CORONAVÍRUS

Luis Miranda e irmão vão depor nesta sexta na CPI sobre Bolsonaro e Covaxin

Aliado do governo, Luis Miranda diz ter avisado ao presidente sobre as suspeitas de corrupção envolvendo a compra da vacina, mas governo manteve o contrato. O parlamentar e o irmão dele, responsável pela denúncia, vão ser ouvidos amanhã pela CPI da Covid

A CPI da Covid deu mais um passo na investigação sobre um suposto esquema de corrupção na compra, pelo governo federal, da vacina indiana Covaxin, do laboratório Bharat Biotech, representado no Brasil pela Precisa Medicamentos. Ontem, a comissão aprovou convites para ouvir o servidor do Ministério da Saúde Luis Ricardo Miranda e do irmão dele, o deputado federal Luis Miranda (DEM-DF). Os dois comparecerão à sessão de amanhã do colegiado.

O convite tem como ponto de partida o depoimento de Luis Ricardo Miranda à Procuradoria da República do Distrito Federal, num inquérito civil público que apura suspeita de improbidade administrativa na Saúde na distribuição de cloroquina e na crise de oxigênio em Manaus. O servidor, chefe de importação do Departamento de Logística do Ministério da Saúde, afirmou que houve “pressões anormais” em relação à Covaxin por parte da alta cúpula da pasta.

Além disso, o presidente Jair Bolsonaro atuou pessoalmente para a aquisição do imunizante. Como já revelado, em janeiro, o chefe do Planalto enviou uma carta ao primeiro-ministro indiano, Narendra Modi, afirmando que a candidata estava “entre as vacinas selecionadas pelo governo brasileiro”, mesmo sem qualquer aprovação regulatória e sem estar entre os imunizantes cujos estudos eram realizados no Brasil.

Diante do interesse da CPI em ouvir o técnico, o deputado Luis Miranda firmou acordo com os senadores, na terça-feira, para comparecer à sessão ao lado do irmão. Ao Correio, o parlamentar disse ter se encontrado com Bolsonaro, em março, e alertado o presidente sobre as suspeitas em relação ao contrato. “Tudo o que eu falei e o que meu irmão falou são documentos que, inclusive, constam dos arquivos do Ministério da Saúde”, frisou. Ele afirmou que decidiu procurar o chefe do Planalto após o irmão relatar a pressão interna sofrida para que aprovasse a documentação da Covaxin, constando, inclusive, pedido de liberação de verba antes de as vacinas chegarem. Como o contrato já estava assinado desde 25 de fevereiro, caso o documento passasse, a verba estaria automaticamente autorizada.

O principal problema identificado pelo servidor do ministério seria o pagamento antecipado de parte do valor do contrato a uma terceira empresa, sediada em Cingapura, chamada Madison Biotech. O valor do pagamento era de US$ 45 milhões, segundo documento enviado à reportagem. “Botaram uma pressão gigante para passar de qualquer jeito, e ele segurou. Erro no processo é improbidade administrativa, é crime, então, não se insiste”, completou o parlamentar.

De acordo com o deputado, entre os que exerceram pressão no servidor estão o ex-secretário-executivo do Ministério da Saúde Élcio Franco e o coronel Marcelo Pires, que chefiou a Diretoria de Programas da pasta, de janeiro a abril, sendo exonerado com a chegada do atual ministro, Marcelo Queiroga.

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Pressão

Em um print enviado pelo deputado ao Correio, Pires pede a Luis Ricardo Miranda celeridade na liberação. “Meu amigo. Estamos com muitos brasileiros morrendo. Precisamos fazer tudo para ajudar. O representante da empresa veio agora à noite falar com o Élcio para agilizar a LI (licença de importação) para embarcar as vacinas esta semana”, escreveu ao servidor, após enviar o contato do representante citado, Francisco Maximiano, sócio da Precisa Medicamentos, cujo depoimento estava marcado para ontem, mas acabou adiado para a semana que vem. O empresário alegou estar em quarentena depois de uma viagem à Índia.

Segundo Miranda, o irmão pediu ajuda diante da insistência, e o deputado, ao constatar que as orientações vinham de cima, decidiu procurar diretamente Bolsonaro. “Se o Ministério Público e a Polícia Federal já estão investigando essa empresa, temos poucas opções: vamos ao presidente da República, que é quem tem o poder de parar a canetada”, explicou a dedução que fez. Segundo o parlamentar, Bolsonaro garantiu que acionaria a Polícia Federal para investigar o caso.

O presidente da CPI, Omar Aziz (PSD-AM), disse ter acionado um delegado da PF que trabalha com a comissão para saber se foi aberto inquérito visando apurar as suspeitas.

De acordo com o vice-presidente da CPI, Randolfe Rodrigues (Rede-AP), há suspeitas de que a companhia de Cingapura foi usada como “laranja”. “Uma empresa que está em Cingapura, numa casinha. Essa, claramente, me parece que é uma empresa laranja, intermediária, interlocutora, esquema de lavagem de dinheiro”, enfatizou.

Conforme o senador, “a suspeita é de que vários agentes públicos (estavam) se beneficiando (dessa lavagem de dinheiro)”. “Tem um grande esquema de corrupção aí. Esse esquema foi levado ao presidente (da República)”, destacou.

