A suspeita de compra superfaturada de 20 milhões de doses da vacina Covaxin pelo governo federal se tornou nesta semana o principal assunto a ser investigado pela CPI da Covid. O presidente da comissão, Omar Aziz (PSD-AM), disse que a denúncia é a mais grave recebida pelos senadores.
Ajustes foram feitos na ordem de depoimentos para incluir testemunhas envolvidas no caso. Nesta sexta (25/6), a comissão vai ouvir os irmãos que levantaram suspeitas sobre a compra da vacina: Luis Carlos Miranda, deputado federal do DEM no Distrito Federal, e Luis Ricardo Miranda, servidor do Ministério da Saúde.
Luis Ricardo Miranda, chefe da divisão de importação do Ministério da Saúde, disse ao Ministério Público Federal (MPF) ter sofrido uma "pressão incomum" de outra autoridade da pasta para assinar o contrato com a empresa Precisa Medicamentos, que intermediou o negócio com a Bharat Biotech, produtora da vacina Covaxin.
Luis Ricardo teria alertado o irmão, o deputado Luis Carlos Miranda (DEM-DF), sobre os problemas. Alinhado ao governo, o deputado disse ao jornal Folha de S. Paulo que avisou o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) sobre irregularidades na compra da vacina.
Documentos obtidos pela CPI e revelados pelo jornal Estado de S. Paulo mostram que o valor contratado pelo governo brasileiro, de US$ 15 por vacina (R$ 80,70), ficou bastante acima do preço inicialmente previsto pela empresa Bharat Biotech, de US$ 1,34 por dose. O gasto total do Brasil seria de R$ 1,6 bilhão.
1) O que se sabe sobre as suspeitas de irregularidade na compra da Covaxin?
Segundo uma reportagem do jornal Estado de S. Paulo, a CPI obteve telegrama sigiloso enviado em agosto ao Itamaraty pela embaixada brasileira em Nova Délhi informando que o imunizante produzido pela Bharat Biotech tinha o preço estimado em US$ 1,34 por dose.
Em fevereiro, porém, o Ministério da Saúde concordou em pagar US$ 15 por unidade (R$ 80,70 na cotação da época), o que fez da Covaxin a mais cara das seis vacinas compradas até agora pelo Brasil. Na ocasião, o ministro da Saúde ainda era o general Eduardo Pazuello.
A compra não foi finalizada porque o escândalo estourou, mas o governo já havia feito reserva de R$ 1,6 bilhão para o pagamento.
O valor final aceito pelo governo chama atenção também porque Pazuello afirmou à CPI que um dos motivos para sua gestão recusar a oferta de 70 milhões de doses da americana Pfizer no ano passado seria o preço alto do imunizante. A vacina, porém, foi oferecida ao Brasil por US$ 10, metade do preço cobrado pela farmacêutica aos governos dos Estados Unidos e do Reino Unido.
Outra razão apresentada por Pazuello para rejeitar a oferta da Pfizer em 2020 foi o fato de a vacina, naquele momento, ainda não ter a aprovação da Agência de Vigilância Sanitária (Anvisa). No entanto, o contrato da Covaxin foi firmado sem essa aprovação prévia. Apenas no início de junho a importação foi autorizada, com algumas restrições.
O MPF está investigando se houve irregularidades no contrato com a Precisa Medicamentos, que intermediou o negócio com a empresa indiana.
Luis Ricardo Miranda apontou como um dos responsáveis pela pressão incomum que teria recebido para aprovar a compra o tenente-coronel Alex Lial Marinho, ex-coordenador-geral de Logística de Insumos Estratégicos do Ministério da Saúde na gestão Pazuello.
Alex Lial Marinho teve quebra de sigilo pedida pela CPI da Covid e também foi convocado a depor.
Em nota enviada à BBC News Brasil, a Bharat Biotech, fabricante da Covaxin, diz que as doses do imunizante são vendidas ao exterior a valores que variam de US$ 15 a US$ 20.
A Covaxin também é alvo de desconfiança na própria Índia.
Procurada pela BBC News Brasil, a Precisa Medicamentos enviou uma nota após a publicação da reportagem dizendo que a dose "vendida para o governo brasileiro tem o mesmo preço praticado a outros 13 países que também já adotaram a Covaxin".
2) Quem são os irmãos Miranda?
Luis Ricardo Miranda é servidor de carreira do Ministério da Saúde, onde coordena a importação no Departamento de Logística em Saúde. É irmão do deputado Luis Carlos Miranda, eleito em 2018 pelo Distrito Federal.
Até o estouro do escândalo, o deputado era alinhado ao governo Bolsonaro. Tem histórico de votações com o governo e apoiou o candidato bolsonarista, Arthur Lira (PP-AL), na disputa pela presidência da Câmara no início de 2021, contrariando seu partido, que ficou neutro.
Luis Carlos Miranda é ele mesmo alvo de diversas denúncias de irregularidades. YouTuber, Miranda ganhou projeção dando "dicas de empreendedorismo" para brasileiros nos Estados Unidos, onde morava até ser eleito deputado federal em 2018.
Ele foi acusado de compra de votos naquele ano: seus suplentes registraram uma denúncia e disseram que ele sorteou dois celulares aos seus seguidores pouco antes do início oficial da campanha eleitoral.
Em 2019, diversas pessoas que investiram em seus negócios nos EUA disseram que sofreram golpes e perderam milhares de dólares, como mostrou uma uma reportagem do programa Fantástico, da TV Globo.
Já um de seus negócios no Brasil, a rede de clínicas Fitcorpus, enfrentou uma avalanche de ações na Justiça de pacientes e ex-funcionários e até sócios acusando a empresa de deixar de entregar serviços e pagar dívidas.
Miranda também enfrenta um processo criminal no Brasil por estelionato, envolvendo o uso de cheques falsos.
3) Como o governo reagiu ao escândalo?
Na quarta (25), o ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Onyx Lorenzoni, anunciou que o governo pediu a abertura de investigações na Polícia Federal e na Procuradoria-Geral da República (PGR) contra os irmãos.
'Quero alertar ao deputado Luís Miranda: o que foi feito hoje, no mínimo, é denunciação caluniosa, e isso é crime tipificado no Código Penal', afirmou Lorenzoni.
O deputado retrucou dizendo que a fala foi uma ameaça com a "intenção clara de coagir as testemunhas".
"Não vou me sentir coagido, não. Vou botar ele na cadeia. Se ele tentar me ameaçar de novo, vou procurar todas as autoridades para que isso aconteça, afirmou o deputado ao site Metrópoles.
Miranda fez também uma postagem no Twitter confrontando Bolsonaro.
"Presidente, você permite que eu e meu irmão sejamos atacados por tentarmos ajudar o seu governo, denunciando para o senhor indícios de corrupção em um contrato do Ministério da Saúde! Sempre te defendi e essa é a recompensa?", questionou.
O senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) afirmou que a CPI vai solicitar proteção policial aos irmãos.
"As informações que o deputado está declinando à imprensa e que trará a esta CPI são de extremo interesse público. Sua vida e a de sua família precisam estar resguardadas", escreveu Rodrigues no Twitter.
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