Embora as sessões da CPI da Covid só comecem na terça-feira (29/6), o vice-presidente da comissão, Randolfe Rodrigues (Rede-AP), já tem trabalho marcado para hoje. Ele vai registrar uma notícia-crime contra o presidente Jair Bolsonaro na Procuradoria-Geral da República por prevaricação. O depoimento ao colegiado do servidor do Ministério da Saúde Luis Ricardo Miranda, e do irmão dele, o deputado federal Luis Miranda (DEM-DF), motivou o pedido de investigação. A dupla contou que procurou o chefe do Planalto para denunciar o acordo de compra superfaturada da vacina indiana Covaxin e diz ter ouvido dele que a Polícia Federal seria acionada para fazer a apuração, o que não ocorreu.
“Um servidor público concursado e seu irmão deputado federal levam ao presidente da República a notícia de um crime de corrupção em curso. O presidente informa que tem conhecimento do autor, que se trata do seu líder na Câmara dos Deputados. Mesmo comunicado, o presidente da República não toma nenhuma providência. Não instaura inquérito, não pede investigação, nada”, elencou Rodrigues, em vídeo. Ele se referiu ao fato de que Bolsonaro teria culpado o deputado Ricardo Barros (PP-PR), líder do governo na Casa, pelo “rolo” do contrato. “Diante desse grave acontecimento, estarei representando, na segunda-feira, à Procuradoria-Geral da República, para dar notícia de crime de prevaricação cometido pelo senhor presidente da República. Esse crime, até aqui, é o mínimo a ser apurado. Tenho certeza que a CPI apurará muito mais além disso.”
Nesta semana, a CPI pode votar requerimento para a convocação de Barros. O líder do governo na Câmara já se disse à disposição para fazer esclarecimentos sobre o caso (veja na reportagem abaixo).
Também sobre o contrato suspeito da Covaxin, os parlamentares tomarão, na quinta-feira, o depoimento de Francisco Maximiano, sócio da Precisa Medicamentos, empresa que fez a intermediação da negociação do governo com o laboratório indiano Bharat Biotech, produtor do imunizante. Ele deveria ter sido ouvido na semana passada, mas alegou à CPI que estava em quarentena por ter viajado à Índia.
Integrante da comissão, o senador Otto Alencar (PSD-BA) afirmou ser importante para o colegiado aprofundar-se na relação da empresa com o Ministério da Saúde. “A Precisa está atuando para vender medicamentos, como já vendeu preservativo. O dono, Maximiano, é sócio da Global, que deu calote (na pasta) quando Ricardo Barros era ministro (da Saúde). Ele era um contumaz empresário enrolado e entrou nessa possibilidade de venda da Covaxin”, ressaltou. “As provas mostram que teve ajuda do governo, começando pelo ex-ministro Ernesto Araújo (que comandou a pasta das Relações Exteriores), que fez advocacia administrativa junto ao governo indiano.”
A vacina foi comprada por US$ 15 a dose, preço mais caro entre os imunizantes adquiridos pelo governo. “O caso é muito grave. Se os irmãos falaram com o presidente, ele disse que ia encaminhar para a Polícia Federal e não encaminhou, isso tem de ser apurado. Os irmãos Miranda confirmaram tudo, mostraram tudo e deram o nome do Ricardo Barros, que precisa ser ouvido”, enfatizou. “A CPI deve ser prorrogada. Vamos aprovar novos requerimentos de convocação, incluindo o de Ernesto Araújo. O fatos mostram um tráfico de influência, o governo atuou para beneficiar a Precisa.”
Nova vertente
Na avaliação do senador Rogério Carvalho (PT-SE), os trabalhos entraram em uma nova frente. “A minha impressão é de que a CPI concluiu uma etapa, que foi de caracterizar os crimes sanitários e contra a vida. Sexta-feira, a gente já entrou na nova etapa, que é para saber se, na compra de insumos, houve desconformidades. Se houve desconformidades na compra de vacinas, de medicamentos. Está claro que teve desconformidade. Tem processos fora da regularidade. E precisamos aprofundar o caminho”, destacou. “Vamos continuar na linha para a caracterização dessa nova vertente que se abriu com o surgimento do nome do deputado Ricardo Barros. O caminho não é a Precisa, mas qual a interferência do Ricardo Barros e o que ele representa de rede de negócios no governo.”
O senador governista Carlos Heinze (PP-RS) discordou. “Estão buscando chifre em cabeça de cavalo. Esse deputado brasiliense que foi ouvido é fake. Esse negócio da Precisa não tem nada a ver. Foi normal”, refutou. Para ele, o depoimento mais esperado da semana será o do deputado amazonense Fausto Vieira (PRTB), relator da CPI que investiga o governador do estado, Wilson Lima, marcado para amanhã. “Vamos ver a questão do Amazonas, o que mais pode trazer.”
Na quarta-feira, a CPI tomará o depoimento do empresário Carlos Wizard. Ele é considerado um dos financiadores do gabinete paralelo, grupo que municiava Bolsonaro com informações negacionistas sobre a crise sanitária. Nesta semana, também, a comissão deve avaliar se prorrogará os trabalhos, previstos para serem encerrados na primeira semana de agosto.
"Estão buscando chifre em cabeça de cavalo. Esse deputado brasiliense que foi ouvido é fake. Esse negócio da Precisa não tem nada a ver. Foi normal”
Carlos Heinze (PP-RS), senador governista
Prejuízo milionário
A Global Saúde — do mesmo grupo da Precisa Medicamentos — não honrou um contrato fechado com o Ministério da Saúde, na época em que Ricardo Barros comandava a pasta, causando prejuízo de R$ 20 milhões aos cofres públicos, como já apontado pelo Ministério Público Federal (MPF).