Os ataques do presidente da República, Jair Bolsonaro, a integrantes dos Poderes da República e ao sistema eleitoral brasileiro continuam a provocar reações. Um dia depois de o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), e o Tribunal Superior Eleitoral assegurarem o compromisso com a ordem democrática, oito legendas partidárias se manifestaram, em abaixo-assinado, o repúdio às declarações do presidente e em defesa da urna eletrônica. Entre os parlamentares, enquanto o senador Renan Calheiros (MDB-AL) respondeu aos ataques presidenciais de forma contundente, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-Al), disse que o país deve concentrar esforços no combate à pandemia. Bolsonaro, por sua vez, continuou a desferir ataques a quem o desagrada.
“A democracia é uma das mais importantes conquistas do povo brasileiro, uma conquista inegociável. Nenhuma forma de ameaça à democracia pode ou deve ser tolerada. E não será", manifestaram os presidentes de oito partidos da chamada terceira via. “Quem se colocar contra esse direito de livre escolha do cidadão (eleições) terá a nossa mais firme oposição”, acrescentaram. Assinam o documento os presidentes de partidos ACM Neto (DEM), Baleia Rossi (MDB), Bruno Araújo (PSDB), Eduardo Ribeiro (Novo), José Luís Penna (PV), Paulinho da Força (Solidariedade) e Roberto Freire (Cidadania) e Luciano Bivar (PSL). O PSL foi a última legenda a abrigar Jair Bolsonaro, que está à procura de partido.
Aliado do governo, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), deu declarações dúbias. Primeiramente rechaçou qualquer tentativa de ruptura democrática. “Não terá o nosso apoio qualquer insurgência de quebra da regra institucional”, disse. “Nossas instituições são fortalezas que não se abalarão com declarações públicas e oportunismo. Enfrentamos o pior desafio da história com milhares de mortes, milhões de desempregados e muito trabalho a ser feito", completou o deputado.
O presidente da Câmara descartou, mais uma vez, a possibilidade de impeachment, instrumento previsto na Constituição e que acumula uma centena de pedidos contra Bolsonaro. “Não temos condição de um impeachment para esse momento. O Brasil não deve se acostumar a desestabilizar a política em cada eleição. Não podemos fazer isso. Precisamos, talvez, alterar o sistema do Brasil para um parlamentarismo”, disse, em entrevista à CNN.
Lira defendeu a realização de eleições não somente como “a maneira democrática de escolher o nosso representante”, mas também “para que a população absorva que não podemos, o tempo todo, ter rupturas políticas, nem a nível de golpe, nem a nível de impeachment caindo toda hora sobre a cabeça dos brasileiros e dos candidatos, principalmente à presidência da República”.
Não apenas políticos se manifestaram sobre as declarações de Bolsonaro. A Associação Nacional de Procuradores da República (ANPR), entidade que representa os membros do Ministério Público Federal, publicou nota crítica às declarações de Bolsonaro contra o processo eleitoral no país. A associação argumenta que críticas ao sistema eleitoral “não podem se basear em suposições, em alegações genéricas e sem provas. Além disso, a discussão acerca do modelo de votação jamais pode ocorrer em um ambiente de ameaças sobre a própria realização das eleições, pois isso violaria a Constituição e o próprio regime democrático”, afirma o texto.
“A adoção de métodos ou discursos que desestabilizem o funcionamento adequado das instituições merece não apenas repúdio, mas vigilância permanente quanto a seus efeitos e aos riscos para a nossa democracia. A ANPR reafirma o seu compromisso com a defesa da Constituição de 1988 e rechaça qualquer tipo de retrocesso nessa matéria”, acrescenta a nota.
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Motociata no RS
Com a imagem cada vez mais desgastada diante dos indícios de corrupção revelados pela Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid-19, o presidente da República Jair Bolsonaro continua a esbravejar. Insiste em insultar senadores da CPI, ofender autoridades do Judiciário e a questionar o sistema eleitoral que o levou ao Palácio do Planalto.
