dos senadores diz respeito à oferta de 400 milhões de doses da AstraZeneca feita pela empresa Davati Medical Supply, que não apresentou comprovação de ser representante da farmacêutica. Após o depoimento do cabo da Polícia Militar Luiz Dominghetti, representante comercial que relatou pedido de propina de US$ 1 por dose de vacina, agora é a vez do reverendo Amilton Gomes de Paula, apontado como intermediador entre a Davati e o ministério e quem teria introduzido Dominghetti ao grupo.
Amilton dirige a Secretaria Nacional de Assuntos Humanitários (Senah), uma entidade privada. Ele esteve presente em várias reuniões para negociar a vacina, sendo o responsável pelo envio da proposta, como afirmou o ex-diretor de Logística da Saúde Roberto Dias. O servidor saiu preso da sessão na última semana e é apontado como responsável pelo pedido de propina, versão dada por Dominghetti e negada por Dias.
Autor do pedido de convocação do reverendo, o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) aponta que o valor apresentado pelo religioso, de US$ 17,50, era superfaturado. “Três vezes mais do que o Ministério da Saúde pagou em janeiro a um laboratório indiano. O valor também é bem maior do que o mencionado pelo policial militar Luiz Paulo Dominghetti, que se identifica como intermediário entre a Davati e o Ministério da Saúde na mesma negociação de 400 milhões de doses. Ele informou que o valor da vacina vendida era de US$ 3,50”, argumenta.
Para encerrar a semana, a CPI deve ouvir o coronel Marcelo Blanco, ex-diretor-substituto de Logística do Ministério da Saúde, que também seria uma das figuras envolvidas nas negociações junto à Davati. Ele também estava presente no jantar da propina.