O depoimento à CPI da Covid da servidora do Ministério da Saúde Regina Célia Silva Oliveira deixou a impressão em senadores de que ela tentou proteger alguém. A fiscal do contrato de compra da vacina indiana Covaxin se amparou na burocracia para justificar problemas identificados por parlamentares nas negociações, disse não ter visto nada de irregular no documento e jogou para o setor de importação a responsabilidade sobre eventuais inconsistências.
Regina Célia foi convocada por causa do depoimento do servidor Luis Ricardo Miranda, chefe de Importação do Departamento de Logística do ministério. De acordo com Miranda, a servidora autorizou o prosseguimento da importação da Covaxin, passando por cima do setor no qual ele atua. A pasta fechou contrato, em 25 de fevereiro, com a Precisa Medicamentos, representante no Brasil do laboratório indiano Bharat Biotech, para a aquisição de 20 milhões de doses do imunizante a R$ 1,6 bilhão.
Miranda relatou “pressões atípicas” por parte dos seus superiores para agilizar a importação da vacina, mas ele teria identificado irregularidades no invoice (fatura internacional) e pedido correções. Ao final, segundo enfatizou, o procedimento de importação seguiu sem sua autorização, mas com o aval de Regina Célia.
Um dos problemas listados por Miranda foi o pedido de pagamento antecipado, que foi corrigido, e a quantidade de imunizantes. Conforme contrato, deveriam ser entregues, num primeiro lote, quatro milhões de doses. A empresa previa, entretanto, segundo invoice, a entrega de três milhões. Outro ponto era o pagamento a uma terceira empresa que não constava no contrato, a Madison Biotech, com sede em Cingapura.
Aos senadores, Regina Célia afirmou que aprovou o prosseguimento da negociação apenas em relação à divergência do quantitativo. Segundo ela, a empresa informou que não conseguiria enviar os quatro milhões de doses por um problema de regulamentação, mas que enviaria um milhão de unidades no embarques seguintes. “Considerei razoável, porque, em outros contratos, nós aceitamos também. Até porque, a vacina não seria paga pelos quatro milhões, seria pago o que entregou”, disse.
Questionada pelo presidente da comissão, Omar Aziz (PSD-AM), se não encontrou algo atípico no contrato, ela negou. “Não achei nada atípico no processo, no que me cabe. Em relação à minha função de fiscal para fiscalizar a execução do contrato, não teve nada atípico”, enfatizou.
Sobre a permanência da Madison na invoice, Regina Célia “lavou as mãos”: disse que caberia ao setor de importações e que ela não avaliou quesito. Um e-mail enviado pela servidora, entretanto, mostra que ela deu autorização ao prosseguimento da negociação. O senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE) leu a mensagem diversas vezes, na qual ela diz: “Autorizamos a continuidade dos procedimentos de embarque, nas condições ora apresentadas”.
No mesmo e-mail, Regina Célia afirma que aguarda o envio de uma declaração que diz que a Madison é incorporada pela Bharat. Apesar da mensagem, a servidora sustentou que sua resposta era relativa apenas ao primeiro ponto, do quantitativo de doses. “Não aceitei o envio da invoice no nome da Madison”, frisou. A questão foi muito questionada pelos senadores. Eles enfatizaram que Regina Célia era fiscal do contrato, mas não o fiscalizou por completo. A irritação de parlamentares foi grande. Em determinado momento, o senador Rogério Carvalho (PT-SE) perguntou: “Quem a senhora está protegendo?”
Para o vice-presidente da CPI, Randolfe Rodrigues (Rede-AP), o depoimento foi confuso e paradoxal. “Ela se apresenta como fiscal de contrato em que os termos mais controversos do contrato ela não fiscaliza. Como o caso da invoice. Joga a responsabilidade para aquele que foi responsável por denunciar toda a alteração em relação ao contrato”, destacou.
Diante da tática adotada pela depoente, Rodrigues acredita que ela compareceu com o objetivo de proteger “outros vetores”. “Chama a atenção o fato histórico da Regina ser nomeada pelo então ministro Ricardo Barros. No começo do governo Bolsonaro, ela é exonerada e depois volta a ser nomeada. Ela me parece ser uma peça do mecanismo. Vem a esse depoimento claramente orientada e coordenada para proteger algumas pessoas”, ressaltou.
Já o senador governista Marcos Rogério (DEM-RO) criticou a “tentativa de construção de uma narrativa baseada em fake news”. “A oposição fez um grande esforço para tentar confundir a fala dela, mas ela foi muito clara”, disse. Rogério admitiu, no entanto, que a servidora, em alguns momentos, ficou confusa nos esclarecimentos quanto a uma terceira empresa, no caso, a Madison, que não estava presente no contrato, entrar como a recebedora do pagamento.
Conforme Regina Célia, a portaria que a designou como fiscal do contrato foi assinada só em 22 de março, dois dias após o encontro do presidente Jair Bolsonaro com o deputado federal Luis Miranda (DEM-DF) e com Luis Ricardo Miranda, no qual os irmãos disseram ter relatado ao chefe do Planalto irregularidades no contrato da Covaxin.
O cronograma de entrega previa primeiro lote em 17 de março, e outra parte no dia 27, o que não ocorreu. A empresa não cumpriu nenhum dos prazos (o último lote deveria ser entregue 70 dias após a assinatura do contrato). Regina Célia afirmou que enviou uma notificação de descumprimento dos prazos em 30 de março. “A portaria de nomeação que me indicou como fiscal desse contrato só foi publicada no dia 22. Eu não poderia me manifestar antes disso”, explicou. Em outro momento da oitiva, no entanto, ela disse ter sido designada como fiscal do contrato antes, em 8 de março, apesar de a portaria com a nomeação ter sido publicada só no dia 22.
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Punição
Outra questão abordada no depoimento foi a ausência de sanções do ministério em relação à empresa que estava descumprindo os prazos previstos em contrato: imunizantes deveriam ter sido entregues entre 17 de março e 6 de maio. A servidora disse ter feito notificações à companhia ao longo do período, mas o relatório apontando o descumprimento total do contrato foi feito só em 23 de junho. Os senadores a criticaram, dizendo que a ação só ocorreu após as denúncias feitas à CPI. “Depois que estourou o escândalo”, pontuou Aziz.
A servidora justificou que ficou de férias entre 7 e 18 de junho, mas que já havia o relatório, esperando apenas os documentos da empresa para assinar e remeter ao ministério. Depois desse relatório e as denúncias na CPI, o governo suspendeu o contrato, no dia 29.
“Ao final desses 70 dias, eu emiti um relatório apontando o descumprimento total do contrato e submeti isso à Secretaria de Vigilância em Saúde para que eles avaliassem a pertinência da continuidade da contratação do ponto de vista técnico, se haveria ainda continuidade. Fiz isso recentemente, porque estava de férias”, pontuou.
R$ 45 milhões
De acordo com os irmãos Miranda, o invoice previa pagamento antecipado de R$ 45 milhões por três milhões de doses da Covaxin, o que não estava previsto no contrato. Pela negociação, o pagamento só deveria se feito após o governo receber o imunizante, o que ainda não ocorreu
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