Ontem, em Porto Alegre, o mandatário se ocupou de passear de motocicleta com o ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência do Brasil, Onyx Lorenzoni, na garupa. Sem máscara, o presidente participou de uma nova motociata, desta vez em Porto Alegre. O percurso acompanhado por milhares de apoiadores e terminou com um discurso de novos ataques à CPI e ao TSE, com direcionamento ao presidente do tribunal e ministro do STF Luís Roberto Barroso.
Bolsonaro manteve a carga contra o magistrado. “Beira a pedofilia o que ele defende”, referindo-se à decisão do Supremo sobre redução da idade para estupro de vulnerável (leia mais abaixo). “Ministro que defende o aborto, a liberação das drogas. Com essas bandeiras todas, ele não tinha que estar no Supremo. Tinha que estar no parlamento”, atacou o presidente. Em outro momento, ao criticar o sistema eleitoral e defender o voto impresso, Bolsonaro justificou as objeções com novos ataques. “O que o Barroso quer é a volta da roubalheira, a volta da impunidade através da fraude eleitoral. (...) Não adianta querer me ameaçar, porque ele não tem moral para mover um processo contra um batedor de carteira, esse ministro”, acusou.
Bolsonaro sustenta a toada apesar do posicionamento oficial do Tribunal Superior Eleitoral em defesa das eleições. Com apoio de ministros do Supremo Tribunal Federal e do TSE, favoráveis a uma resposta institucional diante das ameaças à estabilidade democrática, Luís Roberto Barroso afirmou, na sexta-feira, que “qualquer atuação no sentido de impedir a ocorrência (de eleições) viola princípios constitucionais e configura crime de responsabilidade”, o que motiva a abertura de um impeachment contra o chefe do Executivo.
O presidente da República tem deixado claro sua insatisfação quanto aos caminhos da CPI. Para os integrantes da comissão, já ficou claro que houve omissão na compra de vacinas e adoção de políticas públicas ineficazaes no combate à covid-19 e na defesa da imunidade de rebanho natural. 'Bolsonaro desdenhou da pandemia, criou governo paralelo, sabotou os imunizantes, alastrou o vírus e entregou vidas a charlatães e lobistas de cloroquina como ele e os filhos; 300 mil mortes eram evitáveis; só quis a vacina quando houve chance de propina”, disse o relator da CPI, Renan Calheiros (MDB-AL).
Bolsonaro, no entanto, tenta construir outra narrativa. Para apoiadores, ontem, comemorou as decisões tomadas durante a crise sanitária. “Tudo que falei sobre essa pandemia, eu acertei”, disse. Segundo ele, houve aconselhamento “por pessoas maravilhosas, entre ministros e secretários”, completou em discurso após a motociata. O Brasil contabiliza 532.893 mortes pela doença.
Relator da CPI da Covid-19, Renan Calheiros (MDB-AL) reagiu em tom agressivo a Bolsonaro, que o chamou de “bandido” em entrevista à Rádio Gaúcha, concedida antes da motociata. Para o senador, as falas do chefe de Executivo formam “a retórica da Primeira Latrina”. E tripudiou. “Não sou especialista em anatomia, mas é preciso examinar se depois da facada não costuraram o intestino direto na garganta”. Na sexta-feira, Calheiros se solidarizou a Barroso, a quem definiu como “vítima do surto autoritário e desespero de Bolsonaro”.
Em “apoio irrestrito” ao presidente do TSE, o deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ) também rebateu Bolsonaro, chamando-o de “covarde”. “Sempre foi um pusilânime. Em 2018, atacava homossexuais, mulheres e qualquer um que pensasse diferente. Hoje, acrescentou à lista de ataques a urna eletrônica e o presidente do TSE porque sabe que a derrota é inevitável”, escreveu nas redes sociais.