Após quase oito horas de sessão, ontem, na CPI da Covid, o presidente da comissão, Omar Aziz (PSD-AM), tomou uma decisão que surpreendeu a todos, incluindo os seus pares: mandou prender o ex-diretor do Departamento de Logística (DLOG) do Ministério da Saúde Roberto Dias, que era ouvido no colegiado, por perjúrio. “Dei chances para ele o tempo todo. Eu pedi ‘por favor’, pedi várias vezes. Há coisas que não dá para admitir”, afirmou. Dias foi acusado pelo cabo da Polícia Militar de Minas Gerais Luiz Paulo Dominghetti, que se diz vendedor autônomo de vacinas contra covid-19, de cobrar propina para fechar contrato de compra de imunizante.
Após a ordem de prisão, Dias foi levado à sala da Polícia Legislativa. Quem lavra a ordem, no entanto, é a autoridade policial legislativa. Somente então, o detento tem o direito de mudar a versão. Aliados do governo foram ao local. O senador Marcos Do Val (Podemos-ES) explicou que, no caso de a autoridade policial manter a prisão, a pena é baixa e, por isso, afiançável. “Ele sai daqui para casa nas duas hipóteses”, destacou. O que, de fato, ocorreu. Após mais de cinco horas, Dias pagou fiança de R$ 1.100 e foi liberado. Responderá em liberdade.
A decisão de Aziz sobre a prisão, no entanto, provocou alvoroço. Mesmo senadores de oposição e independentes ao governo tentaram dissuadi-lo. Otto Alencar (PSD-BA) pediu para que ele levasse a questão ao colegiado, ainda que seja uma prerrogativa da presidência. Já Alessandro Vieira (Cidadania-SE) afirmou que, como não houve a prisão de outros depoentes que mentiram, o certo seria respeitar os precedentes. Parlamentares governistas, que já haviam deixado a sessão, retornaram.
O líder do governo no Senado, Fernando Bezerra (MDB-PE), pediu a Aziz que reconsiderasse a decisão, lembrando que o presidente da comissão sempre buscou equilíbrio e compreensão. Várias senadores se reuniram em volta de Aziz para tentar convencê-lo, sem sucesso. “Tenho sido desrespeitado aqui como presidente da CPI, ouvindo historinhas, versãozinha. Não aceito que a CPI vire chacota. Temos 527 mil mortos, e os caras brincando de negociar vacina”, argumentou Aziz e encerrou a sessão.
O principal ponto de controvérsia se refere ao encontro de Dias com Dominghetti, em 25 de fevereiro, num shopping de Brasília. O ex-diretor afirmou que o encontro foi “incidental”, que ele foi se encontrar com o amigo José Ricardo Santana, servidor público e ex-funcionário na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), para tomar um chope pós-expediente. No local, chegou, sem avisar, o tenente-coronel Marcelo Blanco, que era assessor do DLOG até janeiro deste ano.
Dias afirmou, então, ter pedido a Dominghetti que marcasse uma agenda no dia seguinte no ministério para que a questão sobre a venda de vacinas fosse discutida no órgão. As coincidências do encontro, entretanto, levantaram suspeitas dos senadores, uma vez que o cabo estava hospedado em um hostel em frente ao shopping.
Aziz, no entanto, se reportou a um áudio de Dominghetti, no qual, dois dias antes, ele dizia que ia se reunir com Dias, justamente no dia 25. “A compra vai acontecer. Está na fase burocrática. Em off, quem vai assinar é o Dias mesmo, só para você saber, tá? Caiu no colo do Dias, e a gente já se falou. Quinta-feira temos uma reunião para finalizar com o ministério”, afirmou o cabo da PM no áudio, mostrado na CPI depois que o presidente da comissão deu voz de prisão ao ex-diretor.
