É cada vez mais certa a indicação do advogado-geral da União, André Mendonça, para ocupar a vaga que será deixada pelo ministro Marco Aurélio Mello no Supremo Tribunal Federal (STF). Se confirmada, a chegada dele à mais alta Corte do país vai representar a primeira vez que um pastor de igreja evangélica — a Presbiteriana Esperança de Brasília — toma assento em uma das cadeiras que representam a cúpula do Poder Judiciário. No Senado, apesar de algumas resistências, ele deve ser aprovado com folga na sabatina que chancela a chegada de um indicado ao posto. Mesmo parlamentares de oposição avaliam não existirem entraves jurídicos a Mendonça.
O presidente Jair Bolsonaro, responsável por indicar o substituto, ainda não bateu o martelo. Mas, a interlocutores, tem dito que Mendonça encabeça a lista e, caso não surja nenhum entrave até o mês que vem, será ele o escolhido — o presidente espera conta com o apoio dos evangélicos à sua reeleição. Em segundo lugar no páreo está o procurador-geral da República, Augusto Aras. A esperança do chefe do Ministério Público é de que o Senado barre a nomeação de Mendonça. O motivo seria a polêmica em que se meteu o AGU quando estava à frente do Ministério da Justiça. Ele usou a Lei de Segurança Nacional e acionou a Polícia Federal para perseguir opositores do governo, como o youtuber Felipe Neto e cidadãos até então anônimos, como o sociólogo e professor Tiago Costa Rodrigues, alvo de um inquérito por contratar outdoor, em Palmas, e fixar mensagem dizendo que Bolsonaro “não vale um pequi roído”.
Até o momento, todas as investigações abertas pela PF, a pedido de Mendonça, contra críticos de Bolsonaro foram arquivadas. Entre colegas, o AGU é visto como um homem de fé, mas que não costuma misturar os versículos da Bíblia com os artigos da Constituição. No entanto, esse costume foi quebrado nos últimos meses, quando chegou a usar trechos do livro sagrado como argumento em processos.
Especialistas apontam que, em uma análise subjetiva, o ato poderia retirar de Mendonça o critério da reputação ilibada para integrar o Supremo. Thiago Sorrentino, professor de direito constitucional do Ibmec Brasília, destaca que, juridicamente, existe um fundamento, mas diz que jamais um indicado foi vetado pelos senadores. “Do ponto de vista exclusivamente do direito, é possível ter essa interpretação. Mas o Senado nunca rejeitou ninguém. Entre a teoria e a prática, existe uma lacuna. Poderia servir para uma ação no Supremo, daí dependerá da conduta da Corte.”
O cientista político Paulo Palhares afirma não haver regras específicas para tratar da reputação ilibada. “É um conceito jurídico aberto, não existe uma posição legal colocando quais seriam os critérios. Não é vale tudo. É diferente da vida pregressa (avaliada em concursos públicos), pois tem elementos mais objetivos para impedir um candidato de tomar posse. Quando se fala em reputação ilibada, é até mais exigente do que a investigação”, frisa.
Se Mendonça tem um fato controverso na carreira, com Aras não é diferente. O chefe do Ministério Público se alinhou ao Executivo — de olho na vaga no STF — e é acusado de se omitir em relações a falhas e crimes que ocorrem no âmbito do governo. No começo deste ano, o procurador-geral abriu um inquérito para investigar a grave omissão que provocou dezenas de mortes de pacientes com covid-19 por falta de oxigênio em hospitais de Manaus. Ele arrolou o então ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, como investigado. No entanto, deixou de fora o chefe do general: Bolsonaro.
Em abril de 2020, Aras pediu ao STF a abertura de inquérito para apurar a organização de atos antidemocráticos, que ocorreram pelo país, nos quais manifestantes e parlamentares bolsonaristas pediram o fechamento do Congresso e do próprio Supremo. O chefe do Planalto, apesar de ter participado de um desses eventos, não teve o nome incluído pelo PGR na solicitação.