Em nota, a Precisa Medicamentos definiu como “contraditórias e infundadas” informações envolvendo o nome da empresa. A companhia alegou que o “período entre a negociação e a assinatura do contrato para aquisição da Covaxin levou a mesma média de tempo de outros trâmites semelhantes” e se colocou à disposição para prestar esclarecimentos. Questionada pela reportagem sobre o documento em que era pedido adiantamento de pagamento para envio de vacinas, a empresa destacou que “não recebeu e não vai receber nenhum pagamento do Ministério da Saúde”.

Deputado polêmico

Eleito em 2018, o deputado Luis Miranda está no primeiro mandato e é um parlamentar polêmico. Da tropa de choque governista, ele já foi processado por estelionato, em golpes que teriam sido aplicados no Brasil e nos Estados Unidos. Antes de ser eleito, ele morou em Miami e ensinava, nas redes sociais, como ganhar dinheiro fácil. Em 2019, uma reportagem do Fantástico, da TV Globo, mostrou que Miranda era acusado de pegar dinheiro de usuários da internet.

TCU vai apurar "questões nebulosas" do contrato

Em meio às apurações da CPI da Covid sobre a Covaxin, o ministro do Tribunal de Contas da União (TCU) Benjamin Zymler, relator de uma apuração na Corte sobre eventuais irregularidades na aquisição da vacina, autorizou a divulgação de um relatório preliminar a respeito do caso. O documento mostra que não havia no processo administrativo da contratação informações apontando tentativa do governo de negociar o preço proposto pela fabricante do insumo, a Bharat Biotech, representada no Brasil pela Precisa Medicamentos.

O contrato para a aquisição de 20 milhões de doses da Covaxin foi assinado em 25 de fevereiro, no valor de R$ 1,6 bilhão. O relatório técnico apurava denúncia de sobrepreço da vacina, a mais cara entre as compradas pelo governo: US$ 15 a dose. O documento foi elaborado pela Secretaria de Controle Externo da Saúde (SecexSaúde), área técnica do tribunal, em 25 de março deste ano, após uma representação encaminhada pelo deputado federal Alessandro Molon (PSB-RJ). De acordo com o tribunal, ainda não há deliberação, e o processo precisa passar por apreciação do plenário.

No relatório, cita-se uma nota técnica, de 17 de fevereiro deste ano, do Departamento de Imunização e Doenças Transmissíveis (DEIDT), dizendo que se tratava da primeira aquisição nacional da Covaxin e que, por isso, não havia registro de compras anteriores ou de preços balizadores para essa vacina. O DEIDT emitiu, no mesmo dia, um despacho reforçando a informação e sugerindo ao Departamento de Logística do Ministério da Saúde avaliar a possibilidade de realização de negociação com o fornecedor, a fim de apurar melhores preços.

“Não consta dos autos do processo administrativo nenhum documento que evidencie qualquer tentativa de negociação do preço proposto pela empresa, ou busca por eventuais preços internacionais da vacina, em eventuais vendas para outros países”, informa o documento da área técnica do TCU.

O relatório pontua que em um parecer da Conjur, a Advocacia-Geral da União (AGU) ressaltou que não observou a estimativa de preços na forma prevista da Medida Provisória 1.026/2021 nem mesmo a justificativa para a sua dispensa excepcional na MP. O documento frisou que “faz-se necessário, portanto, que a autoridade competente junte manifestação para dispensar a pesquisa de preços”.

“Mais uma vez, não foi identificado, no âmbito do processo administrativo, nenhum documento no sentido de dar cumprimento ao determinado no parecer da Conjur, ou seja, não consta nenhuma manifestação que justifique a dispensa da pesquisa de preços, ou qualquer fundamentação sobre a razoabilidade do preço praticado, com exceção do afirmado na já citada Nota Técnica 64/2021, de que não havia registro de aquisições anteriores ou de preços balizadores para esta vacina”, ressalta a unidade técnica do tribunal.

Em 31 de março, o ministro Benjamin Zymler autorizou diligências junto ao Ministério da Saúde para que fossem apresentadas uma série de informações: “Se as investigações pretéritas contra a contratada e sua sócia, a Global Gestão em Saúde S.A., chegaram ao conhecimento do Ministério da Saúde e se foram consideradas na gestão dos riscos da contratação; se foi realizada alguma negociação do preço de aquisição inicial proposto pela Bharat Biotech; e se foi realizado algum comparativo com o preço contratado da mesma vacina em outros países”.

Na sessão do plenário, a presidente da Corte, Ana Arraes, fez questão de ler um comunicado sobre a apuração, dizendo que o ministério respondeu ao TCU em 14 de maio e que a documentação está nos autos, “em análise por área técnica, com a prioridade que o caso requer”.

Em seguida, o ministro Bruno Dantas disse ser necessário esclarecer “questões nebulosas” em relação ao contrato. Ele afirmou que o tema “se encontra envolto num emaranhado de questões nebulosas”.

A Global, conforme o Ministério Público Federal (MPF), é sócia da Precisa Medicamentos e, há pouco mais de três anos, negociou um contrato para venda de medicamentos ao Ministério da Saúde, mas não os entregou.