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Dossiê
Cerca de duas horas antes de tomar a decisão, Aziz frisou que Dias havia feito um dossiê para se proteger. “Nós sabemos onde está esse dossiê e com quem está. Não vou citar nomes para que a gente não possa atrapalhar as investigações. O senhor recebeu várias ordens da Casa Civil por e-mail, lhe pedindo para atender... Era ‘gente nossa’, ‘essa pessoa é nossa’. Não foi agora, não. Isso foi durante o tempo todo em que vossa excelência esteve nesse cargo”, destacou.
O parlamentar queria que o ex-diretor do ministério confirmasse nomes à CPI, mas o único citado por ele foi o do ex-secretário-executivo da pasta Elcio Franco, afirmando que cabia a ele toda negociação das vacinas contra covid-19.
A suspeita dos senadores é de que haveria dois grupos no ministério, um de militares e outro de parlamentares do Centrão, que disputavam as tratativas sobre imunizantes. De acordo com Aziz, havia uma disputa na pasta. Um grupo teria tentado tirar Dias, mas não conseguiu, então, tirou dois dos subordinados dele. O parlamentar se referiu a outubro do ano passado, quando o então ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, tentou exonerar o ex-diretor, mas a demissão foi revertida.
Na avaliação do vice-presidente da comissão, Randolfe Rodrigues (Rede-AP), o esclarecimento levado por Dias é de que havia dois núcleos na disputa. “Um que ele integra e outro que era comandado e dirigido pelo coronel Elcio Franco. É uma disputa de poder e pelo controle dos esquemas de corrupção no âmbito do Ministério da Saúde”, acusou.
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Um servidor enrolado
Roberto Ferreira Dias, preso por determinação da CPI da Covid, chegou ao cargo de diretor do Departamento de Logística do Ministério da Saúde por apadrinhamento do Centrão. Ele foi exonerado do posto em 29 de junho, depois da denúncia de que teria pedido propina de US$ 1 para autorizar a compra da vacina AstraZeneca pelo governo federal. Ele nega a acusação.
As suspeitas de corrupção que recaem sobre Dias são decorrentes de denúncia feita à comissão pelo policial militar Luiz Paulo Dominghetti, que se apresenta como representante da empresa Davati Medical Supply. Em depoimento à CPI da Covid, na semana passada, ele confirmou ter recebido um pedido de propina para a compra de 400 milhões de doses da vacina.
Os requerimentos de convocação foram apresentados pelos senadores Humberto Costa (PT-PE) e Otto Alencar (PSD-BA). Os parlamentares disseram que a intenção era esclarecer também o suposto envolvimento de Dias em irregularidades na compra de outra vacina, a indiana Covaxin.
Responsável por assinar os principais contratos da pasta, ele é acusado de pressionar servidores do Ministério da Saúde para acelerar a importação do imunizante, mesmo com indícios de irregularidades no contrato.
A demissão de Dias na pasta aconteceu quatro dias após os depoimentos à CPI da Covid do deputado Luis Miranda (DEM-DF) e de seu irmão, Luis Ricardo Fernandes Miranda, chefe de importação do Departamento de Logística do Ministério da Saúde. Os dois disseram haver um esquema de corrupção envolvendo a compra da Covaxin e citaram o então diretor, apontando pressão para acelerar a compra da vacina.
Dias ocupava posto-chave no Ministério da Saúde e foi indicado pelo ex-deputado Abelardo Lupion (DEM-PR), ainda na gestão de Luiz Henrique Mandetta, do mesmo partido. Mas teria sido o atual líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (Progressistas-PR), ex-ministro da Saúde, o responsável pela recomendação. Barros nega ter apadrinhado o diretor.
Antes de chegar ao Ministério da Saúde, Ferreira Dias foi servidor do governo do Paraná durante a gestão de Cida Borghetti (Progressistas), mulher de Barros. O ex-fiscal de 41 anos foi diretor-geral da Secretaria de Infraestrutura e Logística do Estado (Seil).