Liberado
Apesar de André Mendonça ser alvo de críticas no Congresso, o entendimento no Parlamento é de que recusar a indicação do presidente seria um ato inédito e grave. Mesmo assim, senadores admitem haver desconforto tanto com a possibilidade de o AGU ser o escolhido quanto Aras.
O líder da oposição, Randolfe Rodrigues (Rede-AP), fala em uma “escolha difícil”. “Vamos ver qual é o nome que o presidente da República vai indicar. São dois nomes aos quais temos muita oposição”, disse. A resistência se deve, justamente, ao alinhamento do PGR com Bolsonaro e à atitude do AGU, quando ministro da Justiça, de usar a Lei de Segurança Nacional contra adversários do governo. “Não é maioria entre os colegas, mas, pelas razões expostas, há muita resistência. Neste momento, eu diria que a oposição maior é à leniência e à negligência em atuar em relação ao presidente da República”, opinou, ao Correio.
Líder do Podemos, senador Álvaro Dias (PR) recebeu uma “visita de cortesia” de Mendonça há cerca de quatro semanas. Ele olha com ceticismo para as duas opções. Porém, afirma que “quem o presidente quiser será aprovado”. “É algo que já sabemos como terminará. Por isso, precisamos mudar o modelo (de indicação de ministros do STF). Conversei com o presidente do Senado, (Rodrigo) Pacheco (DEM-MG), pedindo, no colégio de líderes, para colocar em votação os projetos que já existem. Ele ficou de fazer uma coleta e conversar com o Supremo. É uma mudança que impõe normas. Seria substituir a indicação política pela meritocracia”, defende.
De acordo com o senador, é fundamental considerar se o escolhido “atende aos pressupostos básicos da probidade e notório saber jurídico”. “Não temos alternativa. Eu acompanhei a indicação do Fachin (Edson Fachin), que contrariou as expectativas. Era um momento muito ruim para a presidente Dilma (Rousseff) e ela buscou alguém do mundo jurídico bem-avaliado. Mas Bolsonaro vive na bolha. Ele vai buscar proximidade com o indicado. Isso já tem dito. Como se fosse realmente o essencial. O essencial é ser leal à Constituição, ao país”, argumentou.
O senador governista Marcos Rogério (DEM-RO) também foi procurado por Mendonça. O parlamentar destaca que o lobby é normal, mas não é o ideal. Ainda assim, defende as duas posições. “Ele conversou com diversos senadores. Eu conheço a trajetória dele. Com relação ao PGR, ele não entrou em contato comigo pessoalmente, mas o conheço e é um bom quadro”, avaliou. “Acho que são dois bons quadros, que preenchem os requisitos. Mas essa é uma escolha do presidente. É prerrogativa dele. Cabe ao Senado fazer a arguição, a sabatina. Na história da Casa, não há reprovação de ministros dentro do período democrático”, frisou.
Questionado sobre as críticas a Mendonça e Aras, Marcos Rogério disse se tratarem de problemas menores. A respeito da escolha de um magistrado “terrivelmente evangélico”, o senador também descartou empecilho. “O presidente fez o compromisso público de indicar um ministro evangélico. Não acho que cabe ao Senado fazer veto em razão de ser evangélico. E as outras duas argumentações também não se sustentam, nem em relação a um nem em relação a outro”, destacou. “Não é uma posição jurídica de um indicado em um determinado momento que deve servir de base para dizer que não preenche o requisito”, argumentou.
O ministro Marco Aurélio Mello também não vê entraves aos nomes de Mendonça e Aras. O magistrado considera que ambos são credenciados para ocupar o posto (leia entrevista abaixo).
Pedido de arquivamento
Por duas vezes neste mês, a Procuradoria-Geral da República pediu ao ministro Alexandre de Moraes, relator do inquérito dos atos antidemocráticos no STF, que arquive a investigação em relação a parlamentares bolsonaristas. O argumento é de que a apuração não conseguiu apontar a participação deles nos crimes investigados. O órgão indicou que as investigações sigam para a primeira instância, já que não ficou configurada a conexão com pessoas com foro privilegiado.
12/7
Data marcada para a aposentadoria de Marco Aurélio Mello