No ano passado, ele quase ocupou uma diretoria da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). O próprio presidente Jair Bolsonaro desistiu da indicação, em outubro, após o jornal O Estado de S. Paulo mostrar que o diretor havia assinado contrato de R$ 133,2 milhões, com indícios de irregularidade, para compra de 10 milhões de kits de materiais utilizados em testes da covid-19.
Em fevereiro deste ano, foi um dos signatários do contrato firmado pelo Ministério da Saúde para aquisição de 10 milhões de doses da vacina Sputnik por R$ 693,6 milhões. O acerto foi fechado por meio da União Química antes mesmo de a Anvisa liberar o uso do imunizante no Brasil.
As declarações do ex-diretor do Ministério da Saúde
Confira os principais pontos do depoimento de Roberto Dias
Policial “picareta”
Roberto Dias afirmou que o depoente Luiz Paulo Dominghetti, policial militar de Minas Gerais que estava atuando como vendedor autônomo de vacinas, seria picareta. “Acerca da ligação do sr. Dominghetti, nunca houve nenhum pedido meu a esse senhor, além de documentos que nunca foram apresentados. O mesmo já reconheceu à CPI que nunca antes daquela data havia estado comigo. Estou sendo acusado sem provas por dois cidadãos: o sr. Dominghetti, que aqui nesta CPI foi constatado ser um picareta que tentava aplicar golpes em prefeituras e no Ministério da Saúde e, durante sua audiência, deu mais uma prova de sua desonestidade, mostrando não ser merecedor de nenhum crédito por parte desta Casa; e o nobre deputado federal Luis Miranda, conforme notícias relatam, possui um currículo controverso que me abstenho de citar e é de domínio público.”
Jantar “incidental”
Roberto Dias foi acusado por Dominghetti cobrar propina durante um jantar num restaurante de um shopping de Brasília, em 25 de fevereiro. “Eu tenho uma agenda com um amigo pra tomar um chope num restaurante. Essa é uma agenda minha. A outra que, incidentalmente, se apresenta após, eu não tenho nenhuma administração nem informação sobre ela”, alegou Dias. “(...) A minha agenda com o meu amigo para tomar um chope foi marcada por telefone entre nós. (...) Na sequência, o coronel Blanco chega com esse senhor, que posteriormente foi identificado como Dominghetti. Como não é um evento marcado, combinado, eu não me recordo de detalhes.”
Luis Miranda
O deputado do DEM do DF que denunciou, com o irmão, o servidor do Ministério da Saúde Luis Ricardo Miranda, o superfaturamento na compra da Covaxin, também foi citado por Roberto Dias. O depoente o chamou de “terceiro interessado” no cargo que ele ocupava no Ministério da Saúde. “Estranho depreender que todas as falsas e fantasiosas acusações (contra mim) de alguma forma se ligam ao deputado Luis Miranda. A primeira, em virtude da lotação funcional do seu irmão, que o subsidiou equivocadamente com documentos, invoices, que provocaram uma grande confusão”, relatou. “A segunda, tão sem pé nem cabeça quanto a primeira, acidentalmente demonstrou existir vínculo comercial entre o sr. Cristiano e o deputado Luis Miranda. A terceira, o senhor Cristiano (Carvalho, representante da Davati no Brasil) ligou para o sr. Dominghetti, com uma repórter da Folha, para que esse último contasse toda essa história fantasiosa. Estou avidamente tentando descobrir a quem interessa. Agora, fato é que soa muito estranho que tudo isso, todo esse ciclo, feche no deputado Luis Miranda.”
Elcio Franco
O depoente afirmou ter sido o ex-secretário Executivo do Ministério da Saúde Elcio Franco o responsável pelas negociações de compra da vacina indiana Covaxin. O imunizante foi oferecido a US$ 10 a unidade, mas seria comprado por US$ 15. “No âmbito de vacina contra a covid-19, o Departamento de Logística não participou de nenhuma formação de preço. Como todas as tratativas, apresentação de proposta e negociação eram feitas na SE (Secretaria-Executiva), esse processo chegava para o meu departamento já instruído”, enfatizou.